sábado, 10 de julho de 2010

"A ideia do Brasil como superpotência ainda é especulação", diz Krugman

[Síndico do Edifício São Vito, 1992. Antonio Gaudério. Pirelli/MASP]

Em entrevista exclusiva no Brasil para o 'E&N', economista critica o conceito dos Brics e questiona papel das economias emergentes na recuperação mundial

Nívea Terumi e João Caminoto, do Economia & Negócios

SÃO PAULO - Um dos economistas mais respeitados do mundo, Paul Krugman, colunista do jornal The New York Times, comprou briga com os principais líderes europeus e colegas de profissão. Para o Prêmio Nobel de Economia de 2008, a recuperação da atividade mundial depende da concessão de mais estímulos pelos governos, num movimento contrário às diretrizes dos líderes da União Europeia e assunto ainda em discussão nos Estados Unidos. Expressões como "justiceiros invisíveis do mercado" e "fada da confiança" são algumas das que tem usado para atacar, de forma categórica, os defensores da austeridade fiscal abraçada por vários países europeus, como a Alemanha e o Reino Unido.

Em entrevista exclusiva no Brasil para o site Economia & Negócios, Krugman alertou para o que considera um excesso de otimismo com a emergência do Brasil no cenário mundial: "A ideia do Brasil como uma futura superpotência econômica ainda é muito baseada na especulação sobre suas conquistas. Espero que um dia seja verdade, mas ainda não vejo isso acontecendo." Para ele, a teoria dos Brics - Brasil, Rússia, India e China - é um "conceito pobre" pois é errôneo colocar dentro de um mesmo grupo economias com realidades tão distintas.

O colunista - cujo blog no Times é publicado com exclusividade no Brasil pelo E&N - também questionou o papel creditado aos países emergentes na recuperação global. Krugman vê com pessimismo as chances de a China tomar a liderança do crescimento mundial, assim como não enxerga uma saída para todos os países do euro. "Não vejo a Europa entrando em colapso, vejo mais uma chance de ela perder alguns países periféricos, com saídas plausíveis, como da Grécia."

A seguir, os principais trechos da entrevista.

O senhor acredita que existe um otimismo exagerado com a economia brasileira e outros países emergentes? O conceito dos Brics ainda é válido?

Sempre considerei o conceito dos Brics muito pobre, porque são economias muito díspares. Índia e China talvez possam pertencer a um mesmo grupo, por serem ainda economias com mão de obra muito barata; Rússia é um exportador de petróleo e o Brasil é um país de renda média baixa muito diferente dos outros. O Brasil é uma boa história, que na última década teve um desempenho melhor do que o esperado, conseguiu evitar uma crise severa, promoveu uma série de melhoras no poder de compra da base de sua população diante uma história de disparidade nas rendas, mas não é ainda uma história notável de crescimento. A ideia do Brasil como uma superpotência econômica futura é ainda muito baseada em especulação com suas conquistas recentes. Espero que um dia seja verdade, mas ainda não vejo isso acontecendo. Não vejo indicação hoje no crescimento do Brasil de que ele possa emergir como uma potência da mesma forma que a China.

Qual o papel da China na recuperação do crescimento econômico mundial?

A China é muito problemática, mesmo deixando de lado a questão da moeda, que tem impedido que sua demanda interna ajude o restante do mundo. Mesmo agora, ela não é uma economia tão grande, imaginamos que ela seja pela enorme quantidade de pessoas, mas do ponto de vista da taxa de câmbio - que é o que importa - ela ainda é do tamanho do Japão. Uma maneira que poderia fazer as economias emergentes liderarem a recuperação mundial seria se elas se preparassem para uma entrada massiva de capitais, com elevados déficits nas suas contas correntes. Mas esse não é um cenário real, uma vez que os governos desses países não permitirão que isso aconteça. Olho para o final do século 19, quando os pesados estímulos daquela época permitiram o surgimento de novas tecnologias e aceleraram a demanda. O problema é que o IPad não é grande o suficiente. É difícil prever como esse período de fraca demanda mundial chegará ao fim, e pode haver um longo caminho antes que isso aconteça.

É correta a percepção de que a atual crise nos países da União Europeia seja mais uma crise do euro do que uma crise de dívida soberana?

O euro tem sérios problemas, não é apenas uma crise de dívida. Casos como o da Espanha, que vinha tendo bons resultados nos últimos anos e agora está nessa situação, e mesmo a Grécia, que deve passar por uma fase de forte deflação após muitos anos de entrada massiva de capitais são situações muito difíceis de imaginar uma solução. Está-se diante de uma moeda única numa área que de certa forma nunca estabeleceu critérios para ter uma moeda única.

Como a Europa deve lidar com a sua crise de dívida soberana, como evitar que o euro entre em colapso?

É difícil ver uma saída para a Grécia sem uma reestruturação, e a questão principal para ela não é como irá reestruturar sua dívida, mas como ela vai resolver a questão do euro. Para o restante dos países, políticas não sincronizadas ajudariam muito; o programa de austeridade espanhol tem mais probabilidade de dar certo se toda a Alemanha não estiver também sob um programa de austeridade. Não vejo o euro entrando em colapso, vejo mais uma chance de a zona do euro perder alguns países periféricos, com saídas plausíveis como da Grécia. Ficaria muito surpreso se as economias centrais do euro não permanecessem com a moeda única.

O que poderia ser feito para que o euro seja uma moeda mais viável?

Uma política de meta de inflação mais frouxa, por exemplo, poderia ajudar. Se a zona do euro estabelecesse uma meta de 3% ou 4% seria bem mais fácil de se fazer ajustes nos países problemáticos do que com uma meta de 1% ou 2%, como é agora.

A crise Grega está sendo comparada à crise Argentina em 2001. Isso significa que a Grécia deva deixar o euro? E em relação a outros países em situação semelhante?

Há diversas semelhanças da Grécia com a Argentina. Eu diria que a Argentina se comportou de forma mais responsável, com um déficit substancialmente menor do que tem a Grécia. Mas em ambos os países você tem uma economia que recebeu volumes intensos de entrada de capital ao longo de vários anos e, quando esse capital secou, viu-se com uma grande quantidade de obrigações em sua moeda. No caso da Argentina, ela estabeleceu uma paridade com o dólar e um novo sistema de câmbio. O aconteceu foi que a primeira ação foi enfrentar uma crise bancária, que forçou o governo a fechar os bancos. Não estou dizendo que a Grécia deva abandonar o euro, mas, se houver uma crise bancária, o governo será obrigado a decretar um feriado bancário e a questão que fica é por que se manter no euro. Os argumentos são muito fortes sobre como isso acaba.

Qual a sua opinião sobre o acordo feito pelos líderes do G-20 para diminuírem seus déficits? Seria uma espécie de derrota à economia keynesiana?

Sim. A promessa de reduzir os déficits não foi nada além do que já se planejava. No caso dos Estados Unidos, a meta não é diferente da que já era prevista diante de uma recuperação da economia. Não há dúvidas de que o tom geral desse acordo foi "ok, está na hora da austeridade", e isso é uma coisa muito chocante de se ver, diante de uma recuperação econômica mundial ainda muito distante. Todos sabem que sou furiosamente contra isso, principalmente porque essa virada para a ortodoxia na política econômica mundial ocorreu sem nenhuma evidência clara de que era necessária.

Qual a disposição dos Estados Unidos de realizar acordos de livre-comércio?

Atualmente, não há muita discussão sobre acordos comerciais. Dada a situação política do país, com o presidente Obama tendo de lutar até mesmo por questões triviais e óbvias que devem ser feitas, não há como desperdiçar capital político com acordos comerciais, como a Rodada Doha. Se eu fosse ele, faria o mesmo. Esse é um assunto que não está no topo da agenda da atual gestão ou mesmo da próxima.

Há algum substituto para o dólar como principal moeda de reserva?

Uma moeda de reserva de valor não é algo que possa ser estabelecido por uma decisão política. Os países não guardam dólares ou euros porque alguém tenha ordenado; eles o fazem porque essas moedas são aparentemente mais seguras e altamente líquidas e esse é o problema principal do SDR (moeda composta por uma cesta de moedas do Fundo Monetário Internacional). O que poderia substituir o dólar teria de ser algo comprovadamente melhor desse ponto de vista. A única alternativa possível seria o euro, e há dois ou três anos eu imaginava que ele alcançaria uma parcela maior das reservas mundiais em relação ao dólar, mas acho que o euro deu um grande passo atrás, com todos os problemas atuais.

Há a possibilidade de um duplo mergulho na economia mundial com as medidas de austeridade tomadas na Europa?

Acredito que seja ainda uma possibilidade, mas não a mais provável. Você não vê um PIB em queda. Acho que um problema maior é que fizemos um progresso muito frágil na diminuição do desemprego nos Estados Unidos. Então um mergulho duplo propriamente dito, acredito que não; recuperação do desemprego, provavelmente sim, e é isso que me preocupa.

Fonte: O Estado de S.Paulo

segunda-feira, 5 de julho de 2010

PT tira com uma mão e devolve com a outra

[Homem com Peixe, c. 1945
Marcel Gautherot.
Pirelli/MASP]

Maria Inês Nassif
Jornal Valor Econômico 
24-06-2010

A formação de alianças nos Estados que obedeçam a lógica da disputa federal para a Presidência da República é um tropeço, mesmo para partidos como o PT, onde a última palavra tradicionalmente é a do colegiado nacional. Aliás, principalmente para o PT. E aliás, especialmente em Estados com péssima distribuição de renda; em locais com elites resistentes à modernização econômica e política e pouco propensas a reduzir a prática de lucrar com a pobreza, política e financeiramente, e abrir mão do que ganham com o domínio da máquina de governo local. Por isso o caso da aliança entre PT e PMDB no Maranhão foi tão injustamente desfavorável aos anti-sarneyzistas.

Conflito resolvido a meia-boca, a aliança entre o PT e o PMDB do Maranhão, para apoio à reeleição da governadora Roseana Sarney, é apenas a metade da missa. Rezada por inteiro, até o desfecho "ide em paz e o senhor vos acompanhe", a imposição é a reprodução, internamente, de um conflito com poderosos que no Maranhão data de sempre e desde os anos 50 tem um perdedor certo: quem está do lado oposto à família ao do atual presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). São vitórias eleitorais cujos ingredientes são a manipulação do eleitor pobre, a interdição de movimentos populares e uma inacreditável manutenção da miséria como exército de reserva eterno, imutável, que mantém o Maranhão como Estado pobre cujo produto de exportação mais importante é mão de obra não qualificada para o Pará, Estado que está longe de ser desenvolvido.

Para entender a dramaticidade dessa situação - que é o retrato da política tradicional dos rincões do país -, é preciso repassar a história da própria formação do PT nessas regiões. Na regiões Norte e Nordeste, a base petista foi, antes de tudo, formada nas comissões de base da Igreja católica progressista; nas pastorais que, durante a ditadura, davam algum abrigo à ameaçada mobilização sindical ou por reforma agrária; e pelos movimentos sociais. Essa é uma regra no país inteiro, mas o fato é que, quando mais pobre o Estado, menos chances de autonomia da luta política desses contingentes na política, na vida sindical e em movimentos sociais. Os abrigos naturais são os movimentos sociais e as bases da Igreja. Isto está longe, contudo, de ser uma realidade em que bolsões de miséria, munidos de consciência política e abrigados pela Igreja e por movimentos mais aguerridos, como o MST, lutam heroicamente contra coronéis e seus prepostos. Essa é uma realidade onde a elite manipula, persegue e controla boa parte da população - e ganha eleição com esse voto - e grupos de oposição, vinculados a bolsões de resistência popular, tentam vencer a barreira do domínio político pela exploração da fome e da miséria por essas elites.

A luta institucional, via PT, ainda exerce alguma proteção contra uma política tradicional que manipula Executivo, Legislativo e o Judiciário. Quando a orientação política da direção nacional era a de evitar alianças com os setores locais dominantes - o partido sempre se aliou a pequenos partidos de esquerda -, foram dos movimentos sociais e das bases da igreja progressista que emergiram candidatos para as listas partidárias do PT; e foram de lá que se elegeram representantes dos quais se exige estrita vinculação às sérias exigências de políticos protegidos pelo mandato para representar uma população que não está protegida - nem de governantes, nem de jagunços, nem de grileiros.

Nos Estados do Norte e do Nordeste, a "institucionalização" do PT, isto é, o grau de autonomia que seus representantes ganharam em relação a essas bases muito pobres, varia de acordo com o progresso de cada um desses Estados. O partido não foi de todo institucionalizado em comunidades muito pobres. Mas, mesmo nos lugares onde prevaleceu o poder tradicional, tipo o da família Sarney, ao longo da última década, os avanços conseguidos em função do Bolsa Família reduziu estupidamente a influência dos políticos tradicionais sobre as famílias pobres. O favor político foi substituído pelo cartão do Bolsa Família, que o banco resolve, sem a intermediação do dono da política local.

As exigências da direção nacional do PT, de coligação com o PMDB em Estados que ainda amargam condições de extrema pobreza, baixa escolaridade, economias altamente dependentes de donos do poder etc, bagunçam essa lógica. Se a desintermediação é feita via programas sociais de transferência de renda, e tira com uma mão o poder que o coronel tem via máquina de governo, devolve com a outra mão, quando, se não tira totalmente a autonomia desses setores contra os chefes locais, neutraliza o poder de ofensiva deles, ao dar apoio, no Estado, ao candidato que representa a elite que mantém a miséria.