quarta-feira, 28 de março de 2007

Reforma Política: o lugar do Congresso Nacional.

Lucas Fernando de Castro*

O Superior Tribunal Eleitoral, órgão de maior hierarquia quando o tema é eleições, e o Supremo Tribunal Federal, corte suprema brasileira, vêm, nos últimos seis meses, tomando às vezes de Congresso Nacional e por meio de suas decisões vêm alterando de uma forma nada democrática o contorno institucional da democracia brasileira ora num sentido, ora noutro.

Podemos citar como exemplo, dois casos.

O primeiro aconteceu quando da decisão do STF, em meados de dezembro último quando, derrubou a chamada clausula de barreira ou clausula de desempenho, prevista já na Lei 9.096/1995 – Lei Orgânica dos Partidos Políticos – no artigo 13[1]. O relator argumentou que os parlamentares eleitos por partidos que não ultrapassaram aquele óbice, não poderiam atuar de forma plena. Estes sofreriam três grandes restrições: i) não entrariam na divisão de 99% do Fundo Partidário; ii) teria apenas direito a um programa de dois minutos por semestre, referente propaganda partidária gratuita, e iii) atuação parlamentar encolhida, com proibição de ocupar cargos na mesa, participar de comissões, para citar exemplos. Chamou a baila, o princípio da igualdade para justificar a declaração de inconstitucionalidade do citado artigo, tirando todos os efeitos daquele dispositivo.

O segundo exemplo, mais próximo, refere-se a uma consulta ao TSE de autoria do Partido da Frente Liberal (PFL), que logo se tornará apenas Democratas (DEM), em que pergunta a quem pertenceria o mandato eletivo, se ao partido ou ao congressista, quando deparados com migração partidária, nas eleições proporcionais. A decisão de ontem, tomada por maioria (6x1), acabou por decidir que o mandato eletivo é, de fato, do partido político, tendo em vista a importância constitucional e no Código Eleitoral das agremiações políticas.

O que salta os olhos nestas duas decisões? A tão aclamada reforma política já está se operando, só que por meios nada democráticos. Vejamos.

No primeiro caso a Corte Suprema entendeu que a clausula de exclusão não estava de acordo com a Carta Política. Fazendo assim, acabou com a discussão e também com a possibilidade de, naqueles moldes em que estava instituída na Lei 9.096/1995, ser implementada novamente. Ainda mais, a discussão nem mesmo passou por nenhumas das Câmaras (Alta e Baixa), ou seja, ela se deu apenas nos gabinetes e nos labirintos do Judiciário brasileiro. Síntese: sem a participação do Congresso, nada democrático.

Também no segundo caso, a temática não passou pelo Congresso Nacional, não houve debate ou mesmo discussão. Quando menos se espera, está em vigor no país a fidelidade partidária, obrigando os congressistas a voltarem para o partido com o qual se elegeu. Ainda não se sabe nem como essa decisão irá funcionar na prática. Mais uma vez, a implementação de uma nova figura político-jurídica foi construída fora do processo democrático, sem sequer a mínima intervenção dos representantes populares (congressistas eleitos para o Legislativo).

Estes dois exemplos mais próximos de nós, já conseguem demonstrar que o Poder Legislativo passou para o terceiro plano, sobressaindo-se o Executivo seguido do Judiciário. Ao Congresso Nacional foi relegado um papel de figurante no processo legislativo pois o Executivo já não mais dele precisa (Medida Provisória); o Judiciário, que teria o papel de aplicador da Lei não somente a aplica, mas cria novas figuras (fidelidade partidária). Ao Legislativo foram relegados apenas os esquemas de corrupção, mensalões e o descrédito da população.

Nesse ínterim, nos perguntamos: qual é o papel do Congresso Nacional?

A resposta para tal pergunta não é fácil. Constatamos, apenas, que quanto mais o Congresso Nacional perde seu poder, mais a democracia representativa enfraquece e abrem-se brechas para ações autoritárias.

*Lucas Castro é bacharel em Direito, graduando em Ciências Sociais e pesquisador do GAC/NUSP.


[1] Art. 13 - Tem direito a funcionamento parlamentar, em todas as Casas Legislativas para as quais tenha elegido representante, o partido, que em cada eleição para a Câmara dos Deputados obtenha o apoio de, no mínimo, cinco por cento dos votos apurados, não computados os brancos e os nulos, distribuídos em, pelo menos, um terço dos Estados, com um mínimo de dois por cento do total de cada um deles.

Mandato pertence a partido, diz Ministro

CONSULTA No 1.398 – CLASSE 5a – DISTRITO FEDERAL (Brasília).

Relator: Ministro Cesar Asfor Rocha.
Consulente: Partido da Frente Liberal (PFL), por seu Presidente.


CONSULTA. ELEIÇÕES PROPORCIONAIS. CANDIDATO ELEITO. ABANDONO DE PARTIDO. RESPOSTA AFIRMATIVA.

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA:

Cuida-se de consulta formulada pelo Partido da Frente Liberal, formulada nos seguintes termos, no que interessa:
Considerando o teor do art. 108 da Lei nº 4.737/65 (Código Eleitoral), que estabelece que a eleição dos candidatos a cargos proporcionais é resultado do quociente eleitoral apurado entre os diversos partidos e coligações envolvidos no certame democrático.

Considerando que é condição constitucional de elegibilidade a filiação partidária, posta para indicar ao eleitor o vínculo político e ideológico dos candidatos.

Considerando ainda que, também o cálculo das médias, é decorrente do resultado dos votos válidos atribuídos aos partidos e coligações.


INDAGA-SE:

Os partidos e coligações têm o direito de preservar a vaga obtida pelo sistema eleitoral proporcional, quando houver pedido de cancelamento de filiação ou de transferência do candidato eleito por um partido para outra legenda?

A Assessoria Especial da Presidência (ASESP) manifesta-se às fls. 5-10 pela resposta afirmativa.
É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA (relator):

Consulta o Partido da Frente Liberal (PFL), por meio do seu ilustre Presidente Nacional, se os partidos políticos e coligações têm o direito de preservar a vaga obtida pelo sistema eleitoral proporcional, quando houver pedido de cancelamento de filiação ou de transferência do candidato eleito por um partido para outra legenda.

Refere o Partido consulente que a candidatura de qualquer cidadão a cargo eletivo depende de prévia filiação partidária, conforme exigência constitucional e também do vigente Código Eleitoral (Lei 4.737/65).

Não é nova essa questão de se saber se o mandato eletivo é de ser tido como pertencente ao indivíduo eleito, à feição de um direito subjetivo, ou se pertencente ao grêmio político partidário sob o qual obteve a eleição, não importando, nesse caso, se o êxito eleitoral dependeu, ou não, dos votos destinados unicamente à legenda ou do aproveitamento de votos das chamadas sobras partidárias.

É da maior relevância assinalar que os Partidos Políticos têm no Brasil, status de entidade constitucional (art. 17 da CF), de forma que se pode falar, rememorando a lição de Maurice Duverger (As Modernas Tecnodemocracias, tradução de Natanael Caixeiro, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978), que as modernas democracias de certa forma secundarizam, em benefício dos Partidos Políticos, a participação popular direta; na verdade, ainda segundo esse autor, os Partidos Políticos adquiriram a qualidade de autênticos protagonistas da democracia representativa, não se encontrando, no mundo ocidental, nenhum sistema político que prescinda da sua intermediação, sendo excepcional e mesmo até exótica a candidatura individual a cargo eletivo fora do abrigo de um Partido Político.

A Carta Magna Brasileira estabelece, como condição de elegibilidade do cidadão, dentre outras, a filiação partidária (art. 14, § 3º, V), enquanto o art. 17, § 1º, assegura aos partidos políticos estabelecer normas de fidelidade e disciplina, o que serve de indicativos suficientes para evidenciar que a democracia representativa, no Brasil, muito se aproxima da partidocracia de que falava o referido doutrinador francês Maurice Duverger (op. cit.).

Dado o quadro jurídico constitucional positivo, a saber, o que confere ao Partido Político a exponencial qualificação constitucional, ladeada pela sua essencialidade ao funcionamento da democracia representativa, torna-se imperativo assegurar que a interpretação jurídica de qualquer questão pertinente aos Partidos Políticos, com destaque para essa questão da fidelidade dos eleitos sob a sua legenda, há de ter a indispensável correlação da própria hermenêutica constitucional, com a utilização prestimosa dos princípios que a Carta Magna alberga.

Essa visão da aplicabilidade imediata dos princípios constitucionais à solução de controvérsias concretas, no mundo processual, representa a superação do que o Professor Paulo Bonavides chama de velha hermenêutica (Curso de Direito Constitucional, São Paulo, Malheiros, 2000), para aludir à forma interpretativa da Constituição que deixava à margem de invocação imediata a força normativa dos princípios; tem-se, hoje em dia, como pertencente ao passado, a visão que isolava os princípios constitucionais da solução dos casos concretos, posição que parece ter tido o abono do notável jurista italiano Emílio Betti (Apud Bonavides, op. cit.), bem como a formulação de que os princípios eram normas abertas (preconizada por Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito) ou meramente informativas, não portando densidade suficiente para resolução de conflitos objetivos.

Adotada a posição do Professor Paulo Bonavides, segundo a qual os princípios são normas e as normas compreendem as regras e os princípios, pode-se (e deve-se) dizer e proclamar que, na solução desta Consulta, é mister recorrer-se aos princípios constitucionais normativos, vendo-se a Constituição, nas palavras do Professor Norberto Bobbio, como termo unificador das normas que compõem o ordenamento jurídico, eis que sem ele, as normas constituiriam um amontoado e não um ordenamento (Teoria do Ordenamento Jurídico, tradução de Maria Celeste dos Santos, Brasília, UnB, 1997).

Ora, não há dúvida nenhuma, quer no plano jurídico, quer no plano prático, que o vínculo de um candidato ao Partido pelo qual se registra e disputa uma eleição é o mais forte, se não o único, elemento de sua identidade política, podendo ser afirmado que o candidato não existe fora do Partido Político e nenhuma candidatura é possível fora de uma bandeira partidária.

Por conseguinte, parece-me equivocada e mesmo injurídica a suposição de que o mandato político eletivo pertence ao indivíduo eleito, pois isso equivaleria a dizer que ele, o candidato eleito, se teria tornado senhor e possuidor de uma parcela da soberania popular, não apenas transformando-a em propriedade sua, porém mesmo sobre ela podendo exercer, à moda do exercício de uma prerrogativa privatística, todos os poderes inerentes ao seu domínio, inclusive o de dele dispor.

Todavia, parece-me incogitável que alguém possa obter para si - e exercer como coisa sua - um mandato eletivo, que se configura essencialmente como uma função política e pública, de todo avessa e inconciliável com pretensão de cunho privado.

O princípio da moralidade, inserido solenemente no art. 37 da Carta Magna, repudia de forma veemente o uso de qualquer prerrogativa pública, no interesse particular ou privado, não tendo relevo algum afirmar que não se detecta a existência de norma proibitiva de tal prática.

É que o raciocínio jurídico segundo o qual o que não é proíbido é permitido, somente tem incidência no domínio do Direito Privado, onde as relações são regidas pela denominada licitude implícita, o contrário ocorrendo no domínio do Direito Público, como bem demonstrou o eminente Professor Geraldo Ataliba (Comentários ao CTN, Rio de Janeiro, Forense, 1982), assinalando que, nesse campo, o que não é previsto é proibido.

Não se há de permitir que seja o mandato eletivo compreendido como algo integrante do patrimônio privado de um indivíduo, de que possa ele dispor a qualquer título, seja oneroso ou seja gratuito, porque isso é a contrafação essencial da natureza do mandato, cuja justificativa é a função representativa de servir, ao invés da de servir-se.

Um levantamento preliminar dos Deputados Federais, eleitos em outubro de 2006, mostra que nada menos de trinta e seis parlamentares abandonaram as siglas partidárias sob as quais se elegeram; desses trinta e seis, apenas dois não se filiaram a outros grêmios partidários e somente seis se filiaram a Partidos Políticos que integraram as coligações partidárias que os elegeram. Por conseguinte, vinte e oito parlamentares, eleitos sob determinadas legendas, passaram-se para as hostes dos seus opositores, levando consigo, como se fossem coisas particulares, os mandatos obtidos no último prélio eleitoral.

Apenas para registro, observe-se que dos 513 deputados federais eleitos, apenas 31 (6,04%) alcançaram por si mesmos o quociente eleitoral.

Não tenho dificuldade em perceber que razões de ordem jurídica e, sobretudo, razões de ordem moral, inquinam a higidez dessa movimentação, a que a Justiça Eleitoral não pode dar abono, se instada a se manifestar a respeito da legitimidade de absorção do mandato eletivo por outra corrente partidária, que não recebeu sufrágios populares para o preenchimento daquela vaga.

Penso, ademais, ser relevante frisar que a permanência da vaga eletiva proporcional na titularidade do Partido Político, sob cujo pálio o candidato migrante para outro grêmio se elegeu, não é de ser confundida com qualquer espécie de sanção a este, pois a mudança de partido não é ato ilícito, podendo o cidadão filiar-se e desfiliar-se à sua vontade, mas sem que isso possa representar subtração à bancada parlamentar do Partido Político que o abrigou na disputa eleitoral.

Ao meu sentir, o mandato parlamentar pertence, realmente, ao Partido Político, pois é à sua legenda que são atribuídos os votos dos eleitores, devendo-se entender como indevida (e mesmo ilegítima) a afirmação de que o mandato pertence ao eleito, inclusive porque toda a condução ideológica, estratégica, propagandística e financeira é encargo do Partido Político, sob a vigilância da Justiça Eleitoral, à qual deve prestar contas (art. 17, III da CF).

Por outro lado, as disponibilidades financeiras dos Partidos Políticos e o controle do acesso ao rádio e à TV não estão ao alcance privado dos interessados, pois são geridos em razão de superiores interesses públicos, implementados diretamente pelos Partidos Políticos e coligações partidárias.

Registro que tenho conhecimento – e por elas nutro respeito - de respeitáveis posições jurisprudenciais e doutrinárias afirmativas de que o candidato eleito conserva o mandato eletivo, quando se desfilia do grêmio pelo qual se elegeu.

Contudo, essa orientação pretoriana se plasmou antes do generalizado acatamento que hoje se dá à força normativa dos princípios constitucionais. Aquela orientação, portanto, não está afinada com o espírito do nosso tempo, rigorosamente intolerante com tudo o que represente infração à probidade e à moralidade administrativas e públicas.

Creio que o tempo presente é o da afirmação da prevalência dos princípios constitucionais sobre as normas de organização dos Partidos Políticos, pois sem isto se instala, nas relações sociais e partidárias, uma alta dose de incerteza e dúvida, semeando alterações ocasionais e fortuitas nas composições das bancadas parlamentares, com grave dano à estabilidade dessas mesmas relações, abrindo-se ensejos a movimentações que mais servem para desabonar do que para engrandecer a vida pública.

Não se trata, como poderia apressadamente parecer, que a afirmação de pertencer o mandato eletivo proporcional ao Partido Político seja uma criação original ou abstrata da interpretação jurídica, de todo desapegada do quadro normativo positivo: na verdade, além dos já citados dispositivos constitucionais definidores das entidades partidárias e atribuidores das suas insubstituíveis atribuições, veja-se que o art. 108 do Código Eleitoral evidencia a ineliminável dependência do mandato representativo ao Partido Político, permitindo mesmo afirmar, sem margem de erro, que os candidatos eleitos o são com os votos do Partido Político.

Este dispositivo já bastaria para tornar induvidosa a assertiva de que os votos são efetivamente dados ao Partido Político; por outro lado essa conclusão vem reforçada no art. 175, § 4º, do Código Eleitoral, ao dizer que serão contados para o Partido Político os votos conferidos a candidato, que depois da eleição seja proclamado inelegível ou que tenha o registro cancelado; o art. 176 do mesmo Código também manda contar para o Partido Político os votos proporcionais, nas hipóteses ali indicadas.

Tudo isso mostra que os votos pertencem ao Partido Político, pois do contrário não teria explicação o seu cômputo para a agremiação partidária nos casos mencionados nos referidos dispositivos do Código Eleitoral; se os sufrágios pertecem ao Partido Político, curial e inevitável dizer que o mandato eletivo proporcional, por igual, pertence ao grêmio partidário, como consequência da primeira afirmação.

Penso que o julgamento desta Consulta traz à tona a sempre necessária revisão da chamada teoria estruturalista do Direito, que tendeu a explicar o fenômeno jurídico somente na sua dimensão formal positiva, como se os valores pudessem ser descartados ou ignorados, ou como se a norma encerrasse em si mesma um objetivo pronto, completo e acabado.

Com efeito, as exigências da teoria jurídica contemporânea buscam compreender o ordenamento juspositivo na sua feição funcionalista, como recomenda o Professor Norberto Bobbio (Da Estrutura à Função, tradução de Daniela Beccacia Versiani, São Paulo, Editora Manole, 2007), no esforço de compreender, sobretudo, as finalidades (teleologias) das normas e do próprio ordenamento.

Ouso afirmar que a teoria funcionalista do Direito evita que o intérprete caia na tentação de conhecer o sistema jurídico apenas pelas suas normas, excluindo-se dele a sua função, empobrecendo-o quase até à miséria; recuso, portanto, a postura simplificadora do Direito e penso que a parte mais significativa do fenômeno jurídico é mesmo a representada no quadro axiológico.

Outro ponto relevante que importa frisar é o papel das Cortes de Justiça no desenvolvimento da tarefa de contribuir para o conhecimento dos aspectos axiológicos do Direito, abandonando-se a visão positivista tradicional, certamente equivocada, de só considerar dotadas de força normativa as regulações normatizadas; essa visão, ainda tão arraigada entre nós, deixa de apreender os sentidos finalistícos do Direito e de certo modo, desterra a legitimidade da reflexão judicial para a formação do pensamento jurídico.

Volto, ainda esta vez, à companhia do Professor Paulo Bonavides, para, com ele, afirmar que as normas compreendem as regras e os princípios e, portanto, estes são também imediatamente fornecedores de soluções às controvérsias jurídicas.

Observo, como destacado pelo eminente Ministro Cezar Peluso, haver hipóteses em que a mudança partidária, pelo candidato a cargo proporcional eleito, não venha a importar na perda de seu mandato, como, por exemplo, quando a migração decorrer da alteração do ideário partidário ou for fruto de uma perseguição odiosa.

Com esta fundamentação respondo afirmativamente à consulta do PFL, concluindo que os Partidos Políticos e as coligações conservam o direito à vaga obtida pelo sistema eleitoral proporcional, quando houver pedido de cancelamento de filiação ou de transferência do candidato eleito por um partido para outra legenda.

É o voto.

sexta-feira, 23 de março de 2007

Collorados

Lucas Massimo*

O retorno de Fernando Collor, agora na condição de Senador, ao Planalto para uma reunião com Lula ganhou relevante destaque no noticiário político. A reunião é anunciada com uma ampla dose de hesitação, e não poderia ser diferente: o que há de notícia no encontro de um grupo partidário com o presidente da república? Evidentemente que as biografias do senador e do presidente particularizam o episódio, sobretudo pela condição de Collor e Lula no seu último encontro – o debate ocorrido no segundo turno das eleições presidenciais de 1989. Mas para além disso, existe um mal-estar generalizado nesse retorno de Fernando Collor, um receio entre levantar velhas bandeiras e atribuir legitimidade ao retorno do desdito ex-presidente.
O embaraço causado pela atual condição de Fernando repousa na dificuldade em distinguir uma circunstância política de um juízo moral. Collor foi submetido a um processo de julgamento estritamente político, foi condenado e cumpriu sua pena; passados 15 anos do impeachment que o defenestrou da política nacional ele reaparece amparado pelo voto de mais de meio milhão de eleitores alagoanos. Essa é a situação objetiva. Já o significado disso para o ideal democrático profetizado pela cobertura jornalística está longe de admitir que em política aliados e adversários são posições muito mais flexíveis que os rígidos códigos morais da mídia tupiniquim.
Uma vez que não é elegante nem inteligente atribuir resultados eleitorais a estupidez do eleitorado, o conservadorismo da cobertura se vê desprovido de mensalões, sanguessugas ou dossiês, enfim, jargões e slogans bastante funcionais para manifestar tacitamente o repúdio ao candidato que entregou o projeto de abertura da economia ao obscuro domínio da corrupção. A eleição de Collor para o Senado Federal representa a frustração da condenação capital que os baluartes do decoro e da distinção creditavam ao impeachment.
Mas como então pensar o retorno do ilustre senador alagoano? A biografia de Collor não deve, segundo esse ponto de vista, ser avaliada pela desenvoltura mais ou menos heterodoxa com a qual o cidadão construiu sua coalizão de governo porque isso implica em silenciar sobre o projeto de desenvolvimento – este sim – que permitiu aos antigos “desafetos” sentar se à mesa de negociação. O legado do governo Collor para a política brasileira não está no caráter simbólico de uma seção parlamentar que cassou o mandato do primeiro presidente eleito pelo voto popular após a redemocratização; este legado está sim na primazia incontestável e absoluta de uma agenda que delega ao livre mercado a tarefa de desenvolvimento econômico-social do país. Assim, o episódio aparece como mais um grito de desespero do discurso que enclausura a avaliação dos governos na redoma da “ética na política”, a forma pela qual o debate público tem se eximido de examinar a consolidação do neoliberalismo à la gauche.

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*Lucas Massimo é mestrando em Ciência Política pela UNICAMP.

quarta-feira, 21 de março de 2007

Voto distrital: devagar com o andor

Publicado no jornal Folha de São Paulo em 16 de março de 2007.


FÁBIO ULHOA COELHO

Importa discutir esse item da reforma política tendo clareza do notável impacto que o voto distrital pode trazer às contas públicasA ADOÇÃO do voto distrital no Brasil tem sido apontada, nos debates sobre a reforma política, como solução para diversos problemas que afetam o modelo proporcional na escolha de deputados e vereadores. Os que advogam essa tese dizem que o voto distrital proporcionaria maior aproximação entre o eleito e os eleitores, aumentando em decorrência o controle sobre a atuação parlamentar. À crítica de que o voto distrital paroquializa as eleições, na medida em que os candidatos tendem a se preocupar com os assuntos específicos do seu distrito, os defensores do modelo lembram o voto distrital misto, em que se elegem também candidatos com plataformas de alcance mais abrangente. E à objeção de que a divisão do país em distritos eleitorais (e revisões periódicas) envolve inevitável discricionariedade, que pode implicar favorecimentos a uns partidos ou políticos em detrimento de outros, os entusiastas do voto distrital se esquivam. Minha preocupação, aqui, não é tanto discutir os méritos e deméritos dos sistemas proporcional e distrital, mas indicar algumas das dificuldades que o Brasil, por suas dimensões, certamente enfrentaria caso o voto distrital viesse a ser realmente implantado por aqui. Somos os brasileiros mais de 125 milhões de eleitores. A Câmara tem 513 deputados federais. Se não aumentar o número de parlamentares nessa casa, cada distrito deverá contar com cerca de 244 mil eleitores. Isso significa que a cidade de São Paulo, com seus quase 8 milhões de eleitores, será dividida em 32 distritos. Já o Estado de Roraima, onde estão alistados 233 mil eleitores, corresponderá a um distrito somente. A representação do Estado de São Paulo, nesse cenário, aumentaria dos atuais 70 para 114 deputados. Já as bancadas dos Estados do Amapá, Acre e Roraima seriam reduzidas de 8 para 1 ou 2. Rondônia passaria a ter 4, e Sergipe, 5 representantes. Como, no entanto, será muito difícil aprovar o aumento significativo da representação paulista e a redução de outras bancadas, haverá duas saídas somente. A primeira: cada unidade da Federação terá distritos com número diferente de eleitores. São Paulo seria retalhado em 70 distritos, cada um com cerca de 400 mil eleitores; Roraima, por sua vez, teria 8 distritos, com pouco menos de 30 mil eleitores cada. A segunda saída seria o aumento do número de deputados. E é nisso que reside o maior problema do sistema de voto distrital para o Brasil. Nos países que o adotam, os números são bem diferentes. Em Portugal, onde existem os chamados distritos de média magnitude ("círculos"), há 8 milhões de eleitores para 230 cadeiras (35 mil eleitores por cadeira). Na Alemanha, em que o voto distrital é misto, são cerca de 65 milhões de eleitores para 603 cadeiras (107 mil eleitores por cadeira). Se no Brasil vingar o voto distrital misto, reservando-se 256 cadeiras para as listas dos partidos, a média dos eleitores por distrito será 488 mil -13 vezes maior que a do distrito português e quase cinco vezes a do alemão. Em suma, se não for consideravelmente aumentada a quantidade de deputados, o número de eleitores médio de cada distrito brasileiro será tão grande (meio milhão!) que a tão almejada proximidade deles com os seus representantes restará seriamente diluída. Mas é realmente o caso de dobrar ou quadruplicar o número de deputados federais para que o distrito possa alcançar o seu objetivo? Quanto custará para o país sustentar, só no âmbito federal, mais 500 (voto distrital simples) ou 1.500 (voto distrital misto) parlamentares? É importante discutir esse item da reforma política tendo clareza do extraordinário impacto que o voto distrital pode trazer às contas públicas. O dilema circula entre aumentar bastante o tamanho da Câmara dos Deputados para que o distrito realmente aproxime eleitores do representante (arcando com os custos, econômicos e políticos, da medida) ou mantê-la com seu tamanho de hoje, sacrificando a essência do sistema. Como quer que se resolva o dilema, sua implantação dará ensejo a disputas de difícil administração política e jurídica na definição e periódicas redefinições dos limites de cada um dos distritos. O problema dos distritos grandes é que eles impedem exatamente aquilo que deveriam propiciar: a aproximação do representante e seus representados. Devagar com o andor do voto distrital, portanto, que as contas públicas são de barro. O Brasil é muito grande para ser eficazmente "distritalizado".
FÁBIO ULHOA COELHO, advogado, doutor em direito, é professor titular de direito da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). É autor, entre outras obras, de "Roteiro de Lógica Jurídica".

Assembléias deixam a desejar, diz professor

Pesquisa ainda não publicada aponta que Minas tem o melhor site. Portal da Assembléia de Alagoas é o pior do Brasil, diz estudo.

Mariana Oliveira Do G1, em São Paulo

O cientista político Sérgio Braga, autor de diversas publicações sobre sites de casas legislativas, afirmou que os portais de internet das assembléias estaduais brasileiras “deixam a desejar” em relação à informatização e ao conteúdo oferecido.

Em pesquisa ainda não divulgada, Braga apresenta um ranking dos sites das assembléias: o portal da Assembléia de Minas Gerais é considerado o melhor e o da casa legislativa de Alagoas, o pior.

A pesquisa de Braga, professor de Ciências Políticas do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Paraná, será publicada pela Câmara dos Deputados nos próximos meses. Mas ele adiantou o ranking ao G1:



Entre os dados avaliados pelo professor Sérgio Braga estão: composição das mesas, ordem do dia, presença dos parlamentares na sessão, resultado das votações, agenda do presidente da Casa, perfil individual de cada parlamentar, filiações partidárias anteriores, declaração patrimonial e remuneração pessoal dos parlamentares, bem como suas principais propostas. Para o cientista político, a situação dos portais das assembléias é diferente da dos sites da Câmara e do Senado, considerados os melhores da América do Sul. “Os sites são mal organizados, faltam informações. O que não há é investimento em tecnologia”. Braga aponta que nem sempre os estados mais desenvolvidos estão entre os primeiros colocados, e citou o Rio de Janeiro e Paraná, respectivamente em 9º e 19º lugares.

“Em São Paulo, foi de seis meses para cá que implantaram biografia dos parlamentares”, citou o professor como exemplo.

“O eleitor precisa de informações detalhadas, se ele (o deputado) está ou não sendo presente. Há recursos tecnológicos baratos, mais baratos, por exemplo, do que imprimir toda a parafernália”, disse, em relação aos papéis referentes à sessão. Segundo Braga, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, os primeiros colocados, se destacam porque registram votações nominais, ao contrário dos demais.
Na avaliação de Braga, as casas legislativas estaduais precisam tomar mais cuidados com seus portais. “Muitos links dentro dos sites não abrem”, exemplifica. O G1 testou todos os sites das assembléias na sexta-feira (16) e cinco portais estavam fora do ar: Alagoas, Amapá, Paraíba, Rondônia e Santa Catarina.

domingo, 4 de março de 2007

A reforma da OAB é um rodízio de carnes


A Ordem teve momentos de glória lidando com o Direito no atacado. No varejo, vira barraca de verduras
A OAB remeteu ao Congresso, para que seja "aprovado", "sem mais delongas", um rodízio de carnes rotulado de reforma política. Nele, há de tudo: redução do mandato dos senadores para quatro anos, financiamento de campanhas e convocação de plebiscitos. Cada lingüiça pode ter defensores e adversários, mas fica uma questão: como é que a Ordem dos Advogados, uma guilda profissional, se considera capaz de propor mudanças que dividem mesas de bar, conversas de batizado ou plenários de sábios?
É direito de todo cidadão propor o que bem entende e a Ordem pode defender aquilo que achar melhor a respeito do que quiser. Não se deve, contudo, supor que tenha representatividade para fazê-lo.
Alguns bons momentos da história do Brasil tiveram advogados como protagonistas. Os piores também. A Constituição de 1937 e o preâmbulo do Ato Institucional de 1964 foram escritos pelo doutor Francisco Campos. O AI-5 foi obra do professor Gama e Silva, ex-diretor da Faculdade de Direito de São Paulo.
O braço da Ordem dos Advogados é forte e respeitável quando ela se manifesta sobre a constitucionalidade de uma iniciativa, ou diante de um cafuné golpista (a miniConstituinte sugerida por Nosso Guia no ano passado). Nos anos 70, Raymundo Faoro presidiu a Ordem e liderou a campanha pelo restabelecimento do habeas-corpus, defendendo um princípio incontroverso do direito. Nessa época de ouro, a OAB confundiu-se com a restauração da liberdade. Não propôs micromudanças da simpatia de Faoro ou de seus dirigentes estaduais. Indo ao varejo, ela vira barraca de verduras.
O tamanho do mandato dos senadores ou a forma de financiamento das campanhas eleitorais nada têm a ver com os grandes princípios do direito e da democracia. Muito menos a transferência para as centrais sindicais da prerrogativa dos cidadãos de requerer a convocação de um plebiscito. Se a CUT pode ter o direito de patrocinar a iniciativa em nome de 7,4 milhões de trabalhadores, por que não o Flamengo, com o grito da sua torcida, estimada em 35 milhões de pessoas? O flamenguista torce pelo time porque tomou essa decisão e pode revogá-la quando bem entender. Já os trabalhadores das carteiras da CUT ou da CGT, estão atrelados às centrais por decisão de coletivos sindicais, tomadas em assembléias que geralmente não reúnem 10% dos representados. Essa proposta da OAB chega com 73 anos de atraso. Iria bem nos debates da Constituição corporativa de 1934.
Com mais de meio século de devoção e eterno respeito à Ordem, o advogado Célio Borja (50 anos de magistério do Direito, 16 de Câmara dos Deputados, ex-ministro da Justiça e ex-ministro do Supremo Tribunal Federal) argumenta: "A Ordem não representa os advogados quando faz propostas pontuais a respeito das quais podemos, ou não, estar de acordo."

Elio Gaspari - Folha de São Paulo, 04 de março de 2007.