Prévias, mitos e lendas
[Nixon demonstration at GOP convention. Chicago, July 1960. Francis Miller, Life]
Bruno Bolognesi
Desde o início da disputa que cerca a candidatura do PSDB à Presidência da República, o tema da abertura do processo de escolha do representante eleitoral tucano inflamou o debate político no Brasil. De um lado o pré-pré-candidato governador de Minas Gerais, Aécio Neves e de outro o governador de São Paulo, José Serra debatem sobre estratégias de condução do processo intrapartidário.
Diversos jornais, comentaristas políticos, analistas e conjunturólogos têm colocado posições distintas sobre prós e contras das afamadas prévias partidárias. Tal prática tem seu exemplo mais consistente nos Estados Unidos, onde vários distritos recorrem à população para a escolha de quem será o candidato à presidência pelos partidos Republicano e Democrata - para uma explicação didática sobre o tema, clique aqui. Porém, nos EUA, as prévias ocorrem desde o início do funcionamento dos partidos modernos no país, contando assim com largo lastro histórico, onde os partidos funcionavam como espaço de socialização e convivência social.
No Brasil não podemos dizer o mesmo sobre a "função social" dos partidos políticos, se é que ela existe. Os partidos brasileiros são tidos essencialmente como um local onde não há espaço para a intervenção popular, salvo raríssimas exceções. Os favoráveis à implementação das prévias sustentam aqui seu primeiro ponto, qual seja, de que a participação popular - mesmo restrita aos militantes do partido - geraria um incremento na democracia interna das legendas brasileiras. Ora, é preciso pensar se participação gera, de fato, democratização. Não basta que haja participação, mas o fato da centralização do processo pode ser mais fundamental. Ou seja, a instância que conduz o processo de escolha pode ser tanto centrada nos municípios, estados ou na instância federal. Se imaginarmos que a escolha de candidatos se inscreverá no círculo local, podemos supor que o controle do processo por diferentes oligarquias pode gerar menor democratização do que num processo onde diferentes grupos e correntes disputam o controle sobre a posição de candidato do partido.
Ainda, processos que "abrem" a escolha do candidato ou dos candidatos (no caso de eleições proporcionais) podem gerar descontrole do partido e de seus membros sobre o eleito. Afinal, se toda a população pode votar em quem prefere que seja candidato, o eleito terá dificuldade em saber quem de fato é "sua base" e terá como respaldo apenas as pesquisas de intenção de voto. Para tentar sanar tais problemas, o PSDB realizou uma consulta ao TSE e obteve algumas respostas que prescindem análise, outras não são mais do que futurologia jurídica.
Em primeiro lugar o TSE relegou total autonomia aos partidos políticos para escolherem a forma como estes selecionam seus candidatos, desde que respeitem a legislação vigente. Numa tentativa de fazer mais do que democratizar a organização social democrata, o PSDB indagou o TSE sobre a possibilidade de realizar campanha de prévias fora do partido e para não filiados. O tribunal negou sumariamente tal possibilidade, entendendo que tanto a campanha fora do partido, quanto a participação de não filiados, fere o artigo 36, parágrafo 3º da lei 9.504/97, incorrendo em "propaganda eleitoral antecipada".
Em segundo lugar o ministro Felix Fischer, relator do processo, lembrou que o partido não pode contar com doações de pessoas físicas ou jurídicas para a realização de campanha de prévias, já que o concorrente não é candidato, apenas aspirante ao posto. Por outro lado o TSE liberou o uso do fundo partidário para realização do procedimento, já que o mesmo compete às decisões intrapartidárias.
Isto posto é preciso remontar as vantagens e desvantagens da abertura no processo de seleção de candidatos dentro dos partidos.
1. Prévias aumentam o custo de campanha e o tempo gasto com propaganda e dedicação política. Os candidatos precisarão gastar mais dinheiro e terão de se ater em reuniões estaduais e locais para garantir apoio a sua candidatura.
2. Nem sempre democratizar o processo significa aumentar o controle sobre a atuação dos políticos. É sempre bom lembrar que os eleitos remetem seus mandatos àqueles que o elegeram e, quanto mais esse grupo aumenta, menor o controle e o feed back do vitorioso.
3. Usualmente, prévias que são criadas artificialmente (de cima para baixo) sugerem uma estratégia política para recuperação de imagem ou de base social fragmentada. Partidos israelenses utilizaram as prévias na década de 90 para a recuperação da imagem dos partidos e políticos diante de escândalos de corrupção.
4. Os eleitores brasileiros estão começando a entender a prática democrática e a forma com que as eleições funcionam. As prévias podem resultar num dano no aprendizado do eleitor.
5. A resultante das prévias pode ser um resultado que não agrada tanto às elites partidárias, quanto à organização partidária em si. Ou seja, é possível que as prévias passem por uma segunda escolha, por um "controle de qualidade" por parte de um grupo restrito do partido, fazendo com que os métodos democráticos no interior da legenda sirvam apenas de estratégia eleitoral, mas não política. A legislação partidária brasileira e o TSE permitem que o partido invalide a escolha que sai do processo de prévias, caso seja contra os interesses gerais da instituição partidária.
6. Por outro lado, a participação do filiado ou do eleitor pode ser um incremento na consciência política e no envolvimento identitário, fortalecendo os laços partido-sociedade.
7. O escolhido nas prévias, se eleito, tem um dever "maior" com os filiados e/ou eleitores, já que contou com os mesmos desde o começo de um longo processo.
Ou seja, os argumentos que estão espalhados na mídia (clique aqui, aqui ou aqui )são argumentos ou opiniões políticas, que não encontram fundamento na história, nas instituições ou no aparato técnico. Comparar o contexto norte-americano com o brasileiro, tendo em vista o surgimento dos partidos nos dois países, a prática democrática e as experiências históricas de cada um, é, no mínimo, forçar a barra.
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