segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

O velho conflito entre ambiente e pré-disposição genética: um problema de metodologia

Cesare Lombroso (1835-1909), médico italiano, pesquisando um sem número de criminosos já presos afirmou a possibilidade de, apenas observando características externas, o assim chamado fenótipo, determinar-se, com certo grau de certeza, que aquele indivíduo era ou não criminoso. Juntamente com Enrico Ferri e Raffaele Garófalo, com suas diferenças, criou um novo método pseudocientífico para identificar quem era ou não criminoso. Entretanto, eles pecaram: a hipótese já nasceu viciada pelo simples fato de apontar que as variáveis físicas são as que determinavam o cometimento de crime. Émile Durkheim (1858-1917) criador da Sociologia, em seu livro “Regras do Método Sociológico” e em outras passagens de sua obra, tenta demonstrar que o crime e o fenômeno criminoso podem ser explicados por variáveis eminentemente sociais e não por características fenotípicas. Criava-se o primeiro dos muitos atritos entre as Ciências Sociais e as Ciências da Natureza.

Semanas atrás, um grupo de cientistas da UFRGS, principalmente pesquisadores das neurociências (bioquímica, genética, neurologia, psiquiatria entre outros), está tentado iniciar uma pesquisa polêmica: estudar o cérebro e o DNA de adolescentes que cometeram crimes violentos e comparar com adolescentes não desviantes para tentar explicar o que leva ao cometimento do crime. Desde pronto, cientistas sociais, englobados aí psicólogos, sociólogos, juristas, assistentes sociais e pedagogos, protestaram contra a possibilidade de tal pesquisa vingar. Clamaram, via nota de repúdio, que a pesquisa tem caracteres eugênicos e viés segregador. Os neurocientistas reagiram e apontaram “feudalismo” nas ciências sociais.

Acredito que ambos os lados estão reagindo de forma equivocada. Não necessariamente uma pesquisa desse cunho é segregadora ou mesmo eugênica, muito menos nacional-socialista, pois não visa colocar um label, mas tão somente identificar se existe alguma causa cerebral para o cometimento de crimes. Doutro lado, as ciências sociais não podem ser acusadas de feudalismo, pois sempre que possível, abrem espaço para a interdisciplinaridade.

Mas voltado ao assunto principal. O fenômeno criminoso sempre despertou a curiosidade científica tanto das ciências naturais como das ciências sociais. Aqui o cerne da discussão é: quais são as variáveis que, em última instância, determinam o comportamento humano? Se forem genéticas e cerebrais, podem ser estudadas pelas ditas neurociências. Se forem instituições sociais como família, escola entre outras, devem ser estudadas pelas ciências sociais.

A resposta para essa afirmação está no citado livro do precursor das ciências sociais. O fenômeno criminoso, para Durkheim, é um fato social normal. Para ele é impossível existir uma sociedade completamente livre de crimes. O crime ofende necessariamente bens jurídicos protegidos pela sociedade (vida, patrimônio, liberdade sexual) e estes bens são provenientes de sentimentos coletivos perceptíveis e apreendidos somente por instituições sociais como a escola e a família, passados de geração em geração[1].

Ainda, para que pudéssemos acabar com o crime seria necessário incutir indelevelmente dentro de cada consciência individual e com uma força considerável esses sentimentos. Entretanto, ainda assim, isso não erradicaria o crime, tomaria este outra forma, haja vista que a socialização é um fenômeno desigual, variável no grau de absorção quanto de adesão às normas. Sempre existirão pessoas que por apresentar uma socialização diferenciada, cometerão crimes. Ademais, o crime, em uma escala normal e não como presenciamos em nosso país, mostra-se útil, pois cria laços de solidariedade mais amplos entre os indivíduos, deixando a sociedade mais unida em seus valores e tradições, mais coesa. No Brasil, os níveis criminais são considerados anormais, frutos de um controle social perverso.

Desse modo, o ambiente em que a pessoa nasce notadamente a família e a escola são as principais instituições que determinam, em última instância, o comportamento desviado ou não dos indivíduos.

Os estudos das variáveis fisiológicas, assim, não são de grande importância na definição do fenômeno criminoso, uma vez que o que é crime é definido socialmente[2]. Portanto, assim com Lombroso e seus associados, a própria pesquisa já nasce viciada: a hipótese coloca como atores centrais do cometimento de um crime, variáveis fisiológicas. Destarte, um problema no que tange ao método científico adotado. Um estudo como este, assim como no caso do cientista italiano e seu grupo, está fadado ao insucesso.

Para entender a discussão: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2201200802.htm Editorial: “Razão e preconceito”, http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe2101200801.htmPsicólogos tentam impedir pesquisa com homicidas”, http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe2101200802.htmFeudalismo acadêmico nas ciências sociais”, somente para assinantes, e Émile Durkheim, “Regras do Método Sociológico”.


[1] Nesse sentido, a liberdade sexual e outros bens jurídicos individuais protegidos pelo Estado, somente adquirem sentido e extensão plena dentro da época e de determinada sociedade. Para citar um exemplo, a mulher que não quisesse ter relações sexuais com seu marido, poderia ser obrigada a tanto, por ele, pois era um dever matrimonial, para o Código Civil de 1916. Ele não sofreria nenhuma sanção penal e mediante violência ou grave ameaça obrigasse à ter com ele, relação carnal, hoje, considerado como crime de estupro.

[2] Pensemos na legítima defesa, por exemplo – o defensor cometeu um crime, mas por estar amparado por um critério social de exclusão da pena, não será punido.