terça-feira, 28 de abril de 2009

O outro lado do Congresso Nacional: um histórico da Bancada Feminina


[Women'S Clubs For
Woman Issue.

Robert Kelly. Life]

Patrícia Rangel*


Trecho extraído de artigo publicado no Boletim Nº 1 do Núcleo de Estudos sobre o Congresso - NECON-IUPERJ

[...]
Ao contrário de muitos países, o Brasil possui em seu Congresso uma instância suprapartidária articulada em torno de interesses relacionados aos direitos da mulher. A Bancada Feminina reúne deputadas e senadoras para discutir e promover proposições legislativas vinculadas a questões de gênero. Ela se articula permanentemente, possui uma agenda, planeja atividades anualmente e elege sua coordenação. Apesar de não ser uma estrutura formalmente incorporada ao Parlamento, é um instrumento de fortalecimento das legisladoras e possui relevância sobretudo em processos políticos específicos.

[...]
Em 1995, a Conferência Mundial sobre a Mulher das Nações Unidas estabeleceu um mínimo de 30% como meta mundial de participação feminina em casas legislativas. Entretanto, dados da União Interparlamentar (IPU, da sigla em inglês), órgão vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU), mostraram que, 14 anos depois, essa meta foi alcançada em somente 20 Câmaras de Deputados no mundo. Em fevereiro de 2009, segundo a IPU, a média de mulheres nos parlamentos do mundo era de menos de 20%: 18.4% em ambas as casas, 18.5% na câmara baixa e 17.6% na câmara alta. O Brasil, por sua vez, tinha 9% de mulheres na Câmara dos Deputados (9 em 513) e 12.3% no Senado (10 em 91). Esses baixos percentuais o colocam na 106º posição do ranking mundial. Cabe ressaltar que o baixo nível de representação feminina no Brasil não é problema dos dias de hoje, apesar de o Brasil ter sido um dos primeiros países latino-americanos a conceder às mulheres o direito ao voto, garantido pelo Código Eleitoral de 1932 (mais de cem anos após os homens).

Para ler o texto completo, clique aqui.

*Patrícia Rangel é doutoranda no Ipol/UnB e mestre em ciência política pelo IUPERJ.

Uma infausta data: 45 anos do golpe de abril

[A soldier guarding a pile of sealed ballot bags. Brazil, December 1946. Thomas D. Mcavoy, Life]


Caio Navarro de Toledo*

Publicado no Jornal da Unicamp de abril de 2009.

Há 45 anos – no dia em que o imaginário popular consagra como o “dia da mentira” – era rompida a legalidade democrática vigente no país desde a derrubada da ditadura do Estado Novo (1937-1945).

Hoje, no Brasil, poucos serão aqueles que se atreverão a propor algum tipo de comemoração pública desta infausta data. Felizmente, nestes dias, em instituições acadêmicas e entidades culturais e políticas, em sindicatos de trabalhadores, em alguns jornais e revistas da grande imprensa e em blogs de jornalistas independentes deverão ocorrer debates que examinarão criticamente os significados e os efeitos do movimento de abril de 1964 na história política e cultural recente do país. Certamente, nenhum veículo da grande mídia nacional voltará a afirmar que o pós-1964 no Brasil – comparativamente às ditaduras militares sul-americanas (“mais cruéis”, “mais sanguinárias” etc) – teria sido uma autêntica “ditabranda”.*

Golpe ou revolução? Àqueles que ainda insistem em denominar este movimento com a noção de “Revolução”, deveríamos lembrar as palavras de um eminente protagonista daquele movimento. Em 1981, em celebrado depoimento, Ernesto Geisel declarou: “o que houve em 1964 não foi uma revolução. As revoluções se fazem por uma idéia, em favor de uma doutrina”. Para o vitorioso de 1964, o movimento se fez “contra Goulart”, “contra a corrupção”, “contra a baderna e a anarquia que destruíam o país”. Estritamente falando, o ex-ditador reconheceu que o movimento liderado pelas Forças Armadas não era a favor da construção de algo novo no país; era, sim, um movimento contra um estado generalizado de coisas que “infelicitavam o povo e a nação brasileira”...

Pertinentes, pois rejeitam a noção de Revolução para caracterizar o 1º. de abril de 1964, as formulações do militar golpista, no entanto, podem ser objeto de uma outra leitura. Sendo assim, é possível – a partir de uma outra perspectiva teórica – ressignificar todos os “contras” presentes no depoimento do militar. Mais correto seria então afirmar que 1964 representou: (a) um golpe contra a incipiente democracia política brasileira; (b) um movimento contra as reformas sociais e políticas e (c) uma ação repressiva contra a politização das organizações dos trabalhadores e o extenso e rico debate de idéias que se desenrolava de norte a sul do país.

Em síntese, no pré-1964, as classes dominantes e seus aparelhos ideológicos e repressivos – diante das iniciativas e reivindicações dos trabalhadores no campo e na cidade e de setores das camadas médias – apenas vislumbravam “crise de autoridade”, “subversão da lei e da ordem”, “quebra da disciplina e hierarquia” dentro das Forças Armadas e a “comunização do país que, no limite, implicariam a “dissolução da família” e o “fim propriedade privada”. Embora, por vezes, expressas numa linguagem “radical” – na “lei ou na marra”, “morte aos gorilas” etc. –, as demandas por reformas sociais e políticas pretendiam, fundamentalmente, o alargamento da democracia política e a realização de mudanças no capitalismo brasileiro.

Não se pode, contudo, deixar de reconhecer que, em toda a história republicana brasileira, o golpe contra as frágeis instituições políticas se constituiu em permanente ameaça. O fantasma do golpe rondou, em especial, os governos democráticos no pós-1946 e, com maior intensidade, a partir dos anos 1960. Pode ser dito que o governo Goulart nasceu, conviveu e morreu sob o espectro do golpe de Estado. Em abril de 1964, o golpe – permanentemente reivindicado por setores privilegiados da sociedade civil – foi, então, definitivamente vitorioso.

Contra algumas formulações “revisionistas”, presentes no atual debate político e ideológico, que insinuam “tendências golpistas” por parte do governo Goulart, deve-se enfatizar que quem planejou, articulou e desencadeou o golpe contra a democracia política foi a alta hierarquia das Forças Armadas, incentivada e respaldada pelo empresariado (industrial, rural, financeiro e investidores estrangeiros) bem como por setores das classe médias brasileiras (que se comportaram no período como autênticas “vivandeiras de quartel”).

Destruindo as organizações políticas e reprimindo os movimentos sociais reformistas, o golpe foi saudado pelo conjunto do empresariado (industrial, rural, financeiro e investidores estrangeiros), pela alta cúpula da Igreja católica, pela grande imprensa etc. como uma autêntica “Revolução”. Aliviadas por não terem de se envolver militarmente no país, as autoridades norte-americanas congratularam-se com os militares e civis brasileiros pela feliz “solução” que encontraram na superação da “crise política” enfrentada pelo país. A administração Lyndon Johnson (1963-1969) não pode senão festejar pois uma nova (e grandiosa) Cuba teria sido evitada ao sul do Equador...

Embora tivesse simpática acolhida nos meios populares e sindicais, o governo Goulart caiu como um castelo de areia. Dois de seus principais pilares de apoio – como apregoavam os setores nacionalistas – mostraram ser autênticas peças de ficção. De um lado, o propalado “dispositivo militar”, comandado pelos chamados “generais do povo”; de outro, o chamado 4º. poder que seria representado pelo Comando Geral dos Trabalhadores. Ambos assistiram – sem qualquer reação significativa – a queda inglória de um governo a quem juravam fidelidade e o compromisso de defender, destemidamente, até com o sacrifício da vida...

Ao contrário do que afirmaram os “vencedores”, as classes populares e trabalhadoras estiveram ausentes das chamadas “marchas em defesa da família e da propriedade” – promovidas por associações de mulheres católicas da alta burguesia e de setores médios – que, em algumas capitais do país, pediam ostensivamente a destituição de João Goulart. No entanto, as classes populares e os trabalhadores nada fizeram para evitar a derrubada de um governo que, a partir de fins de 1963, passou a empenhar mais resolutamente a defesa das reformas sociais e bandeiras nacionalistas.

Por sua vez, as entidades políticas e os movimentos sociais que afirmavam representar os trabalhadores e os setores populares nenhum gesto tiveram para se opor ou impedir o golpe que há muito tempo se anunciava no horizonte – nas conversas dos políticos, nas páginas dos jornais e revistas e nas passeatas de ruas. Desarmadas, desorganizadas e fragmentadas, as entidades progressistas e de esquerda – algumas delas subordinadas ao governo Goulart – nenhuma resistência ofereceram à ação dos militares. Poucas semanas antes de abril, algumas lideranças “radicais” afirmaram que os golpistas – caso atrevessem quebrar a ordem constitucional – teriam as “cabeças cortadas”. Tratava-se, pois, de uma rompante metáfora... Com a ação dos “vitoriosos de abril”, esta expressão, no entanto, se tornou uma dura e cruel realidade para muitos homens e mulheres durante os longos 20 anos de ditadura militar. Quarenta e cinco anos depois, nada há, pois, a comemorar. Decorridos 45 anos, não se fez justiça às vítimas da ditadura militar e ainda aguardamos que a verdade sobre os fatos ocorridos entre 1964 e 1985 seja plenamente conhecida pelo conjunto da sociedade brasileira. Sendo o “direito à justiça” e o “direito à verdade” exigências e dimensões decisivas de qualquer regime democrático, deve-se concluir que a democracia política no Brasil contemporâneo não é ainda uma realidade sólida e consistente.

** Recentemente, o diretor de redação da Folha de S. Paulo – em resposta a várias manifestações de protesto contra o jornal (abaixo-assinado na Internet, ato que reuniu mais de 400 pessoas defronte sua sede, centenas de cartas de seus leitores etc.) – reconheceu publicamente o erro da FSP pela “leviana conotação” contida na noção de “ditabranda” empregada em editorial de 17 de fevereiro de 2009. O texto do abaixo-assinado – que conta hoje com mais de 8 mil signatários – pode ser conhecido acessando o link.

Caio N. de Toledo é professor colaborador da Unicamp. Autor de O governo Goulart e o golpe de 1964, Editora Brasiliense e 1964: visões críticas do golpe (org.), Editora Unicamp.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Taxa de juros no Brasil: um caso de política

Marcus Ianoni*
Artigo publicado no jornal Valor Econômico de 22-01-2009

Desde a política de estabilização monetária implementada em 1994, o Brasil tem, frequentemente, ocupado a posição de campeão mundial em taxa de juros reais. Economistas têm realçado algumas causas para essa elevadíssima taxa de juros: porque 1) falta crédito ao Estado brasileiro; 2) a taxa de equilíbrio é alta (9% reais); 3) a poupança brasileira é baixa e precisa ser aumentada ou compensada; 4) há incerteza jurisdicional; 5) o problema fiscal não foi resolvido. Em seu último livro, denominado Macroeconomia da Estagnação (2007), o professor, economista e ex-ministro da Fazenda Luis Carlos Bresser-Pereira refuta-as e salienta uma explicação política: a taxa de juros no Brasil é alta porque o Estado, especialmente por intermédio do Banco Central, está capturado por uma coalizão política na qual se destacam os rentistas e o setor financeiro. Deixando aqui de lado, por motivo de espaço, a política cambial, as políticas monetária e fiscal, sobretudo pelos seus vínculos com a dívida e as finanças públicas, são objetos da captura rentista-financeira.

A principal versão da “teoria da captura” foi formulada nos EUA, nos anos 70, por economistas da Escola de Chicago, sendo naquele país também conhecida como “teoria econômica da regulação”. Sua idéia básica é que reguladores e regulados, nas diversas indústrias, agindo de modo auto-interessado e racional, aliam-se e, assim, capturam a política regulatória. A regulação econômica insere-se numa estrutura racional de oferta e demanda. Pelo lado da demanda, estão os grupos de interesse ligados às diversas indústrias, que desejam regulação em seu próprio benefício, conhecem os interesses dos reguladores (políticos e elites da burocracia pública) - dinheiro para financiar campanhas eleitorais, votos e cargos (nos setores privado ou público) - e lhes oferecem vantagens em troca de política regulatória. No lado da oferta, estão os políticos (incluindo a burocracia governamental), que, cientes de que os grupos de interesse querem regulação a seu favor, se dispõem a barganhá-la. Assim, estruturam-se as condições para a troca entre atores do setor público e agentes do mercado no processo decisório de política regulatória.

As fontes empíricas férteis para tornar evidente a captura rentista-financeira da política macroeconômica brasileira são várias. Pode-se, a título de exercício exploratório, agrupá-las em três grandes grupos: 1) indicadores econômicos; 2) instituições econômicas e jurídicas e gestão pública; 3) instituições políticas e política competitiva. A cada um desses grupos é possível vincular inúmeras vias de investigação empírica que dêem plausibilidade à apreensão racional de um efetivo sistema de captura das políticas monetária e fiscal por grupos de interesse financeiro.

Entre tais fontes, destaco aqui as agências de relações com investidores (RI) implementadas no Banco Central e no Tesouro Nacional. Essas agências foram criadas - por iniciativa do FMI e de organizações internacionais das instituições financeiras privadas – desde as crises cambiais e financeiras de meados dos anos 90, em bancos centrais e ministérios da Fazenda de mais que trinta países emergentes. O Instituto de Finanças Internacionais, maior organização mundial das grandes corporações financeiras, tem sido um dos principais proponentes e um avaliador sistemático dos programas de relações com investidores existentes. As duas referidas agências públicas de relações com investidores existentes no Brasil têm sistematicamente ocupado o primeiro posto nas avaliações do IFI, seja pela qualidade das informações disponibilizadas, pelos canais de comunicação que propiciam aos agentes financeiros, por suas decisões de política refletirem feedback do mercado, por suas ações de promoção de investimento conjuntamente com o setor privado, etc.

A gerência de RI (Gerin) do Banco Central do Brasil (BCB) foi criada em 1999, vinculada à mudança da política de câmbio fixo para flutuante e à substituição da âncora cambial pelo sistema de metas de inflação, que passou a ser a nova âncora nominal. Conforme consta em ata da 33ª Reunião do Comitê de Política Monetária (COPOM), “a gestão da política monetária passaria a ser feita, primariamente, pela definição da meta da Taxa SELIC”. A fundamentação teórica para a institucionalização da Gerin é que o inflation targeting tem intrínseca necessidade de apoiar-se em mecanismos de transparência, accountability e comunicação em relação aos agentes de mercado. Porém, cabe mencionar que o governo mexicano criou sua Oficina de Relación com Inversionistas em 1995, no contexto de crise do peso e conseqüente acordo de empréstimo stand-by com o FMI, mas não como parte do arcabouço institucional do regime de metas da inflação, que lá só foi introduzido no final daquela década. No caso do México, a explicação que a comunidade financeira internacional deu para a criação da agência de RI foi a sua utilidade para a prevenção ou resolução de crises.

Uma das atividades realizadas pela Gerin do BCB é a pesquisa FOCUS de expectativas de mercado, cujos dados são fornecidos basicamente pela indústria financeira. A Gerin do Tesouro Nacional, por sua vez, também possui todo um arcabouço institucional de informação e comunicação de mão dupla com os investidores, propiciando-lhes a tomada de decisões alinhadas com as estratégias de gestão da dívida pública.

Nos últimos anos, o esforço de aprimoramento do gerenciamento da dívida pública brasileira tem se traduzido em vários indicadores de melhora. Isso é inegável. Embora a relação dívida líquida/PIB esteja declinando, depois de ter subido muito desde 1994, é fato que ela ainda está significativamente acima do nível em que se encontrava no período pré-Plano Real. Por outro lado, é legítimo que os cidadãos invistam em títulos públicos, além deles serem investimentos necessários ao financiamento das atividades estatais. No entanto, o referido crescimento da dívida pública não foi direcionado ao financiamento do desenvolvimento econômico. Tal crescimento foi resultado do impacto da política monetária de juros altos, desde 1994, sobre o setor fiscal, embora o discurso ideológico dominante propague o contrário, que o setor fiscal pressiona o monetário. O jornal Valor reproduziu, recentemente, a seguinte afirmação do presidente da FIESP, Paulo Skaf: "Com cinco pontos percentuais a menos, algo como R$ 70 bilhões deixariam de ser pagos em juros (da dívida) e (o dinheiro) poderia ser usado em investimentos". Skaf também disse que a atual taxa Selic de 13,75% ao ano é absurda.

A reunião do COPOM terminou ontem. Por trás do insulamento burocrático desse órgão e do BCB como um todo, verifica-se uma intensa capacidade das Finanças utilizarem seus recursos de poder – dinheiro, informação, conhecimento e organização – para intermediar interesses com a Autoridade Monetária. Nesse contexto, 1) economistas, cientistas políticos, sociólogos e outros atores organizados da sociedade civil precisam incorporar ao debate acadêmico e público sobre as causas da alta taxa de juros no Brasil, o fator político, o sistema de captura; 2) cabe retomar a discussão sobre a ampliação e democratização do Conselho Monetário Nacional, aprovada em 2005 pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, órgão criado no primeiro mandato do presidente Lula e que agrega forças sociopolíticas representativas.

*Marcos Ianoni é doutor em Sociologia Política pela PUC-SP.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

A homofobia terá um nome?

José L. Szwako*

Algumas leis brasileiras levam nomes ou sobrenomes de pessoas – Rouanet, Pelé, Piva...

Nessa lista, está a Lei n. 11.340, mais conhecida como Lei Maria da Penha, que ‘cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher’. O nome da lei se deve à luta de uma cearense que, depois de 20 anos de perseguição e violência do então marido e após duas tentativas de assassinato contra ela, conseguiu alguma justiça.

Imagino quanto tempo ainda tarda para tipificar, tal como se deu no caso da violência contra as mulheres, a violência contra homossexuais. Penso se tal lei seria (ou será) nomeada. Ela vai se chamar Lei Fulano de Tal? Penso se essa nomeação só pode se realizar por meio de rostos desfigurados e imagino quantos corpos violentados são necessários para produzir um sujeito de direito.

Não saberia responder a essas questões e nem estou certo de que a comparação entre violência de gênero e homofobia é adequada. Mas, particularmente, espero que o nome dessa eventual (e necessária) tipificacao nao seja Lei José Szwako – abro mão dessa homenagem.

Detalhe: como pode ser ‘particular’ algo cuja resposta é geral e coletiva?

*José L. Szwako é doutorando em Ciências Sociais na Unicamp.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Bastidores da política e o projeto Dilma

[Photography-Types-High
Speed. 1940. Gjon Mili. Life]


Esta semana o presidente Lula colocou pela primeira vez de forma "oficial" que gostaria de ter a ministra Dilma como sua sucessora. Durante o programa oficial de rádio do governo, o presidente não teve medo em anunciar sua preferência pela ministra.

Do outro lado do espelho, a briga entre o governador Aécio Neves e seu colega José Serra, parece ter sido desequilibrada para o lado de Serra. O governador paulista sugere ter pregorrativa como candidato à presidência em 2010. E, diante disso, começa a operar a máquina tucana em São Paulo para fazer campanha.

A nomeação do ex-ministro Paulo Renato de Souza como Secretário da Educação do governo Serra rendeu alguns ataques ao atual governo federal. Paulo Renato atacou diretamento o projeto do governo em transformar o vestibular, durante seu discurso de posse. A intenção é utilizar o modelo do atual Enem como forma de avaliação para a entrada nas universidades.

O grande porém? Foi Paulo Renato quem criou o Enem, quando ministro da educação do governo FHC. Ou seja, como bem lembrou Luiz Nassif, "era bom quando era meu". A campanha de 2010 vai render.

Como republicanos e democratas votam no governo Obama

[Texas Democrats. May 1952.
Robert W Kelley. Life]


Celso Roma*

Valor Econômico - 27/03/09


Sempre se alegou que os partidos Democrata e Republicano dos Estados Unidos são pragmáticos e indisciplinados quando comparados com seus congêneres europeus; no entanto, essa suposição reforça um conceito simplista dos partidos americanos. Ao observarmos o comportamento dos deputados e dos senadores nas votações do Congresso, podemos encontrar fortes evidências da ideologia e unidade dos partidos. Não obstante as circunstâncias em que os congressistas se encontram, devido à crise econômica pela qual o país atravessa, a maioria deles continua votando de acordo com a filiação partidária.

Os elementos que permitem avaliar o desempenho dos partidos nesse quesito são oriundos das votações nominais, ou seja, daquelas com registro do voto dos parlamentares, realizadas no interior do plenário da Câmara dos Representantes e do Senado, de 06 de janeiro, quando se iniciou a 1ª Sessão do 111º Congresso dos EUA, a 13 de fevereiro.

Em primeiro lugar, os partidos quase sempre divergem entre si quando se reúnem para deliberar nas duas Casas Legislativas. Na Câmara, isto ocorreu em 43 das 69 votações. No Senado, os partidos se polarizam de um modo mais intenso. Eles discreparam em 58 das 64 votações, inclusive a que ratificou a indicação de Timothy F. Geithner para Secretário do Tesouro. Republicanos e democratas emitem votos diferentes sobretudo quando estão em pauta a agenda econômica e as regras que regulam o trabalho legislativo.

A razão por que os partidos estão discordando é que os problemas contemporâneos da economia envolvem suas crenças elementares, forjadas na década de 1930, quando se consolidam os pensamentos de matiz liberal e conservador, na acepção americana. Em certo sentido, o debate atual sobre o papel do Estado na economia alude ao desafio e às soluções apresentadas pelo presidente republicano Hebert Hoover (1929-1933) e o seu sucessor o democrata Franklin D. Roosevelt nos dois primeiros mandatos (1933-1941).

Assim como eles fizeram 80 anos atrás, diante do contexto semelhante ao atual, caracterizado pela recessão e a tomada de medidas intervencionistas por parte do Estado, democratas e republicanos marcam suas respectivas posições: a favor ou contra o controle das operações do mercado financeiro; a favor ou contra a concessão de subsídios para o setor produtivo; a favor ou contra o protecionismo; a favor ou contra o aumento dos gastos públicos. As ideologias dos partidos, interpretadas como meras abstrações, representam, em termos concretos, os interesses de seus eleitores em torno desses temas.

Há excepcionalmente consenso entre os congressistas de ambos os partidos. No período analisado, os deputados em conjunto expressaram concordância em 26 votações, por assim dizer, de pouca importância para a política, como, por exemplo, honrarias e datas comemorativas. Os senadores estiveram de acordo em somente seis votações, ainda assim: três delas se enquadram na tradição de eles confirmarem os indicados pelo presidente da República para ocuparem cargos no governo ou em agências, no caso, Hillary Rodham Clinton como Secretária de Estado, Daniel K. Tarullo como um dos conselheiros do Banco Central americano (Federal Reserve System) e William J. Lynn III como vice-secretário de Defesa; duas visam garantir a competitividade como critério para definir os contratos e convênios a serem estabelecidos com o governo, expressando um valor universal entre os políticos americanos; uma se refere ao envio de recursos financeiros para ajudar os Estados onde o nível de escolaridade das crianças está abaixo da média nacional.

Além de terem bases programáticas, os partidos reúnem quadro de parlamentares que se comportam de forma coesa. Isto pode ser atestado pelo índice de Rice, uma medida utilizada para aferir o grau de semelhança dos votos listados por um grupo, cujos valores variam de 0 (quando o partido está dividido ao meio) a 100 pontos (quando o partido está perfeitamente unido). Do cálculo desse índice foram excluídas as faltas e as abstenções, ocorrências raras -
convém ressaltar - no Legislativo americano. Em média, oito dos 435 deputados e dois dos 100 senadores faltam ou se abstêm das votações polêmicas.

Os congressistas do Partido Democrata tendem a ser mais disciplinados do que os do Partido Republicano. Os democratas alcançaram taxas médias de unidade na casa dos 90 pontos, tanto na Câmara como no Senado. Em apenas três das 101 votações polêmicas, eles obtiveram escores menores do que 50. Do lado republicano, os números estão em um patamar inferior: os deputados atingiram escore médio de 86 pontos e os senadores, de 75. A pontuação dos republicanos ficou abaixo de 50 em oito votações, contra três dos rivais. Os democratas, cotejados com os republicanos, destacam-se também por votar de maneira mais estável, conforme sugerem os valores do coeficiente de variação. Em outras palavras, a conduta da bancada democrata varia menos de uma votação para outra.

Diante desse cenário, o presidente Barack Obama está depositando na disciplina dos congressistas democratas a esperança de aprovar seus próximos projetos em âmbito parlamentar. Ao cabo de muito esforço e de concessões aos adversários, ele pode conseguir - e conseguiu no mês passado - o apoio de uma parcela diminuta dos republicanos, um desafio que se revelou mais difícil na Câmara do que no Senado.

Os partidos Republicano e Democrata têm ideologia e unidade interna, atributos que podem ser observados na atuação dos congressistas. Acordos bipartidários e atos de indisciplina constituem exceções, e não a regra da produção legislativa. As características que estruturam o funcionamento do Congresso dos EUA há mais de um século também se manifestam no início do governo Barack Obama.

*Celso Roma é doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP).

terça-feira, 7 de abril de 2009

Prévias, mitos e lendas

[Nixon demonstration at GOP convention. Chicago, July 1960. Francis Miller, Life]

Bruno Bolognesi

Desde o início da disputa que cerca a candidatura do PSDB à Presidência da República, o tema da abertura do processo de escolha do representante eleitoral tucano inflamou o debate político no Brasil. De um lado o pré-pré-candidato governador de Minas Gerais, Aécio Neves e de outro o governador de São Paulo, José Serra debatem sobre estratégias de condução do processo intrapartidário.

Diversos jornais, comentaristas políticos, analistas e conjunturólogos têm colocado posições distintas sobre prós e contras das afamadas prévias partidárias. Tal prática tem seu exemplo mais consistente nos Estados Unidos, onde vários distritos recorrem à população para a escolha de quem será o candidato à presidência pelos partidos Republicano e Democrata - para uma explicação didática sobre o tema, clique aqui. Porém, nos EUA, as prévias ocorrem desde o início do funcionamento dos partidos modernos no país, contando assim com largo lastro histórico, onde os partidos funcionavam como espaço de socialização e convivência social.

No Brasil não podemos dizer o mesmo sobre a "função social" dos partidos políticos, se é que ela existe. Os partidos brasileiros são tidos essencialmente como um local onde não há espaço para a intervenção popular, salvo raríssimas exceções. Os favoráveis à implementação das prévias sustentam aqui seu primeiro ponto, qual seja, de que a participação popular - mesmo restrita aos militantes do partido - geraria um incremento na democracia interna das legendas brasileiras. Ora, é preciso pensar se participação gera, de fato, democratização. Não basta que haja participação, mas o fato da centralização do processo pode ser mais fundamental. Ou seja, a instância que conduz o processo de escolha pode ser tanto centrada nos municípios, estados ou na instância federal. Se imaginarmos que a escolha de candidatos se inscreverá no círculo local, podemos supor que o controle do processo por diferentes oligarquias pode gerar menor democratização do que num processo onde diferentes grupos e correntes disputam o controle sobre a posição de candidato do partido.

Ainda, processos que "abrem" a escolha do candidato ou dos candidatos (no caso de eleições proporcionais) podem gerar descontrole do partido e de seus membros sobre o eleito. Afinal, se toda a população pode votar em quem prefere que seja candidato, o eleito terá dificuldade em saber quem de fato é "sua base" e terá como respaldo apenas as pesquisas de intenção de voto. Para tentar sanar tais problemas, o PSDB realizou uma consulta ao TSE e obteve algumas respostas que prescindem análise, outras não são mais do que futurologia jurídica.

Em primeiro lugar o TSE relegou total autonomia aos partidos políticos para escolherem a forma como estes selecionam seus candidatos, desde que respeitem a legislação vigente. Numa tentativa de fazer mais do que democratizar a organização social democrata, o PSDB indagou o TSE sobre a possibilidade de realizar campanha de prévias fora do partido e para não filiados. O tribunal negou sumariamente tal possibilidade, entendendo que tanto a campanha fora do partido, quanto a participação de não filiados, fere o artigo 36, parágrafo 3º da lei 9.504/97, incorrendo em "propaganda eleitoral antecipada".

Em segundo lugar o ministro Felix Fischer, relator do processo, lembrou que o partido não pode contar com doações de pessoas físicas ou jurídicas para a realização de campanha de prévias, já que o concorrente não é candidato, apenas aspirante ao posto. Por outro lado o TSE liberou o uso do fundo partidário para realização do procedimento, já que o mesmo compete às decisões intrapartidárias.

Isto posto é preciso remontar as vantagens e desvantagens da abertura no processo de seleção de candidatos dentro dos partidos.
1. Prévias aumentam o custo de campanha e o tempo gasto com propaganda e dedicação política. Os candidatos precisarão gastar mais dinheiro e terão de se ater em reuniões estaduais e locais para garantir apoio a sua candidatura.
2. Nem sempre democratizar o processo significa aumentar o controle sobre a atuação dos políticos. É sempre bom lembrar que os eleitos remetem seus mandatos àqueles que o elegeram e, quanto mais esse grupo aumenta, menor o controle e o feed back do vitorioso.
3. Usualmente, prévias que são criadas artificialmente (de cima para baixo) sugerem uma estratégia política para recuperação de imagem ou de base social fragmentada. Partidos israelenses utilizaram as prévias na década de 90 para a recuperação da imagem dos partidos e políticos diante de escândalos de corrupção.
4. Os eleitores brasileiros estão começando a entender a prática democrática e a forma com que as eleições funcionam. As prévias podem resultar num dano no aprendizado do eleitor.
5. A resultante das prévias pode ser um resultado que não agrada tanto às elites partidárias, quanto à organização partidária em si. Ou seja, é possível que as prévias passem por uma segunda escolha, por um "controle de qualidade" por parte de um grupo restrito do partido, fazendo com que os métodos democráticos no interior da legenda sirvam apenas de estratégia eleitoral, mas não política. A legislação partidária brasileira e o TSE permitem que o partido invalide a escolha que sai do processo de prévias, caso seja contra os interesses gerais da instituição partidária.
6. Por outro lado, a participação do filiado ou do eleitor pode ser um incremento na consciência política e no envolvimento identitário, fortalecendo os laços partido-sociedade.
7. O escolhido nas prévias, se eleito, tem um dever "maior" com os filiados e/ou eleitores, já que contou com os mesmos desde o começo de um longo processo.

Ou seja, os argumentos que estão espalhados na mídia (clique aqui, aqui ou aqui )são argumentos ou opiniões políticas, que não encontram fundamento na história, nas instituições ou no aparato técnico. Comparar o contexto norte-americano com o brasileiro, tendo em vista o surgimento dos partidos nos dois países, a prática democrática e as experiências históricas de cada um, é, no mínimo, forçar a barra.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

IPEA publica estudo sobre a evolução do emprego público no Brasil

Estado brasileiro é menor que nos EUA, Espanha, Alemanha, França, Suécia, Argentina, Uruguai e Paraguai











Lucas Massimo

Em tempos de crise da formação neoliberal do modo capitalista de produção, é natural que se exija do erário a ampliação do investimento produtivo, especialmente na oferta de infra-estrutura; portos, estradas, produção e distribuição de energia, comunicação, pesquisa e desenvolvimento; todos esses gargalos “naturais” ao crescimento econômico são objetos de disputa entre as classes sociais.

Essa dinâmica normal em sociedades capitalistas é intensificada com a retração da atividade econômica; a disputa pela influência no destino do gasto público se acirra quando o caldeirão da crise entorna.

Se investimento público define o supra-sumo da solução keynesiana, seu alterego é custeio da máquina pública, o predador dos recursos públicos que deveriam financiar o investimento produtivo, sobretudo em temporada de vacas magras. Esse tema é personificado no Brasil pós-redemocratização através da figura dos marajás, e volta à tona com a caricatura do companheiro sindicalista que faz esbórnia com a viúva.

Noves fora o preconceito de classe, a caricatura parece não resistir a uma gargalhada. O IPEA – Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas – divulgou no dia 30/03/2009 um comunicado sobre a evolução do emprego público no Brasil a partir da segunda metade dos anos 1990. (Para o comentário na íntegra clique aqui)

Os dados são apresentados num marco temporal que contrapõe os desempenhos do governo Lula ao do governo FHC, e a idéia é refutar a tese de que tem ocorrido inchaço da máquina pública, mas muito pelo contrário, os dados indicam que o estoque de empregos no setor público é estável a partir da segunda metade dos anos 1990. A idéia em si é fraca, pois não há novidade nenhuma em afirmá-la após duas décadas de hegemonia neoliberal, mas ela adquire alguma consistência se contraposta ao discurso tucano da ocupação dos postos chave do Estado por sindicalistas barbudos.

A novidade está nos dados: o estudo utiliza um conceito amplo de emprego público, tomando desde a administração direta até os empregados de sociedades de economia mista, com controle indireto pelo Estado, e indica que com relação aos principais países da OCDE o Brasil é o que tem a menor proporção de emprego no setor público face ao total de ocupados. Já com relação à América Latina, comparando com dados da CEPAL o estudo indica que entre dezesseis países, sete têm um setor público que emprega mais que o brasileiro.

Há outras séries empíricas relevantes – os autores verificam a evolução do emprego formal no setor público por nível de governo e por esfera de poder, consideram o impacto produzido pela municipalização de funções sociais, e comparam a produção de postos de trabalho formal no setor público e no setor privado – mas nada mais sofisticado.

Mas o que não passam despercebidas são as tiradas ideológicas dispersas pelo texto: num momento sugere que emprego público é índice de democratização, noutro que ele é de republicanismo, mas sempre com vistas a um projeto que assume forma mais clara no final da comunicação. Segundo os autores, a ampliação do estoque de emprego público pode ser um instrumento contracíclico, desde que acompanhado por

1.fortalecimento do mercado de consumo interno
2. nova repartição dos ganhos de produtividade social
3.redução da jornada de trabalho
4. reforma tributaria com viés progressivo
5. garantia de direitos sociais

Essa agenda não é só incompatível com a agenda do Governo Lula – especialmente o segundo e terceiro itens restringiram sobremaneira o espaço da burguesia industrial no consórcio governista – mas é antagônica com a política neoliberal do ministro Meirelles; o que faz crer que o IPEA já não exerce a mesma sintonia com o discurso dominante que experimentara nos anos Malan.