segunda-feira, 30 de novembro de 2009

II Workshop do Nusp


[m. rothko]

O evento acontecerá nos dias 1, 2 e 3 de dezembro de 2009 na Universidade Federal do Paraná (Campus Reitoria, edifício D. Pedro I – Curitiba, PR). Os anais do evento serão publicados em versão on line no site www.nusp.ufpr.br e serão emitidos certificados para os participantes e ouvintes.

A grade com a programação pode ser baixada aqui ou acessada no www.nusp.ufpr.br

domingo, 8 de novembro de 2009

Por que o sistema eleitoral uninominal é péssimo para a democracia

[Oklahoma Politics, 1950.
Joe Scherschel. Life]


Guilherme Simões Reis
, para o blog

O termo “sistema majoritário” pode se referir a dois tipos de sistemas eleitorais baseados em distintas regras da maioria, chamadas pela literatura internacional de ciência política, em inglês, de plurality e de majority. A primeira se refere à vitória daquele mais votado do que cada um dos concorrentes, enquanto que a segunda se refere à maioria com mais de 50% dos votos, podendo-se necessitar de um segundo turno para que tal percentual seja alcançado.

Ambos são sistemas uninominais (single-member districts), isto é, de magnitude igual a 1, em que o país é dividido em vários distritos nos quais apenas o candidato mais votado de cada é eleito para o parlamento. Por isso eles são popularmente chamados de “sistemas distritais”. O sistema eleitoral uninominal baseado na plurality utilizado na votação para parlamentos, o first-past-the-post, é particularmente difundido nos países de tradição britânica, inclusive nos Estados Unidos. Nele, um candidato pode ser eleito com muito menos do que a metade dos votos do seu distrito. Apenas a França e o Mali utilizam o sistema de dois turnos para as eleições legislativas nacionais, elegendo assim apenas candidatos com mais da metade dos votos (regra da “majority”).

O objetivo dos sistemas majoritários é dar a vitória, em cada distrito, àquele que representar um dos dois tipos de maioria. É bem diferente, portanto, dos sistemas proporcionais, que visam à representação das diferentes correntes de opinião da sociedade. Estes podem ser de dois tipos principais: os de lista e o de voto único transferível (single transferable vote – STV). O STV, por meio de um complexo mecanismo, permite que os eleitores ordenem vários candidatos de acordo com sua preferência, elegendo aqueles que não apenas sejam os preferidos como tenham menor rejeição. Já os sistemas de lista – que pode ser fechada, aberta ou flexível – distribuem as cadeiras pelos partidos de acordo com a proporção dos votos que eles receberam.

O sistema uninominal não foi obra de nenhuma engenharia institucional. Ele surgiu espontaneamente na Inglaterra, na Idade Média, e se tornou norma no final do século XIX. Ele se apresentava, então, como um progresso em comparação com a não-escolha dos representantes. Entretanto, a sua utilização hoje, após a criação de sistemas de representação proporcional, é um anacronismo eleitoral. O arcaico first-past-the-post viola tanto o princípio da igualdade como o da maioria. O sistema de dois turnos atende ao princípio da maioria, sendo, por isso, justificável ao menos sob algum aspecto, mas tem resultados ainda mais desproporcionais do que o de turno único quando utilizado para eleições legislativas.

Apesar disso, o sistema uninominal é exaltado, ao som do mantra da governabilidade, pela facilidade de construir maiorias, por tender a reduzir o número de partidos parlamentares e por ampliar a possibilidade de uma única organização partidária poder formar sozinha um governo majoritário, o que facilita a aprovação dos projetos do Executivo. O problema é que isso se dá às custas de o resultado não corresponder à vontade do eleitorado nacional e de excluir minorias, ao se reduzirem as opções dos eleitores forçando-os a votarem estrategicamente. Desse modo, a democracia é restringida tanto por fatores mecânicos como psicológicos.

Nos sistemas uninominais, os partidos com votação concentrada em certos distritos levam vantagem, podendo ser sobrerrepresentados em relação ao seu percentual nacional de votação, enquanto ocorre justamente o oposto com aqueles com votação mais difusa (que em geral é o caso de partidos pequenos ideológicos). Em outro texto, mostrei como a situação seria diferente no Reino Unido se lá se utilizasse um sistema proporcional (www.iuperj.br/publicacoes/forum/greis.pdf). A crítica, obviamente, não é nova: em Considerações sobre o governo representativo, John Stuart Mill, defensor da proporcionalidade, condenou o sistema majoritário uninominal, por ele configurar não só um governo da maioria, e não de todos, como um governo da maioria que pode ser uma minoria. De fato, o sistema uninominal possibilita até mesmo que um partido com menos votos, porém mais concentrados, eleja mais deputados do que outra legenda com mais eleitores; essa aberração já beneficiou uma vez o conservador Winston Churchill e, outra, o trabalhista Harold Wilson, que formaram governos contrários à decisão da maioria do eleitorado.

Os defensores dos sistemas uninominais, no entanto, não são ingênuos quanto à sua desproporcionalidade, mas lançam mão de outros argumentos, que julgam mais importantes. Afirmam freqüentemente que eles permitem maior “identificabilidade” – isto é, que o eleitor tenha maior capacidade de identificar quais são as possibilidades de formação de governo – e maior accountability – ou seja, facilitariam a identificação dos responsáveis pelas políticas, possibilitando que o eleitor os punisse ou recompensasse na eleição seguinte.

É óbvio que, como tende a gerar governos majoritários de partido único, tal sistema facilita tanto a “identificabilidade” como a accountability. A questão é que isso não é uma vantagem, pois só ocorre em função do desrespeito à vontade da maioria do eleitorado, ou, em outras palavras, em função de uma falta de democracia. De nada adianta identificar as opções e querer punir uma candidatura, se a vontade de uma determinada minoria é suficiente para definir sozinha o resultado a eleição.

Vale acrescentar que os sistemas mais proporcionais só têm um problema de “identificabilidade” no parlamentarismo. No presidencialismo, em que Executivo e Legislativo são eleitos separadamente, isso não ocorre, como é o caso do Brasil, onde a disputa claramente se concentra entre a opção liderada pelo PT e a comandada pela aliança do PSDB com o DEM. O problema, portanto, não é do sistema eleitoral e sim do sistema de governo parlamentarista. Shugart e Carey estavam atentos a isso em Presidents and Assemblies.

A accountability, por sua vez, pode ser compreendida não só no nível do governo, mas também no nível do parlamentar individual (que, no caso, seria o nível distrital). No entanto, tal accountability só poderia ocorrer, no máximo, na disputa por verbas para as localidades, a chamada pork-barrel, e não na condução de um projeto nacional coerente para o país. Além desse viés paroquialista, o sistema uninominal também favorece a política clientelista, pois, ao delimitar distritos pequenos, reduz os custos para se conseguir comprar votos de forma eficiente (ou, em outras palavras, para que os votos comprados sejam suficientes para garantir sua eleição).

Além disso, o sistema uninominal de plurality é altamente personalista. Um candidato com força eleitoral local tem – mantidas constantes as demais variáveis – muito mais liberdade do que em um sistema proporcional de lista para trocar de partido sempre que outra legenda lhe oferecer mais vantagens. Não há no first-past-the-post qualquer restrição para o cultivo do voto pessoal, pois as chances de um candidato ser eleito não são aumentadas ou diminuídas conforme se expande ou se reduz a votação do partido somados os outros candidatos a ele filiados (o que ocorre em todos os sistemas proporcionais de lista, inclusive no de lista aberta). É por isso que partidos com votações nacionais expressivas ficam de fora da Câmara dos Comuns britânica enquanto candidaturas independentes asseguram suas cadeiras com menos de 50% dos votos de seu distrito. Nas eleições gerais britânicas de 2005, por exemplo, o candidato independente Dr. Richard Taylor foi eleito para a Câmara dos Comuns com 18.739 votos, menos de 36% da votação do distrito de Wyre Forest, enquanto que quase 606 mil votos do Partido da Independência do Reino Unido (UKIP) foram insuficientes para ajudar a eleger qualquer dos seus 496 candidatos.

Os sistemas “distritais”, portanto, acumulam tantos defeitos que sua defesa só pode ser encarada como uma esdrúxula idiossincrasia: desproporcionalidade, possível derrota do mais votado, alijamento de minorias, personalismo apartidário, paroquialismo e esvaziamento de programas nacionais, e facilidade para o clientelismo. Se britânicos e estadunidenses querem preservar essa tradição arcaica, resta-nos esperar que isso não motive os brasileiros a ir na contramão da evolução democrática.

Guilherme Simões Reis é doutorando em ciência política no IUPERJ, bolsista CNPq.