sábado, 31 de outubro de 2009

Um eleitorado mais exigente

[Série Vulgo, Whip, 1999.
Rosangela Rennó.
Pirelli/MASP]


Maria Inês Nassif

Valor Econômico, 29 out. 2009

Em 2006, a política eleitoral foi marcada pelo fenômeno de descolamento do voto dos humores da classe média urbana que, ao longo da história da República, funcionou como uma caixa de ressonância das elites econômicas.

A ascensão ao mercado de consumo de uma grande parcela de excluídos, por meio do Bolsa Família, produziu uma autonomia do voto dos menos favorecidos em relação ao poder econômico e reduziu o papel de formadores de opinião das classes médias.

De lá para cá, as políticas de valorização do salário mínimo adicionaram um outro componente social à realidade política: o ingresso nas classes médias de cidadãos originários da base da pirâmide que já estavam no mercado de consumo, mas que tinham acesso limitado a bens e mercadorias.

Foram, portanto, dois dados importantes de mobilidade social distintos, cada um deles com poder de repercussão em uma eleição diferente.

Nas eleições de 2006, o dado social predominante foi o ingresso ao mercado de consumo de grande parcela da população.
Nas eleições de 2010, terá forte influência sobre o pleito a ascensão à classe média de grandes contingentes das camadas populares.

Nos últimos sete anos, o país passou de uma situação de reduzidas classes médias e alta e amplas camadas na base da pirâmide - com forte concentração, nessas últimas, de famílias com baixíssima ou nenhuma renda.

Quase às vésperas das eleições de 2006, as estatísticas começaram a acusar um forte efeito de desconcentração de renda do programa Bolsa Família, que atingia então os situados no último degrau da pirâmide de renda.

Esse dado apenas tornou-se visível no auge do chamado Escândalo do Mensalão e o mundo institucional custou a entender que algo acontecia de diferente no universo social.

A política foi sacudida por traumas intensos, cujo epicentro era o Congresso Nacional - em especial uma CPI que alimentava grandes cenas midiáticas que em algum momento chegaram a consolidar, entre letrados, a idéia de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva era tão destituído de sustentação política que caminhava para um impeachment, ou uma renúncia.

Foram quase simultâneas as divulgações das pesquisas de opinião que acusavam um constante aumento de popularidade de Lula, em plena crise, e a divulgação de indicadores que comprovavam um efeito grande de mobilidade do Bolsa Família.

Os fenômenos foram tão vinculados que foram necessárias várias pesquisas de opinião acusando aumento da popularidade de Lula para que a oposição se convencesse que o presidente não apenas estava no páreo, como era o franco favorito na disputa pela reeleição.

O aumento da classe média brasileira no período seguinte é um dado ainda de difícil avaliação, que precisará ser devidamente considerado nas definições de estratégias de campanha de todos os candidatos às eleições presidenciais.

O fato de os dois fenômenos terem acontecido num período governado por um único partido, e não ter ocorrido até o momento - nem no período de crise - um forte refluxo das condições objetivas de consumo desses setores, pode indicar que a candidata governista entra no mercado eleitoral como depositária de um legado.

O conservadorismo da classe média, no caso dos ascendentes no governo Lula, tende a favorecer a candidata - o status quo agora é o PT, ao contrário de 2002.

De outro lado, a ascensão à sociedade de consumo significa também acesso a bens de consumo ideológicos que mantinham esses setores à margem até agora.

A informação, o acesso a tecnologias por onde elas transitam rapidamente e a exposição a diversas outras mídias expõem esses setores emergentes a conteúdos dos quais foram marginalizados enquanto estavam excluídos dessas tecnologias - e cuja inclusão não era alguma coisa que estava na agenda das elites políticas, que partiam do pressuposto, no jogo eleitoral, de que essas camadas eram cooptáveis via movimentos de emocionalização de uma classe média mais conservadora.

Outro fator que pode contribuir para isso é o aumento progressivo de escolaridade, que caminha de forma constante desde os governos Fernando Henrique Cardoso. Os ganhos de distribuição de renda podem acelerar o processo de aumento de anos de estudo da população.

Num contexto de maior escolaridade e maior renda, portanto, imagina-se que mudem também os critérios de escolha do voto.

O julgamento do eleitor tende a passar por crivos que superem o simples ganho de renda - esse é um ganho passado e entram no cenário expectativas de ascensão social diferentes.

Nesse contexto, pode adquirir importância grande a adesão a candidatos de setores da mídia convencional e não convencional - veiculada pela internet - e ganham peso maior os programas de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão. Esse é um elemento novo no processo eleitoral.

Dificilmente se volte a uma realidade onde as classes médias representem simplesmente uma caixa de ressonância das elites econômicas mas não necessariamente esse eleitorado tenderá à esquerda por ter ascendido no governo Lula.

O dado concreto, no momento, é que esse eleitorado obrigará uma campanha eleitoral que agregue mais informações e argumentos eleitorais mais convincentes.

*Maria Inês Nassif é repórter especial de política. Escreve às quintas feiras.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Estudo mostra que política pública reduz pouco pobreza

Valor Econômico, 26/10/2009, p.A4
por Arnaldo Galvão
Norte e nordeste ainda têm situação preocupante
As políticas públicas de redução da pobreza e da desigualdade estão na direção correta, mas a força delas é insuficiente para resgatar as regiões mais pobres do país, especialmente Nordeste e Norte. Essa é a principal conclusão de um trabalho do Laboratório de Estudos da Pobreza (LEP) da Universidade Federal do Ceará (UFC) sobre o que ocorreu nos 27 Estados e no Distrito Federal, de 2006 a 2008.
O economista e professor Flávio Ataliba Barreto, coordenador da pesquisa, explica que foram usados dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE, com informações de renda, desigualdade e pobreza. O bem-estar foi apurado a partir do índice elaborado pelo economista indiano Nanak Kakwani, que mede o crescimento da renda das camadas mais pobres da população. Barreto comenta que, apesar da queda da desigualdade, movimento que vem sendo verificado desde 2001, o Nordeste continua muito atrasado, com renda baixa e desigualdade alta. Ele lamenta que, nessa região, as políticas públicas não conseguiram reverter a situação "preocupante" mantida pelo baixo nível educacional. Na interpretação do professor da UFC, falta perspectiva para esse grupo de nove Estados que têm 28% da população brasileira, mas concentram 49% dos pobres. "Não há muito a comemorar no Nordeste. A região tem grande população, mas ainda é bastante dependente das transferências de renda", conclui.
De 2006 a 2008, o que ocorreu com os dois Estados com a maior proporção de pobres na população - Alagoas e Maranhão - é exemplo dessa falta de perspectiva. Os dois deram saltos, mas, como a base de comparação é muito baixa, o movimento não significa muito para as pessoas. O índice de Kakwani mostra que Alagoas ficou em sétimo lugar na lista do crescimento da renda favorável aos mais pobres, mas isso foi insuficiente para tirá-lo do incômodo topo no rol das unidades da federação que têm mais pobres na população. Alagoas tinha 65,27% da população na faixa da pobreza em 2006, o que significa renda familiar per capita de até meio salário mínimo. Em 2008, essa parcela recuou para 56,36%.
A situação do Maranhão também evoluiu positivamente quando é medida a evolução da renda dos mais pobres. O Estado, de 2006 a 2008, ficou no honroso sexto lugar nessa classificação, mas continuou em segundo lugar no "ranking" dos que têm mais pobres na população. Em 2006, eram 63,61% com renda familiar per capita de até dois salários mínimo e recuaram para 54,19% dois anos depois.
Os números da proporção de pobres na população revelam que todos os Estados e o Distrito Federal reduziram o número de pessoas que têm até meio salário mínimo como renda per capita familiar. De 2006 a 2008, o melhor desempenho é do Paraná. O Estado tinha 25,19% nessa situação e passou a ter 18,12%. Goiás aparece logo depois porque reduziu essa parcela da população de 30,87% para 22,20%. Em terceiro lugar está Mato Grosso, com queda de 33,10% para 24,18%.
As reduções mais tímidas da proporção de pobres na população, nesses dois anos, foram de Roraima (42,64% para 37,62%), Amazonas (47,36% para 41,88%) e Paraíba (53,98% para 48,98%). Barreto informa que, na análise do LEP, o cenário que apresenta a melhor síntese é a comparação, entre os Estados, dos respectivos índices de bem-estar de Kakwani. Segundo ele, dessa maneira é possível medir se a renda dos mais pobres aumentou. A fórmula desse índice de Kakwani considera variações da renda geral com o movimento verificado na renda das camadas mais pobres da população. Entre 2006 e 2008, Rondônia foi o único Estado que teve contração da renda geral, mas, apesar disso, houve aumento de 18,91% da renda dos mais pobres. Em quatro unidades - Distrito Federal, Mato Grosso, Paraíba e Tocantins - foi registrada expansão da renda geral nesse período, mas acompanhada de aumento da desigualdade.
O trabalho mostra que os demais 22 Estados tiveram, de 2006 a 2008, expansão da renda geral com perfil favorável à elevação da renda dos mais pobres. Os melhores desempenhos de crescimento da renda dos mais pobres, sob a ótica do índice de Kakwani, foram de Rondônia, Roraima, Acre, São Paulo e Amapá. O índice de bem-estar de Amartya Sen considera as variações da renda e da desigualdade, mas, na opinião de Barreto, falha ao omitir se os ricos perderam renda ou se os pobres foram beneficiados.
Isolando a variação da desigualdade nas 27 unidades da federação, o LEP verificou que, de 2006 a 2008, a situação deteriorou-se em Tocantins, Paraíba, Mato Grosso, Goiás e Distrito Federal. O coordenador do estudo revela que está sendo preparada uma análise mais profunda das causas da redução da desigualdade no Brasil. Os primeiros sinais apontam para o aumento do salário mínimo no Sudeste e os benefícios previdenciários e transferência de renda no Nordeste.
Outra boa notícia, segundo Barreto, foi a redução do número absoluto de pobres em todos 26 Estados e no Distrito Federal. De 2006 a 2008, a maior diminuição, 26,68%, foi no Paraná. Em segundo lugar, veio Goiás com 25,89%. O terceiro melhor desempenho foi do Mato Grosso, com queda de 24,41% do número absoluto de pobres. Na outra ponta da lista, as reduções mais modestas foram em Roraima (7,44%), Paraíba (7,63%) e Amazonas (8,33%).

domingo, 25 de outubro de 2009

Notas sobre como analisar a taxação de capital especulativo


Por Lucas Massimo
25/10/2009

A oposição essência versus aparência no conjunto da obra de Karl Marx é freqüentemente tomada como uma oposição do tipo verdadeiro versus falso: o que acontece no mundo sensorial, aparente é um falseamento do que acontece no plano do concreto, do real. Certamente, não é assim que Marx lidava com a mesma idéia – e note-se, essa afirmação não está fundamentada numa inferência psicanalítica, sobre como o cara pensava, não, isso está no 18 Brumário, basta ler: a oposição essência x aparência reporta-nos a um teatro, onde o que aparece é o que esta no palco (o proscênio), e a essência é aquilo que, pensando de forma rigorosa, NÃO APARECE, ou seja, é o que fica nos bastidores. Quem quiser entender o binômio de essência x aparência como sinônimo de falseamento, como VxF, deve ler a crítica de Cícero Araujo a Armando Boito Junior que foi publicada aqui (clique); quem quiser se familiarizar com a oposição essência x aparência sem a idéia de falseamento, deve ler o artigo do Adriano Codato que foi publicado aqui (clique).
Tanto um como outro não são acessíveis para quem não é cientista.
Eu puxei esse ponto para mostrar como se deve entender a decisão do ministério da fazenda em taxar a entrada de capital especulativo que passou a vigorar essa semana. Durante os anos 90 um consenso religioso orientou o debate acerca do controle a taxação dos movimentos dos fluxos de capitais pelo mundo. Segundo o fulcro desse argumento, a taxação não pode ser sequer cogitada porque ela não faz sentido quando se acredita na preponderância do mercado como mecanismo para distribuição dos recursos entre os agentes: ao taxar os fluxos de capital, o aparelho estatal põe o dedo numa seara que não lhe é particular, ele modifica as condições do cálculo racional que permite aos atores maximizarem suas utilidades individuais, e ao fazê-lo promovem o bem da sociedade burguesa em geral.
Mas o que o primeiro parágrafo tem a ver com o terceiro? É muito simples: sem a noção de essência x aparência como palco x bastidores não se compreende a relação articulada entre a regulação política e a clivagem de interesses econômicos; o motivo deste post é afirmar que essa decisão significa um balanço, um tremor na hegemonia que o capital financeiro exerce sobre o capital industrial no capitalismo periférico que se pratica no Brasil. Rendendo-me a pretensão de explicar tudo sobre tudo e de maneira organizada, permito-me indicar minhas referências: Florestan Fernandes, Celso Furtado, Chico de Oliveira e João Manuel Cardoso de Mello para entender a situação periférica, Armando Boito Junior, Nicos Poulantzas e escola da regulação para entender o predomínio da finança, e Adriano Codato para entender essa versão do binômio essência versus aparência no 18 Brumário.
Ao taxar a entrada de capital especulativo o governo acena que sua convicção quanto à capacidade do mercado em produzir utilidade coletiva não é mais tão solida; essa IDÉIA é imprescindível no conjunto de circunstancias que sustentam a prevalência do capital financeiro em nível global. Tal prevalência não aparece na conjuntura que redundou decisão do ministério da fazenda brasileiro, mas isso não significa que a estrutura foi alheia a ela.
Eu enfatizei algumas conseqüências dessa decisão do ponto de vista ideológico, mas acho que é importante frisar que as conseqüências no plano da economia – é bastante razoável pensar em uma queda na cotação do dólar, o que azeita a competitividade dos jatinhos da Embraer – são muito mais abrangentes, tanto como o são as conseqüências políticas da decisão – o chairman do IMF já fez valer um comentário a respeito da política brasileira. Num plano ou noutro, temos uma importante distinção face ao fundamentalismo com o qual a ekipekonômica do governo FHC lidava com a questão. Mas essa é outra história, e ficará para outro post.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Quase metade das parlamentares está solteira

[Pernas, 1970. German Lorca. Pirelli / MASP]

congresso em foco

20 Out. 2009

Ao todo, 42% das congressistas entrevistadas declararam não estar casadas. Entre os parlamentares, esse índice é de apenas 16%, diz pesquisa.



Fábio Góis

A pesquisa do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea) mostra uma significativa diferença entre o estado civil dos parlamentares e das parlamentares: 84% dos congressistas ouvidos declararam ser casados ou viverem em união estável, enquanto 58% das congressistas disseram viver com companheiros.

O índice de solteiros, separados ou divorciados entre eles é de 16%, enquanto entre elas chega a 42%. O percentual de parlamentares consultados sem filhos é de 5% entre os homens, e de 22% entre as mulheres.

“O que temos percebido com a literatura especializada do gênero é que muitas mulheres, para galgarem postos de trabalho e também na política, precisam abrir mão de tarefas e identidades domésticas, embora muitas apreciassem manter essa faceta em seus cotidianos, ou têm de contar com outras mulheres para tomar conta de seus filhos, casas e famílias”, afirma a assessora para as áreas de trabalho, Previdência e poder e política do Cfemea, Patricia Rangel, uma das autoras do estudo.

“Isso é a expressão clara de que as mulheres têm duas jornadas de trabalho, enquanto o homem só tem uma jornada. Geralmente, quando elas se dedicam à vida político-partidária, têm a vida conjugal prejudicada. Existe uma divisão sexual do trabalho”, arremata Patrícia, para quem as bandeiras do movimento feminista em relação à reforma política (como o percentual de vagas de candidatura para cada sexo e as punições para o descumprimento, como define a Lei 9504, de 1997), “se fossem materializadas, as mulheres participariam mais”.

O Brasil é o penúltimo país da América do Sul em participação feminina no Legislativo, à frente apenas da Colômbia. Na Argentina, as mulheres ocupam 40% dos assentos no Congresso. As parlamentares brasileiras ocupam atualmente apenas 44 cadeiras na Câmara e nove no Senado brasileiro, o que corresponde a 8,9% do total das vagas do Parlamento.

Patrícia Rangel disse ao Congresso em Foco que os dados do estudo mostram “algumas questões óbvias”, como o fato de que são as parlamentares que desejam ver a mulher cada vez mais em cargos e funções de destaque na política, em número muito maior do que os homens com o mesmo pensamento. “Quem quer mais mulheres na política e no poder são as próprias mulheres”, observa.

No texto introdutório sobre as características gerais dos entrevistados, a consultora Eneida Vinhaes diz que tal desconhecimento provoca o “receio de nos depararmos, no Congresso Nacional, com a ausência de interesse e da compreensão da necessidade de direitos específicos para as mulheres”, e que a atual legislatura “não pensa de forma suficiente, qualificada e apropriada sobre a defesa de direitos para as mulheres”.

Eles pouco sabem sobre elas

De acordo com o estudo, os homens com mandato no Congresso pouco sabem sobre os temas relacionados às mulheres. Dos 321 entrevistados, a maioria masculina (61%) desconhece o II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, instituído pelo Decreto Presidencial nº 6.387, publicado em 6 de março de 2008 no Diário Oficial da União. O plano inclui metas, prioridades e 199 ações definidas pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, a partir da I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, realizada em julho de 2004.

A maioria dos entrevistados (57%) respondeu não conhecer o plano. Dos 43% que disseram conhecer ou ter ouvido a respeito, apenas 34% participaram de sua elaboração por meio de conferências estaduais, municipais ou nacionais. Em números absolutos, diz o Cfemea, isso significa que, dos 321 parlamentares consultados, 137 conhecem plano, dos quais apenas 48 participaram da sua construção.

Reunindo-se dados de sexo, cor, crença religiosa e composição familiar, o Cfemea chegou à conclusão de que o Parlamento brasileiro é composto, majoritariamente, de homens brancos, casados, com filhos e católicos. Para a entidade, esses dados apenas reforçam o descaso dos políticos brasileiros com a inclusão da mulher na participação político-partidária.

“Pelos resultados da pesquisa, os parlamentares conhecem pouco não só a coletividade feminina (e, talvez pelo desconhecimento, se interessem pouco por ela) e os planos destinados a elas, mas também as organizações dedicadas aos seus direitos: mais da metade (57%) nunca ouviu falar do Cfemea”, diz Patrícia Rangel, no capítulo intitulado O que as mulheres pensam sobre as mulheres na política?.

Segundo Patrícia, os parlamentares da atual legislatura “parecem dispostos a perpetuar a sub-representação parlamentar feminina”. Os números do estudo a respeito da reforma política almejada pelas entidades femininas, diz a assessora, comprovam isso: 60% dos entrevistados discordam da punição para partidos que não alcançarem o mínimo de 30% de candidaturas femininas; 60% concordam em destinar parte dos fundos partidários e do tempo de propaganda para promover a participação política das mulheres; 72% discordam em adotar lista fechada com alternância de sexo; 72% concordam em regulamentar o financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais.

Divisão

O material está dividido nas áreas de políticas públicas e orçamento; trabalho e proteção social; poder e política (as posições dos parlamentares sobre reforma política); e direitos sexuais e reprodutivos, no qual a questão do aborto é desenvolvida com mais profundidade.

Todas as categorias, lembra Patricia, são voltadas à questão da igualdade de gêneros. Ela considera que a pesquisa registra números surpreendentes. “Eu achei muito interessante porque muitos dados me surpreenderam. Por exemplo, o perfil dos parlamentares. A gente percebe que as mulheres têm um perfil mais progressista”, disse a pesquisadora, acrescentando que as parlamentares se declaram mais “de esquerda” do que os homens, percentualmente. “Em números absolutos, não se pode comparar, porque são 27 mulheres entrevistadas para 294 homens”, pondera.

A primeira fase do trabalho teve enfoque quantitativo. Por meio de um questionário com questões fechadas, o grupo procurou levantar a totalidade das opiniões dos entrevistados. Em seguida, alguns parlamentares “com expressividade política relevante” no cenário nacional foram selecionados para entrevistas qualitativas e abertas, de maneira mais aprofundada, com o objetivo de conhecer “um pouco mais de perto” o pensamento desses políticos.

.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Oliver Williamson: a relevância das instituições

[Roland Halbe, The Cooper Union
in New York, designed by Thom Mayne]


Valor Econômico, edição de 14 de outubro de 2009, página A14
Por Decio Zylbersztajn

Seu trabalho nos convida a estudar as organizações na sociedade, como elas são.

A premiação do Nobel de economia de 2009 coincide com uma celebração que ocorrerá na Universidade de Chicago em dezembro. Trata-se da comemoração dos 99 anos do professor Ronald Coase. Alguém poderia certamente indagar, qual a relação entre o novo laureado e o professor Coase, que recebeu o mesmo prêmio em 1992.
Na verdade o Nobel foi destinado a dois pesquisadores, Oliver Williamson e Elinor Ostrom, que dividem uma base comum que foi introduzida por Ronald Coase. Tal base se sustenta no fato de que as instituições são importantes e voltaram a fazer parte da teoria econômica. Foi Coase quem convidou os economistas a modelar o mundo real ao invés de brincar com modelos afastados da realidade. Assim afirmou no seu discurso de premiação.
Se Coase apontou para a direção correta, foi Oliver Williamson quem desenvolveu o construto fundamental para que, todos nós que estudamos a Economia das Organizações, pudéssemos fazer análises pautadas por modelos realistas. Oliver Williamson trabalhou incansavelmente por quatro décadas apresentando o seu modelo que permite testar hipóteses sobre os mecanismos de governança das organizações, sobre as relações entre firmas que não ocorrem por meio de mercados e sim dos contratos. Se o termo “custo de transação” é hoje tão comum, devemos a ambos, Coase e Williamson, respectivamente, a sua criação e difusão.
Mais do que o conceito de governança corporativa, o trabalho de Williamson lançou luz sobre decisões estratégicas fundamentais, como por exemplo, a decisão estratégica sobre o crescimento vertical das organizações. Um passo além da questão tradicional que permeia as decisões estratégicas sobre “terceirização”, o modelo de Williamson abriu caminhos para a análise do crescimento das firmas e das relações contratuais complexas que caracterizam as cadeias produtivas e as redes de corporações modernas.
Williamson abriu caminhos e determinou rupturas. Por exemplo, a tradicional visão da análise econômica da concorrência foi criticada por Williamson, que sugere que em muitos casos as intervenções das organizações de promoção da concorrência geram ineficiências indesejáveis nas organizações. Incomoda a muitos quando considera a firma, como que um tribunal de primeira instância para dirimir conflitos. Também incomodou muitos ao expor as entranhas do comportamento humano explorando o conceito de “oportunismo” dos atores da sociedade. Afirma Williamson que mesmo que você, leitor, não seja oportunista, o seu vizinho pode ser. Ou você pode agir oportunisticamente vez ou outra, o que traz implicações para o modelo das organizações e para a realização das transações.
Incomodou também quando reapresentou o conceito de “racionalidade limitada” gerado por Simon e revivido na obra de Williamson, que colide com a hiperacionalidade que caracteriza a teoria econômica tradicional. Ou seja, temos a intenção de agir racionalmente, mas nossa incompetência cognitiva é tamanha, que só conseguimos atingir parcialmente o nosso intento. Some-se o oportunismo, a racionalidade limitada e a necessidade de realizarmos contratos, para compreendermos como as instituições são necessárias para evitar o caos social e econômico, como o que se instalou no mundo no final de 2008 e ao longo de 2009.
Seus críticos são tão numerosos quanto os seus admiradores. Alguns afirmam que o seu modelo não reconhece a estrutura social que abriga as complexas transações. Outros o criticam pelo excessivo reducionismo dos seus modelos de determinação das estruturas de governança eficientes. Outros implicam com a homogeneidade dos seus artigos, que sempre terminam com um mantra: existe um alinhamento minimizador de custos de transação, entre as formas de governança observadas, regido pela interação entre as características das transações e das instituições.
A sua contribuição fundamental iniciada nos anos 70 foi repetida mundo afora nas suas contínuas peregrinações por universidades em todos os continentes. No curso que costumava dar na Universidade de Berkeley que eu tive a oportunidade de fazer, Williamson iniciava com uma citação de Peguy que está no seu livro “Mecanismos de Governança” de 1996. Essa citação inspira a primeira aula da disciplina de Economia das Organizações que eu ministro na FEA: “Quanto mais eu vivo menos acredito em iluminações súbitas, que não venham acompanhadas por trabalho sério. Menos eu creio nas súbitas paixões e mais eu creio na eficiência do trabalho modesto, lento, molecular e definitivo. Quanto mais eu vivo, menos acredito nas revoluções sociais, improvisadas e maravilhosas, com ou sem armas e ditadores, e mais eu acredito na eficiência do trabalho modesto, lento, molecular e definitivo.”
Vejo em Williamson um exemplo de cientista social sério e cuja obra impactante abriu caminhos que ainda estamos a explorar. (...) Seguindo a tradição coasiana, seu trabalho nos convida a estudar as organizações na sociedade, entre as quais as firmas, como elas são, e não como queremos que sejam. Se alguns ainda viam a Nova Economia Institucional como uma teoria menor que apenas critica a teoria econômica tradicional, o chamado “mainstream”, creio que depois de Ronald Coase, Douglass North, e agora Oliver Williamson e Elinor Ostrom, é chegada a hora de repensarmos as disciplinas dos cursos de Economia, de Administração e de Direito, Trazendo um pouco da visão coasiana.
O professor Ronald Coase será homenageado em dezembro. Vive para ver os seus seguidores intelectuais ganharem a merecida relevância. Conforme afirmou: “O mundo real é o que realmente importa. Vamos pois estudá-lo.”

Decio Zylbersztajn é professor de Economia das Organizações da USP e organizador do livro “Direito e economia” (Editora Campus), que contém capítulo escrito por Oliver Williamson.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Pelo menos 30 parlamentares trocaram de partido

[M. Rothko]

Congresso em Foco
05/10/2009 - 19h35


Mário Coelho e Rodolfo Torres

Levantamento feito pelo Congresso em Foco nas lideranças partidárias e nos gabinetes parlamentares mostra que pelo menos 26 deputados e quatro senadores trocaram de partido nas duas últimas semanas.

A lista a seguir difere da publicada no último sábado, reproduzida do Correio Braziliense, por causa de dois nomes. Foi incluído o senador Expedito Filho (RO), que trocou o PR pelo PSDB. Já o deputado Geraldo Thadeu (MG) desistiu, na última hora, de se filiar ao PSDB. Seu nome foi excluído porque, segundo sua assessoria, ele segue no PPS.

Das 11 legendas que perderam parlamentares até o último sábado, somente o DEM e o PDT vão entrar na Justiça eleitoral para reaver as vagas na Câmara ou no Senado. Outras duas, PT e PMN, ainda devem analisar nos próximos dias o caminho que vão tomar (leia mais).

O número de parlamentares que mudaram de legenda pode ser ainda maior, já que algumas lideranças ainda esperam pela confirmação do destino de alguns congressistas, que estudavam trocar de sigla.

Veja a relação dos parlamentares que mudaram de partido:

Deputados

Bispo Rodovalho (DF) – deixou o DEM; foi para o PP
Carlos A. Canuto (AL) – deixou o PMDB; foi para o PSC
Davi Alves (MA) – deixou o PDT; foi para o PR
Dr. Nechar (SP) – deixou o PV; foi para o PP
Edmar Moreira (MG) – havia deixado o DEM; foi para o PR
Geraldo Pudim (RJ) – deixou o PMDB; foi para o PR
Henrique Afonso (AC) – deixou o PT, foi para o PV
Jairo Carneiro (BA) – deixou o DEM; foi para o PP
Jefferson Campos (SP) – deixou o PTB; foi para o PSB
José Carlos Araújo (BA) – deixou o PR; foi para o PDT
José Carlos Vieira (SC) – deixou o DEM; foi para o PR
Laerte Bessa (DF) – deixou o PMDB; foi para o PSC
Luiz Bassuma (BA) – deixou PT; foi para o PV
Manoel Júnior (PB) – deixou o PSB; foi para o PMDB
Marcelo Itagiba (RJ) – deixou o PMDB; foi para o PSDB
Márcio Marinho (BA) – deixou o PR; foi para o PRB
Marcondes Gadelha (PB) – deixou o PSB; foi para o PSC
Nilmar Ruiz (TO) – deixou o DEM; foi para o PR
Pastor Manuel Ferreira (RJ) – deixou o PTB; foi para o PR
Pastor Pedro Ribeiro (CE) – deixou o PMDB; foi para o PR
Rita Camata (ES) – deixou o PMDB; foi para o PSDB
Severiano Alves (BA) – deixou o PDT; foi para o PMDB
Silvio Costa (PE) – deixou o PMN; foi para o PTB
Uldurico Pinto (BA) – deixou o PMN; foi para o PHS
William Woo (SP) – deixou o PSDB; foi para o PPS
Zequinha Marinho (PA) – deixou o PMDB; foi para o PSC

Senadores

Expedito Filho (RO) - deixou o PR, foi para o PSDB
Flávio Arns (PR) - deixou o PT; foi para o PSDB
Mão Santa (PI) - deixou o PMDB; foi para o PSC
Marina Silva (AC) - deixou o PT; foi para o PV
.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Ações afirmativas como armação ideológica?

[Rogério Reis.
Rio, 1991]


Folha de S. Paulo
26 set. 2009

Crítica/"Uma Gota de Sangue"

Magnoli faz livro de combate contra cotas
MARCELO LEITE
Colunista da Folha


Não se iluda o leitor com o título da obra. O livro do geógrafo e colunista Demétrio Magnoli não é um compêndio. Trata-se de um texto de intervenção no debate brasileiro sobre cotas raciais.

Seu mérito maior é ter muito menos defeitos que o best-seller "Nós Não Somos Racistas", do jornalista Ali Kamel. A tese é a mesma: as ações afirmativas e o movimento negro resultam de uma armação ideológica. Ela conspira contra o princípio da igualdade perante a lei, contra a ideia de nação e, no caso brasileiro, contra seu generoso mito fundacional, a mestiçagem.

É uma tese boa de briga. Toma partido da sociologia de Gilberto Freyre, em sua oposição com a escola de Florestan Fernandes. Até Barack Obama entra nessa capoeira, como mestiço vingador na pátria da dicotomia entre brancos e negros. Kamel e Magnoli prestam um serviço ao debate insistindo na denúncia da prestidigitação estatística que apagou diferenças entres pardos (mestiços) e pretos, juntando-os na categoria binomial de "negros". Se funciona mal nos Estados Unidos, ainda pior no Brasil.

Magnoli é academicamente mais cuidadoso. O leitor terá de procurar bastante até encontrar passagens tão definitivas e duvidosas sobre o caráter nacional quanto esta: "No Brasil, [...] a fronteira racial não existe na consciência das pessoas" (pág. 366).

Digressões histórico-geográficas sobrecarregam um tanto a leitura com exemplos de países, instituições, movimentos e autores que comprovariam a tese. As partes três e quatro, por exemplo, poderiam ser saltadas sem prejuízo para o fulcro do debate brasileiro.
Seria uma perda pular, contudo, a reconstituição do papel da Fundação Ford na disseminação mundial das ideias "multiculturalistas", chave do esquema interpretativo de Magnoli. É o ponto alto do volume. É, também, o que mais deixa vontade de entender melhor o que possa estar por trás da conspiração denunciada. Fica a impressão de que se trata de minar os movimentos sociais, segmentando-o em demandas identitárias estanques (etnias, gênero, orientação sexual etc.).

Permanece enigmático, porém, por que tal agenda foi encampada nos Estados Unidos tanto por republicanos quanto por democratas. Não se examina a fundo a hipótese de que seja uma tentativa de responder a demanda social legítima: enfrentar iniquidades que não se dissolvem diante do princípio da igualdade.

Não se busque neste livro de combate a propalada generosidade da mestiçagem. Para Magnoli, políticas racialistas ressuscitam o racismo e, em essência, não diferem das políticas do nazismo e do apartheid. Pouco importa se de um lado está o sujeito do preconceito e, de outro, seu objeto -a crença em raças os irmana.

Não há e não pode haver aperfeiçoamento das ações afirmativas. Aos pardos e pretos pobres de hoje, no Brasil, sob o fardo extra de descender mais obviamente de escravos, resta a esperança de que um dia a nação brasileira cumpra a promessa de dar oportunidades iguais para todos -seja em que geração for.
.