quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Participação feminina no Congresso: Brasil vs. Argentina

[Aeroporto, 1951. German Lorca.
Pirelli/MASP]


4o. Boletim sobre a participação feminina no Congresso - NECON/IUPERJ

Claudia Teixeira dos Santos
Joana Emmerick Seabra

"[...] De acordo com os dados da IPU, atualizados em setembro de 2009, a média de mulheres nos congressos do mundo era de apenas 18,5%, sendo essa média uma combinação de ambas as casas. Nas câmaras baixa (ou única em alguns casos), essa porcentagem é de 18,7%, enquanto na câmara alta é de 17.5%. A Argentina está entre os 10 primeiros países com mais representatividade de mulheres no Congresso, o país ocupa o sexto lugar (segundo dados de setembro de 2009), com 41,6% de mulheres em sua Câmara dos Deputados e 37.5% no Senado (dados correspondentes a eleição de junho de 2009).

Os países vizinhos na América do Sul não apresentam bons resultados. E, mesmo não alcançando o percentual mínimo proposto na reunião da ONU, tanto Peru, quanto Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai estão a frente do Brasil quanto ao percentual de representação feminina em seus respectivos Congressos (olhar tabela I). O Brasil, por sua vez, ocupa a 107ª posição com apenas 9% de mulheres na Câmara dos Deputados e 12.3% no Senado.
[...]
A Argentina foi o primeiro país do mundo a adotar uma cota mínima para candidatura de mulheres por meio de uma reforma da Legislação Eleitoral, com a “Ley de Cupo Femenina – 24.012”, em 1991. Esta lei acorda que todos os partidos políticos são obrigados a incorporar um mínimo de 30% de mulheres em suas listas eleitorais para os cargos eletivos e com possibilidade de serem eleitas. Essa lei foi, a princípio, apenas para o cargo de deputado federal, já que a eleição para senadores era feita de maneira indireta; apenas em 2001, quando esta eleição passou a ser direta, a Lei de Cota Feminina também foi aplicada para a eleição de senadores.

No Brasil, a Lei de Cotas estabelecia uma cota mínima de 20% apenas para as eleições municipais já no ano de 1995. Foi apenas em 1997 que se estabeleceu uma cota de gênero para todos os cargos eletivos de forma proporcional (Câmara Federal dos Deputados, Câmara Legislativa do Distrito Federal, Assembléias Legislativas Estaduais e as Câmaras Municipais). Essa lei (Lei 9.504, Art.10, inciso 3) obriga que cada partido político ou coalizão reserve um mínimo de 30% e um máximo de 70% para a candidatura de cada sexo.

Como foi possível observar, em ambos os países os resultados obtidos mediante a adoção de algum tipo de cota diferem altamente quanto à sua eficácia. As diferenças apontam para o fato de que a cota é uma questão muito complexa, e seus resultados não se estabelecem automaticamente após a sua adoção. Estudos vêm mostrando que os sistemas de representação proporcional são mais favoráveis as cotas que os mistos e os majoritários (Barreiro et al., 2004; Matland, 2004). O tipo de lista também seria um fator importante, quando as cotas são aplicadas em listas fechadas é provável que seja mais bem sucedida que em eleições em listas abertas. Isto porque nas listas fechadas, que é o caso da Argentina, o eleitor vota na lista completa e pré-ordenada5 do partido (de acordo com a prioridade de eleição) e não há possibilidade de mudança. Enquanto nas listas abertas, que é o caso do Brasil, o eleitor escolhe um candidato de acordo com a sua preferência, baseada em listas sem ordenamento hierárquico apresentadas pelos partidos. Nesse sentido, podemos apontar que a percepção sobre a eficácia das cotas depende de diversos fatores, tais como o sistema eleitoral, a redação das normas, o tamanho do distrito, a pressão de atores ou grupos internos, a organização interna dos partidos, mas também dos próprios níveis de análise utilizados. [...]"

Para ler o boletim completo, clique aqui.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

II Workshop do Nusp


[m. rothko]

O evento acontecerá nos dias 1, 2 e 3 de dezembro de 2009 na Universidade Federal do Paraná (Campus Reitoria, edifício D. Pedro I – Curitiba, PR). Os anais do evento serão publicados em versão on line no site www.nusp.ufpr.br e serão emitidos certificados para os participantes e ouvintes.

A grade com a programação pode ser baixada aqui ou acessada no www.nusp.ufpr.br

domingo, 8 de novembro de 2009

Por que o sistema eleitoral uninominal é péssimo para a democracia

[Oklahoma Politics, 1950.
Joe Scherschel. Life]


Guilherme Simões Reis
, para o blog

O termo “sistema majoritário” pode se referir a dois tipos de sistemas eleitorais baseados em distintas regras da maioria, chamadas pela literatura internacional de ciência política, em inglês, de plurality e de majority. A primeira se refere à vitória daquele mais votado do que cada um dos concorrentes, enquanto que a segunda se refere à maioria com mais de 50% dos votos, podendo-se necessitar de um segundo turno para que tal percentual seja alcançado.

Ambos são sistemas uninominais (single-member districts), isto é, de magnitude igual a 1, em que o país é dividido em vários distritos nos quais apenas o candidato mais votado de cada é eleito para o parlamento. Por isso eles são popularmente chamados de “sistemas distritais”. O sistema eleitoral uninominal baseado na plurality utilizado na votação para parlamentos, o first-past-the-post, é particularmente difundido nos países de tradição britânica, inclusive nos Estados Unidos. Nele, um candidato pode ser eleito com muito menos do que a metade dos votos do seu distrito. Apenas a França e o Mali utilizam o sistema de dois turnos para as eleições legislativas nacionais, elegendo assim apenas candidatos com mais da metade dos votos (regra da “majority”).

O objetivo dos sistemas majoritários é dar a vitória, em cada distrito, àquele que representar um dos dois tipos de maioria. É bem diferente, portanto, dos sistemas proporcionais, que visam à representação das diferentes correntes de opinião da sociedade. Estes podem ser de dois tipos principais: os de lista e o de voto único transferível (single transferable vote – STV). O STV, por meio de um complexo mecanismo, permite que os eleitores ordenem vários candidatos de acordo com sua preferência, elegendo aqueles que não apenas sejam os preferidos como tenham menor rejeição. Já os sistemas de lista – que pode ser fechada, aberta ou flexível – distribuem as cadeiras pelos partidos de acordo com a proporção dos votos que eles receberam.

O sistema uninominal não foi obra de nenhuma engenharia institucional. Ele surgiu espontaneamente na Inglaterra, na Idade Média, e se tornou norma no final do século XIX. Ele se apresentava, então, como um progresso em comparação com a não-escolha dos representantes. Entretanto, a sua utilização hoje, após a criação de sistemas de representação proporcional, é um anacronismo eleitoral. O arcaico first-past-the-post viola tanto o princípio da igualdade como o da maioria. O sistema de dois turnos atende ao princípio da maioria, sendo, por isso, justificável ao menos sob algum aspecto, mas tem resultados ainda mais desproporcionais do que o de turno único quando utilizado para eleições legislativas.

Apesar disso, o sistema uninominal é exaltado, ao som do mantra da governabilidade, pela facilidade de construir maiorias, por tender a reduzir o número de partidos parlamentares e por ampliar a possibilidade de uma única organização partidária poder formar sozinha um governo majoritário, o que facilita a aprovação dos projetos do Executivo. O problema é que isso se dá às custas de o resultado não corresponder à vontade do eleitorado nacional e de excluir minorias, ao se reduzirem as opções dos eleitores forçando-os a votarem estrategicamente. Desse modo, a democracia é restringida tanto por fatores mecânicos como psicológicos.

Nos sistemas uninominais, os partidos com votação concentrada em certos distritos levam vantagem, podendo ser sobrerrepresentados em relação ao seu percentual nacional de votação, enquanto ocorre justamente o oposto com aqueles com votação mais difusa (que em geral é o caso de partidos pequenos ideológicos). Em outro texto, mostrei como a situação seria diferente no Reino Unido se lá se utilizasse um sistema proporcional (www.iuperj.br/publicacoes/forum/greis.pdf). A crítica, obviamente, não é nova: em Considerações sobre o governo representativo, John Stuart Mill, defensor da proporcionalidade, condenou o sistema majoritário uninominal, por ele configurar não só um governo da maioria, e não de todos, como um governo da maioria que pode ser uma minoria. De fato, o sistema uninominal possibilita até mesmo que um partido com menos votos, porém mais concentrados, eleja mais deputados do que outra legenda com mais eleitores; essa aberração já beneficiou uma vez o conservador Winston Churchill e, outra, o trabalhista Harold Wilson, que formaram governos contrários à decisão da maioria do eleitorado.

Os defensores dos sistemas uninominais, no entanto, não são ingênuos quanto à sua desproporcionalidade, mas lançam mão de outros argumentos, que julgam mais importantes. Afirmam freqüentemente que eles permitem maior “identificabilidade” – isto é, que o eleitor tenha maior capacidade de identificar quais são as possibilidades de formação de governo – e maior accountability – ou seja, facilitariam a identificação dos responsáveis pelas políticas, possibilitando que o eleitor os punisse ou recompensasse na eleição seguinte.

É óbvio que, como tende a gerar governos majoritários de partido único, tal sistema facilita tanto a “identificabilidade” como a accountability. A questão é que isso não é uma vantagem, pois só ocorre em função do desrespeito à vontade da maioria do eleitorado, ou, em outras palavras, em função de uma falta de democracia. De nada adianta identificar as opções e querer punir uma candidatura, se a vontade de uma determinada minoria é suficiente para definir sozinha o resultado a eleição.

Vale acrescentar que os sistemas mais proporcionais só têm um problema de “identificabilidade” no parlamentarismo. No presidencialismo, em que Executivo e Legislativo são eleitos separadamente, isso não ocorre, como é o caso do Brasil, onde a disputa claramente se concentra entre a opção liderada pelo PT e a comandada pela aliança do PSDB com o DEM. O problema, portanto, não é do sistema eleitoral e sim do sistema de governo parlamentarista. Shugart e Carey estavam atentos a isso em Presidents and Assemblies.

A accountability, por sua vez, pode ser compreendida não só no nível do governo, mas também no nível do parlamentar individual (que, no caso, seria o nível distrital). No entanto, tal accountability só poderia ocorrer, no máximo, na disputa por verbas para as localidades, a chamada pork-barrel, e não na condução de um projeto nacional coerente para o país. Além desse viés paroquialista, o sistema uninominal também favorece a política clientelista, pois, ao delimitar distritos pequenos, reduz os custos para se conseguir comprar votos de forma eficiente (ou, em outras palavras, para que os votos comprados sejam suficientes para garantir sua eleição).

Além disso, o sistema uninominal de plurality é altamente personalista. Um candidato com força eleitoral local tem – mantidas constantes as demais variáveis – muito mais liberdade do que em um sistema proporcional de lista para trocar de partido sempre que outra legenda lhe oferecer mais vantagens. Não há no first-past-the-post qualquer restrição para o cultivo do voto pessoal, pois as chances de um candidato ser eleito não são aumentadas ou diminuídas conforme se expande ou se reduz a votação do partido somados os outros candidatos a ele filiados (o que ocorre em todos os sistemas proporcionais de lista, inclusive no de lista aberta). É por isso que partidos com votações nacionais expressivas ficam de fora da Câmara dos Comuns britânica enquanto candidaturas independentes asseguram suas cadeiras com menos de 50% dos votos de seu distrito. Nas eleições gerais britânicas de 2005, por exemplo, o candidato independente Dr. Richard Taylor foi eleito para a Câmara dos Comuns com 18.739 votos, menos de 36% da votação do distrito de Wyre Forest, enquanto que quase 606 mil votos do Partido da Independência do Reino Unido (UKIP) foram insuficientes para ajudar a eleger qualquer dos seus 496 candidatos.

Os sistemas “distritais”, portanto, acumulam tantos defeitos que sua defesa só pode ser encarada como uma esdrúxula idiossincrasia: desproporcionalidade, possível derrota do mais votado, alijamento de minorias, personalismo apartidário, paroquialismo e esvaziamento de programas nacionais, e facilidade para o clientelismo. Se britânicos e estadunidenses querem preservar essa tradição arcaica, resta-nos esperar que isso não motive os brasileiros a ir na contramão da evolução democrática.

Guilherme Simões Reis é doutorando em ciência política no IUPERJ, bolsista CNPq.

sábado, 31 de outubro de 2009

Um eleitorado mais exigente

[Série Vulgo, Whip, 1999.
Rosangela Rennó.
Pirelli/MASP]


Maria Inês Nassif

Valor Econômico, 29 out. 2009

Em 2006, a política eleitoral foi marcada pelo fenômeno de descolamento do voto dos humores da classe média urbana que, ao longo da história da República, funcionou como uma caixa de ressonância das elites econômicas.

A ascensão ao mercado de consumo de uma grande parcela de excluídos, por meio do Bolsa Família, produziu uma autonomia do voto dos menos favorecidos em relação ao poder econômico e reduziu o papel de formadores de opinião das classes médias.

De lá para cá, as políticas de valorização do salário mínimo adicionaram um outro componente social à realidade política: o ingresso nas classes médias de cidadãos originários da base da pirâmide que já estavam no mercado de consumo, mas que tinham acesso limitado a bens e mercadorias.

Foram, portanto, dois dados importantes de mobilidade social distintos, cada um deles com poder de repercussão em uma eleição diferente.

Nas eleições de 2006, o dado social predominante foi o ingresso ao mercado de consumo de grande parcela da população.
Nas eleições de 2010, terá forte influência sobre o pleito a ascensão à classe média de grandes contingentes das camadas populares.

Nos últimos sete anos, o país passou de uma situação de reduzidas classes médias e alta e amplas camadas na base da pirâmide - com forte concentração, nessas últimas, de famílias com baixíssima ou nenhuma renda.

Quase às vésperas das eleições de 2006, as estatísticas começaram a acusar um forte efeito de desconcentração de renda do programa Bolsa Família, que atingia então os situados no último degrau da pirâmide de renda.

Esse dado apenas tornou-se visível no auge do chamado Escândalo do Mensalão e o mundo institucional custou a entender que algo acontecia de diferente no universo social.

A política foi sacudida por traumas intensos, cujo epicentro era o Congresso Nacional - em especial uma CPI que alimentava grandes cenas midiáticas que em algum momento chegaram a consolidar, entre letrados, a idéia de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva era tão destituído de sustentação política que caminhava para um impeachment, ou uma renúncia.

Foram quase simultâneas as divulgações das pesquisas de opinião que acusavam um constante aumento de popularidade de Lula, em plena crise, e a divulgação de indicadores que comprovavam um efeito grande de mobilidade do Bolsa Família.

Os fenômenos foram tão vinculados que foram necessárias várias pesquisas de opinião acusando aumento da popularidade de Lula para que a oposição se convencesse que o presidente não apenas estava no páreo, como era o franco favorito na disputa pela reeleição.

O aumento da classe média brasileira no período seguinte é um dado ainda de difícil avaliação, que precisará ser devidamente considerado nas definições de estratégias de campanha de todos os candidatos às eleições presidenciais.

O fato de os dois fenômenos terem acontecido num período governado por um único partido, e não ter ocorrido até o momento - nem no período de crise - um forte refluxo das condições objetivas de consumo desses setores, pode indicar que a candidata governista entra no mercado eleitoral como depositária de um legado.

O conservadorismo da classe média, no caso dos ascendentes no governo Lula, tende a favorecer a candidata - o status quo agora é o PT, ao contrário de 2002.

De outro lado, a ascensão à sociedade de consumo significa também acesso a bens de consumo ideológicos que mantinham esses setores à margem até agora.

A informação, o acesso a tecnologias por onde elas transitam rapidamente e a exposição a diversas outras mídias expõem esses setores emergentes a conteúdos dos quais foram marginalizados enquanto estavam excluídos dessas tecnologias - e cuja inclusão não era alguma coisa que estava na agenda das elites políticas, que partiam do pressuposto, no jogo eleitoral, de que essas camadas eram cooptáveis via movimentos de emocionalização de uma classe média mais conservadora.

Outro fator que pode contribuir para isso é o aumento progressivo de escolaridade, que caminha de forma constante desde os governos Fernando Henrique Cardoso. Os ganhos de distribuição de renda podem acelerar o processo de aumento de anos de estudo da população.

Num contexto de maior escolaridade e maior renda, portanto, imagina-se que mudem também os critérios de escolha do voto.

O julgamento do eleitor tende a passar por crivos que superem o simples ganho de renda - esse é um ganho passado e entram no cenário expectativas de ascensão social diferentes.

Nesse contexto, pode adquirir importância grande a adesão a candidatos de setores da mídia convencional e não convencional - veiculada pela internet - e ganham peso maior os programas de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão. Esse é um elemento novo no processo eleitoral.

Dificilmente se volte a uma realidade onde as classes médias representem simplesmente uma caixa de ressonância das elites econômicas mas não necessariamente esse eleitorado tenderá à esquerda por ter ascendido no governo Lula.

O dado concreto, no momento, é que esse eleitorado obrigará uma campanha eleitoral que agregue mais informações e argumentos eleitorais mais convincentes.

*Maria Inês Nassif é repórter especial de política. Escreve às quintas feiras.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Estudo mostra que política pública reduz pouco pobreza

Valor Econômico, 26/10/2009, p.A4
por Arnaldo Galvão
Norte e nordeste ainda têm situação preocupante
As políticas públicas de redução da pobreza e da desigualdade estão na direção correta, mas a força delas é insuficiente para resgatar as regiões mais pobres do país, especialmente Nordeste e Norte. Essa é a principal conclusão de um trabalho do Laboratório de Estudos da Pobreza (LEP) da Universidade Federal do Ceará (UFC) sobre o que ocorreu nos 27 Estados e no Distrito Federal, de 2006 a 2008.
O economista e professor Flávio Ataliba Barreto, coordenador da pesquisa, explica que foram usados dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE, com informações de renda, desigualdade e pobreza. O bem-estar foi apurado a partir do índice elaborado pelo economista indiano Nanak Kakwani, que mede o crescimento da renda das camadas mais pobres da população. Barreto comenta que, apesar da queda da desigualdade, movimento que vem sendo verificado desde 2001, o Nordeste continua muito atrasado, com renda baixa e desigualdade alta. Ele lamenta que, nessa região, as políticas públicas não conseguiram reverter a situação "preocupante" mantida pelo baixo nível educacional. Na interpretação do professor da UFC, falta perspectiva para esse grupo de nove Estados que têm 28% da população brasileira, mas concentram 49% dos pobres. "Não há muito a comemorar no Nordeste. A região tem grande população, mas ainda é bastante dependente das transferências de renda", conclui.
De 2006 a 2008, o que ocorreu com os dois Estados com a maior proporção de pobres na população - Alagoas e Maranhão - é exemplo dessa falta de perspectiva. Os dois deram saltos, mas, como a base de comparação é muito baixa, o movimento não significa muito para as pessoas. O índice de Kakwani mostra que Alagoas ficou em sétimo lugar na lista do crescimento da renda favorável aos mais pobres, mas isso foi insuficiente para tirá-lo do incômodo topo no rol das unidades da federação que têm mais pobres na população. Alagoas tinha 65,27% da população na faixa da pobreza em 2006, o que significa renda familiar per capita de até meio salário mínimo. Em 2008, essa parcela recuou para 56,36%.
A situação do Maranhão também evoluiu positivamente quando é medida a evolução da renda dos mais pobres. O Estado, de 2006 a 2008, ficou no honroso sexto lugar nessa classificação, mas continuou em segundo lugar no "ranking" dos que têm mais pobres na população. Em 2006, eram 63,61% com renda familiar per capita de até dois salários mínimo e recuaram para 54,19% dois anos depois.
Os números da proporção de pobres na população revelam que todos os Estados e o Distrito Federal reduziram o número de pessoas que têm até meio salário mínimo como renda per capita familiar. De 2006 a 2008, o melhor desempenho é do Paraná. O Estado tinha 25,19% nessa situação e passou a ter 18,12%. Goiás aparece logo depois porque reduziu essa parcela da população de 30,87% para 22,20%. Em terceiro lugar está Mato Grosso, com queda de 33,10% para 24,18%.
As reduções mais tímidas da proporção de pobres na população, nesses dois anos, foram de Roraima (42,64% para 37,62%), Amazonas (47,36% para 41,88%) e Paraíba (53,98% para 48,98%). Barreto informa que, na análise do LEP, o cenário que apresenta a melhor síntese é a comparação, entre os Estados, dos respectivos índices de bem-estar de Kakwani. Segundo ele, dessa maneira é possível medir se a renda dos mais pobres aumentou. A fórmula desse índice de Kakwani considera variações da renda geral com o movimento verificado na renda das camadas mais pobres da população. Entre 2006 e 2008, Rondônia foi o único Estado que teve contração da renda geral, mas, apesar disso, houve aumento de 18,91% da renda dos mais pobres. Em quatro unidades - Distrito Federal, Mato Grosso, Paraíba e Tocantins - foi registrada expansão da renda geral nesse período, mas acompanhada de aumento da desigualdade.
O trabalho mostra que os demais 22 Estados tiveram, de 2006 a 2008, expansão da renda geral com perfil favorável à elevação da renda dos mais pobres. Os melhores desempenhos de crescimento da renda dos mais pobres, sob a ótica do índice de Kakwani, foram de Rondônia, Roraima, Acre, São Paulo e Amapá. O índice de bem-estar de Amartya Sen considera as variações da renda e da desigualdade, mas, na opinião de Barreto, falha ao omitir se os ricos perderam renda ou se os pobres foram beneficiados.
Isolando a variação da desigualdade nas 27 unidades da federação, o LEP verificou que, de 2006 a 2008, a situação deteriorou-se em Tocantins, Paraíba, Mato Grosso, Goiás e Distrito Federal. O coordenador do estudo revela que está sendo preparada uma análise mais profunda das causas da redução da desigualdade no Brasil. Os primeiros sinais apontam para o aumento do salário mínimo no Sudeste e os benefícios previdenciários e transferência de renda no Nordeste.
Outra boa notícia, segundo Barreto, foi a redução do número absoluto de pobres em todos 26 Estados e no Distrito Federal. De 2006 a 2008, a maior diminuição, 26,68%, foi no Paraná. Em segundo lugar, veio Goiás com 25,89%. O terceiro melhor desempenho foi do Mato Grosso, com queda de 24,41% do número absoluto de pobres. Na outra ponta da lista, as reduções mais modestas foram em Roraima (7,44%), Paraíba (7,63%) e Amazonas (8,33%).

domingo, 25 de outubro de 2009

Notas sobre como analisar a taxação de capital especulativo


Por Lucas Massimo
25/10/2009

A oposição essência versus aparência no conjunto da obra de Karl Marx é freqüentemente tomada como uma oposição do tipo verdadeiro versus falso: o que acontece no mundo sensorial, aparente é um falseamento do que acontece no plano do concreto, do real. Certamente, não é assim que Marx lidava com a mesma idéia – e note-se, essa afirmação não está fundamentada numa inferência psicanalítica, sobre como o cara pensava, não, isso está no 18 Brumário, basta ler: a oposição essência x aparência reporta-nos a um teatro, onde o que aparece é o que esta no palco (o proscênio), e a essência é aquilo que, pensando de forma rigorosa, NÃO APARECE, ou seja, é o que fica nos bastidores. Quem quiser entender o binômio de essência x aparência como sinônimo de falseamento, como VxF, deve ler a crítica de Cícero Araujo a Armando Boito Junior que foi publicada aqui (clique); quem quiser se familiarizar com a oposição essência x aparência sem a idéia de falseamento, deve ler o artigo do Adriano Codato que foi publicado aqui (clique).
Tanto um como outro não são acessíveis para quem não é cientista.
Eu puxei esse ponto para mostrar como se deve entender a decisão do ministério da fazenda em taxar a entrada de capital especulativo que passou a vigorar essa semana. Durante os anos 90 um consenso religioso orientou o debate acerca do controle a taxação dos movimentos dos fluxos de capitais pelo mundo. Segundo o fulcro desse argumento, a taxação não pode ser sequer cogitada porque ela não faz sentido quando se acredita na preponderância do mercado como mecanismo para distribuição dos recursos entre os agentes: ao taxar os fluxos de capital, o aparelho estatal põe o dedo numa seara que não lhe é particular, ele modifica as condições do cálculo racional que permite aos atores maximizarem suas utilidades individuais, e ao fazê-lo promovem o bem da sociedade burguesa em geral.
Mas o que o primeiro parágrafo tem a ver com o terceiro? É muito simples: sem a noção de essência x aparência como palco x bastidores não se compreende a relação articulada entre a regulação política e a clivagem de interesses econômicos; o motivo deste post é afirmar que essa decisão significa um balanço, um tremor na hegemonia que o capital financeiro exerce sobre o capital industrial no capitalismo periférico que se pratica no Brasil. Rendendo-me a pretensão de explicar tudo sobre tudo e de maneira organizada, permito-me indicar minhas referências: Florestan Fernandes, Celso Furtado, Chico de Oliveira e João Manuel Cardoso de Mello para entender a situação periférica, Armando Boito Junior, Nicos Poulantzas e escola da regulação para entender o predomínio da finança, e Adriano Codato para entender essa versão do binômio essência versus aparência no 18 Brumário.
Ao taxar a entrada de capital especulativo o governo acena que sua convicção quanto à capacidade do mercado em produzir utilidade coletiva não é mais tão solida; essa IDÉIA é imprescindível no conjunto de circunstancias que sustentam a prevalência do capital financeiro em nível global. Tal prevalência não aparece na conjuntura que redundou decisão do ministério da fazenda brasileiro, mas isso não significa que a estrutura foi alheia a ela.
Eu enfatizei algumas conseqüências dessa decisão do ponto de vista ideológico, mas acho que é importante frisar que as conseqüências no plano da economia – é bastante razoável pensar em uma queda na cotação do dólar, o que azeita a competitividade dos jatinhos da Embraer – são muito mais abrangentes, tanto como o são as conseqüências políticas da decisão – o chairman do IMF já fez valer um comentário a respeito da política brasileira. Num plano ou noutro, temos uma importante distinção face ao fundamentalismo com o qual a ekipekonômica do governo FHC lidava com a questão. Mas essa é outra história, e ficará para outro post.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Quase metade das parlamentares está solteira

[Pernas, 1970. German Lorca. Pirelli / MASP]

congresso em foco

20 Out. 2009

Ao todo, 42% das congressistas entrevistadas declararam não estar casadas. Entre os parlamentares, esse índice é de apenas 16%, diz pesquisa.



Fábio Góis

A pesquisa do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea) mostra uma significativa diferença entre o estado civil dos parlamentares e das parlamentares: 84% dos congressistas ouvidos declararam ser casados ou viverem em união estável, enquanto 58% das congressistas disseram viver com companheiros.

O índice de solteiros, separados ou divorciados entre eles é de 16%, enquanto entre elas chega a 42%. O percentual de parlamentares consultados sem filhos é de 5% entre os homens, e de 22% entre as mulheres.

“O que temos percebido com a literatura especializada do gênero é que muitas mulheres, para galgarem postos de trabalho e também na política, precisam abrir mão de tarefas e identidades domésticas, embora muitas apreciassem manter essa faceta em seus cotidianos, ou têm de contar com outras mulheres para tomar conta de seus filhos, casas e famílias”, afirma a assessora para as áreas de trabalho, Previdência e poder e política do Cfemea, Patricia Rangel, uma das autoras do estudo.

“Isso é a expressão clara de que as mulheres têm duas jornadas de trabalho, enquanto o homem só tem uma jornada. Geralmente, quando elas se dedicam à vida político-partidária, têm a vida conjugal prejudicada. Existe uma divisão sexual do trabalho”, arremata Patrícia, para quem as bandeiras do movimento feminista em relação à reforma política (como o percentual de vagas de candidatura para cada sexo e as punições para o descumprimento, como define a Lei 9504, de 1997), “se fossem materializadas, as mulheres participariam mais”.

O Brasil é o penúltimo país da América do Sul em participação feminina no Legislativo, à frente apenas da Colômbia. Na Argentina, as mulheres ocupam 40% dos assentos no Congresso. As parlamentares brasileiras ocupam atualmente apenas 44 cadeiras na Câmara e nove no Senado brasileiro, o que corresponde a 8,9% do total das vagas do Parlamento.

Patrícia Rangel disse ao Congresso em Foco que os dados do estudo mostram “algumas questões óbvias”, como o fato de que são as parlamentares que desejam ver a mulher cada vez mais em cargos e funções de destaque na política, em número muito maior do que os homens com o mesmo pensamento. “Quem quer mais mulheres na política e no poder são as próprias mulheres”, observa.

No texto introdutório sobre as características gerais dos entrevistados, a consultora Eneida Vinhaes diz que tal desconhecimento provoca o “receio de nos depararmos, no Congresso Nacional, com a ausência de interesse e da compreensão da necessidade de direitos específicos para as mulheres”, e que a atual legislatura “não pensa de forma suficiente, qualificada e apropriada sobre a defesa de direitos para as mulheres”.

Eles pouco sabem sobre elas

De acordo com o estudo, os homens com mandato no Congresso pouco sabem sobre os temas relacionados às mulheres. Dos 321 entrevistados, a maioria masculina (61%) desconhece o II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, instituído pelo Decreto Presidencial nº 6.387, publicado em 6 de março de 2008 no Diário Oficial da União. O plano inclui metas, prioridades e 199 ações definidas pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, a partir da I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, realizada em julho de 2004.

A maioria dos entrevistados (57%) respondeu não conhecer o plano. Dos 43% que disseram conhecer ou ter ouvido a respeito, apenas 34% participaram de sua elaboração por meio de conferências estaduais, municipais ou nacionais. Em números absolutos, diz o Cfemea, isso significa que, dos 321 parlamentares consultados, 137 conhecem plano, dos quais apenas 48 participaram da sua construção.

Reunindo-se dados de sexo, cor, crença religiosa e composição familiar, o Cfemea chegou à conclusão de que o Parlamento brasileiro é composto, majoritariamente, de homens brancos, casados, com filhos e católicos. Para a entidade, esses dados apenas reforçam o descaso dos políticos brasileiros com a inclusão da mulher na participação político-partidária.

“Pelos resultados da pesquisa, os parlamentares conhecem pouco não só a coletividade feminina (e, talvez pelo desconhecimento, se interessem pouco por ela) e os planos destinados a elas, mas também as organizações dedicadas aos seus direitos: mais da metade (57%) nunca ouviu falar do Cfemea”, diz Patrícia Rangel, no capítulo intitulado O que as mulheres pensam sobre as mulheres na política?.

Segundo Patrícia, os parlamentares da atual legislatura “parecem dispostos a perpetuar a sub-representação parlamentar feminina”. Os números do estudo a respeito da reforma política almejada pelas entidades femininas, diz a assessora, comprovam isso: 60% dos entrevistados discordam da punição para partidos que não alcançarem o mínimo de 30% de candidaturas femininas; 60% concordam em destinar parte dos fundos partidários e do tempo de propaganda para promover a participação política das mulheres; 72% discordam em adotar lista fechada com alternância de sexo; 72% concordam em regulamentar o financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais.

Divisão

O material está dividido nas áreas de políticas públicas e orçamento; trabalho e proteção social; poder e política (as posições dos parlamentares sobre reforma política); e direitos sexuais e reprodutivos, no qual a questão do aborto é desenvolvida com mais profundidade.

Todas as categorias, lembra Patricia, são voltadas à questão da igualdade de gêneros. Ela considera que a pesquisa registra números surpreendentes. “Eu achei muito interessante porque muitos dados me surpreenderam. Por exemplo, o perfil dos parlamentares. A gente percebe que as mulheres têm um perfil mais progressista”, disse a pesquisadora, acrescentando que as parlamentares se declaram mais “de esquerda” do que os homens, percentualmente. “Em números absolutos, não se pode comparar, porque são 27 mulheres entrevistadas para 294 homens”, pondera.

A primeira fase do trabalho teve enfoque quantitativo. Por meio de um questionário com questões fechadas, o grupo procurou levantar a totalidade das opiniões dos entrevistados. Em seguida, alguns parlamentares “com expressividade política relevante” no cenário nacional foram selecionados para entrevistas qualitativas e abertas, de maneira mais aprofundada, com o objetivo de conhecer “um pouco mais de perto” o pensamento desses políticos.

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quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Oliver Williamson: a relevância das instituições

[Roland Halbe, The Cooper Union
in New York, designed by Thom Mayne]


Valor Econômico, edição de 14 de outubro de 2009, página A14
Por Decio Zylbersztajn

Seu trabalho nos convida a estudar as organizações na sociedade, como elas são.

A premiação do Nobel de economia de 2009 coincide com uma celebração que ocorrerá na Universidade de Chicago em dezembro. Trata-se da comemoração dos 99 anos do professor Ronald Coase. Alguém poderia certamente indagar, qual a relação entre o novo laureado e o professor Coase, que recebeu o mesmo prêmio em 1992.
Na verdade o Nobel foi destinado a dois pesquisadores, Oliver Williamson e Elinor Ostrom, que dividem uma base comum que foi introduzida por Ronald Coase. Tal base se sustenta no fato de que as instituições são importantes e voltaram a fazer parte da teoria econômica. Foi Coase quem convidou os economistas a modelar o mundo real ao invés de brincar com modelos afastados da realidade. Assim afirmou no seu discurso de premiação.
Se Coase apontou para a direção correta, foi Oliver Williamson quem desenvolveu o construto fundamental para que, todos nós que estudamos a Economia das Organizações, pudéssemos fazer análises pautadas por modelos realistas. Oliver Williamson trabalhou incansavelmente por quatro décadas apresentando o seu modelo que permite testar hipóteses sobre os mecanismos de governança das organizações, sobre as relações entre firmas que não ocorrem por meio de mercados e sim dos contratos. Se o termo “custo de transação” é hoje tão comum, devemos a ambos, Coase e Williamson, respectivamente, a sua criação e difusão.
Mais do que o conceito de governança corporativa, o trabalho de Williamson lançou luz sobre decisões estratégicas fundamentais, como por exemplo, a decisão estratégica sobre o crescimento vertical das organizações. Um passo além da questão tradicional que permeia as decisões estratégicas sobre “terceirização”, o modelo de Williamson abriu caminhos para a análise do crescimento das firmas e das relações contratuais complexas que caracterizam as cadeias produtivas e as redes de corporações modernas.
Williamson abriu caminhos e determinou rupturas. Por exemplo, a tradicional visão da análise econômica da concorrência foi criticada por Williamson, que sugere que em muitos casos as intervenções das organizações de promoção da concorrência geram ineficiências indesejáveis nas organizações. Incomoda a muitos quando considera a firma, como que um tribunal de primeira instância para dirimir conflitos. Também incomodou muitos ao expor as entranhas do comportamento humano explorando o conceito de “oportunismo” dos atores da sociedade. Afirma Williamson que mesmo que você, leitor, não seja oportunista, o seu vizinho pode ser. Ou você pode agir oportunisticamente vez ou outra, o que traz implicações para o modelo das organizações e para a realização das transações.
Incomodou também quando reapresentou o conceito de “racionalidade limitada” gerado por Simon e revivido na obra de Williamson, que colide com a hiperacionalidade que caracteriza a teoria econômica tradicional. Ou seja, temos a intenção de agir racionalmente, mas nossa incompetência cognitiva é tamanha, que só conseguimos atingir parcialmente o nosso intento. Some-se o oportunismo, a racionalidade limitada e a necessidade de realizarmos contratos, para compreendermos como as instituições são necessárias para evitar o caos social e econômico, como o que se instalou no mundo no final de 2008 e ao longo de 2009.
Seus críticos são tão numerosos quanto os seus admiradores. Alguns afirmam que o seu modelo não reconhece a estrutura social que abriga as complexas transações. Outros o criticam pelo excessivo reducionismo dos seus modelos de determinação das estruturas de governança eficientes. Outros implicam com a homogeneidade dos seus artigos, que sempre terminam com um mantra: existe um alinhamento minimizador de custos de transação, entre as formas de governança observadas, regido pela interação entre as características das transações e das instituições.
A sua contribuição fundamental iniciada nos anos 70 foi repetida mundo afora nas suas contínuas peregrinações por universidades em todos os continentes. No curso que costumava dar na Universidade de Berkeley que eu tive a oportunidade de fazer, Williamson iniciava com uma citação de Peguy que está no seu livro “Mecanismos de Governança” de 1996. Essa citação inspira a primeira aula da disciplina de Economia das Organizações que eu ministro na FEA: “Quanto mais eu vivo menos acredito em iluminações súbitas, que não venham acompanhadas por trabalho sério. Menos eu creio nas súbitas paixões e mais eu creio na eficiência do trabalho modesto, lento, molecular e definitivo. Quanto mais eu vivo, menos acredito nas revoluções sociais, improvisadas e maravilhosas, com ou sem armas e ditadores, e mais eu acredito na eficiência do trabalho modesto, lento, molecular e definitivo.”
Vejo em Williamson um exemplo de cientista social sério e cuja obra impactante abriu caminhos que ainda estamos a explorar. (...) Seguindo a tradição coasiana, seu trabalho nos convida a estudar as organizações na sociedade, entre as quais as firmas, como elas são, e não como queremos que sejam. Se alguns ainda viam a Nova Economia Institucional como uma teoria menor que apenas critica a teoria econômica tradicional, o chamado “mainstream”, creio que depois de Ronald Coase, Douglass North, e agora Oliver Williamson e Elinor Ostrom, é chegada a hora de repensarmos as disciplinas dos cursos de Economia, de Administração e de Direito, Trazendo um pouco da visão coasiana.
O professor Ronald Coase será homenageado em dezembro. Vive para ver os seus seguidores intelectuais ganharem a merecida relevância. Conforme afirmou: “O mundo real é o que realmente importa. Vamos pois estudá-lo.”

Decio Zylbersztajn é professor de Economia das Organizações da USP e organizador do livro “Direito e economia” (Editora Campus), que contém capítulo escrito por Oliver Williamson.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Pelo menos 30 parlamentares trocaram de partido

[M. Rothko]

Congresso em Foco
05/10/2009 - 19h35


Mário Coelho e Rodolfo Torres

Levantamento feito pelo Congresso em Foco nas lideranças partidárias e nos gabinetes parlamentares mostra que pelo menos 26 deputados e quatro senadores trocaram de partido nas duas últimas semanas.

A lista a seguir difere da publicada no último sábado, reproduzida do Correio Braziliense, por causa de dois nomes. Foi incluído o senador Expedito Filho (RO), que trocou o PR pelo PSDB. Já o deputado Geraldo Thadeu (MG) desistiu, na última hora, de se filiar ao PSDB. Seu nome foi excluído porque, segundo sua assessoria, ele segue no PPS.

Das 11 legendas que perderam parlamentares até o último sábado, somente o DEM e o PDT vão entrar na Justiça eleitoral para reaver as vagas na Câmara ou no Senado. Outras duas, PT e PMN, ainda devem analisar nos próximos dias o caminho que vão tomar (leia mais).

O número de parlamentares que mudaram de legenda pode ser ainda maior, já que algumas lideranças ainda esperam pela confirmação do destino de alguns congressistas, que estudavam trocar de sigla.

Veja a relação dos parlamentares que mudaram de partido:

Deputados

Bispo Rodovalho (DF) – deixou o DEM; foi para o PP
Carlos A. Canuto (AL) – deixou o PMDB; foi para o PSC
Davi Alves (MA) – deixou o PDT; foi para o PR
Dr. Nechar (SP) – deixou o PV; foi para o PP
Edmar Moreira (MG) – havia deixado o DEM; foi para o PR
Geraldo Pudim (RJ) – deixou o PMDB; foi para o PR
Henrique Afonso (AC) – deixou o PT, foi para o PV
Jairo Carneiro (BA) – deixou o DEM; foi para o PP
Jefferson Campos (SP) – deixou o PTB; foi para o PSB
José Carlos Araújo (BA) – deixou o PR; foi para o PDT
José Carlos Vieira (SC) – deixou o DEM; foi para o PR
Laerte Bessa (DF) – deixou o PMDB; foi para o PSC
Luiz Bassuma (BA) – deixou PT; foi para o PV
Manoel Júnior (PB) – deixou o PSB; foi para o PMDB
Marcelo Itagiba (RJ) – deixou o PMDB; foi para o PSDB
Márcio Marinho (BA) – deixou o PR; foi para o PRB
Marcondes Gadelha (PB) – deixou o PSB; foi para o PSC
Nilmar Ruiz (TO) – deixou o DEM; foi para o PR
Pastor Manuel Ferreira (RJ) – deixou o PTB; foi para o PR
Pastor Pedro Ribeiro (CE) – deixou o PMDB; foi para o PR
Rita Camata (ES) – deixou o PMDB; foi para o PSDB
Severiano Alves (BA) – deixou o PDT; foi para o PMDB
Silvio Costa (PE) – deixou o PMN; foi para o PTB
Uldurico Pinto (BA) – deixou o PMN; foi para o PHS
William Woo (SP) – deixou o PSDB; foi para o PPS
Zequinha Marinho (PA) – deixou o PMDB; foi para o PSC

Senadores

Expedito Filho (RO) - deixou o PR, foi para o PSDB
Flávio Arns (PR) - deixou o PT; foi para o PSDB
Mão Santa (PI) - deixou o PMDB; foi para o PSC
Marina Silva (AC) - deixou o PT; foi para o PV
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sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Ações afirmativas como armação ideológica?

[Rogério Reis.
Rio, 1991]


Folha de S. Paulo
26 set. 2009

Crítica/"Uma Gota de Sangue"

Magnoli faz livro de combate contra cotas
MARCELO LEITE
Colunista da Folha


Não se iluda o leitor com o título da obra. O livro do geógrafo e colunista Demétrio Magnoli não é um compêndio. Trata-se de um texto de intervenção no debate brasileiro sobre cotas raciais.

Seu mérito maior é ter muito menos defeitos que o best-seller "Nós Não Somos Racistas", do jornalista Ali Kamel. A tese é a mesma: as ações afirmativas e o movimento negro resultam de uma armação ideológica. Ela conspira contra o princípio da igualdade perante a lei, contra a ideia de nação e, no caso brasileiro, contra seu generoso mito fundacional, a mestiçagem.

É uma tese boa de briga. Toma partido da sociologia de Gilberto Freyre, em sua oposição com a escola de Florestan Fernandes. Até Barack Obama entra nessa capoeira, como mestiço vingador na pátria da dicotomia entre brancos e negros. Kamel e Magnoli prestam um serviço ao debate insistindo na denúncia da prestidigitação estatística que apagou diferenças entres pardos (mestiços) e pretos, juntando-os na categoria binomial de "negros". Se funciona mal nos Estados Unidos, ainda pior no Brasil.

Magnoli é academicamente mais cuidadoso. O leitor terá de procurar bastante até encontrar passagens tão definitivas e duvidosas sobre o caráter nacional quanto esta: "No Brasil, [...] a fronteira racial não existe na consciência das pessoas" (pág. 366).

Digressões histórico-geográficas sobrecarregam um tanto a leitura com exemplos de países, instituições, movimentos e autores que comprovariam a tese. As partes três e quatro, por exemplo, poderiam ser saltadas sem prejuízo para o fulcro do debate brasileiro.
Seria uma perda pular, contudo, a reconstituição do papel da Fundação Ford na disseminação mundial das ideias "multiculturalistas", chave do esquema interpretativo de Magnoli. É o ponto alto do volume. É, também, o que mais deixa vontade de entender melhor o que possa estar por trás da conspiração denunciada. Fica a impressão de que se trata de minar os movimentos sociais, segmentando-o em demandas identitárias estanques (etnias, gênero, orientação sexual etc.).

Permanece enigmático, porém, por que tal agenda foi encampada nos Estados Unidos tanto por republicanos quanto por democratas. Não se examina a fundo a hipótese de que seja uma tentativa de responder a demanda social legítima: enfrentar iniquidades que não se dissolvem diante do princípio da igualdade.

Não se busque neste livro de combate a propalada generosidade da mestiçagem. Para Magnoli, políticas racialistas ressuscitam o racismo e, em essência, não diferem das políticas do nazismo e do apartheid. Pouco importa se de um lado está o sujeito do preconceito e, de outro, seu objeto -a crença em raças os irmana.

Não há e não pode haver aperfeiçoamento das ações afirmativas. Aos pardos e pretos pobres de hoje, no Brasil, sob o fardo extra de descender mais obviamente de escravos, resta a esperança de que um dia a nação brasileira cumpra a promessa de dar oportunidades iguais para todos -seja em que geração for.
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sábado, 26 de setembro de 2009

A política da divergência no Congresso Nacional

[Teatro Nacional, 1988.
Salomon Cytrynowicz.

Pirelli / MASP]


Valor Econômico, 18-20 set. 2009 p. A13
por Celso Roma

Houve um tempo no passado recente do país em que os congressistas agiam de acordo com o perfil ideológico dos seus partidos

De acordo com o senso comum, os partidos políticos da atualidade não têm ideologia. A crença segundo a qual eles são indiferentes aos grandes temas da política é transmitida ao público como uma verdade inquestionável sobre o Congresso Nacional. Isto, no entanto, pode ser questionado considerando-se dois momentos da democracia em curso, a saber: a feitura da Constituição de 1988 e os primeiros quinze anos da nova ordem constitucional. Ainda que seja somente durante esse período, os congressistas marcaram posição sobre os assuntos que estiveram em debate, revelando assim o perfil ideológico dos partidos.

Evidências disto podem ser encontradas, entre outras fontes de informação, nas pesquisas realizadas pelo instituto Datafolha na Câmara dos Deputados e no Senado. As enquetes conduzidas entre 1987 e 2001 perfazem um conjunto de 3.343 entrevistas por meio de questionário. Os parlamentares se posicionaram a respeito do sistema político, das leis que regulam direitos e deveres dos cidadãos e das funções a serem exercidas pelo Estado na economia. Uma análise estatística dos dados permitiu reconhecer os temas que polarizaram os partidos, bem como reconstruir o mapa da ideologia parlamentar.

No Congresso Constituinte, as divergências significativas entre os partidos ocorreram em torno do perfil das instituições políticas então em construção. A direita procurava restringir o grau de abertura da democracia, ao aceitar a presença em plenário de 23 senadores eleitos em 1982 que não receberam mandato específico para participar dos trabalhos constituintes; ao defender que o papel das Forças Armadas continuasse a abranger também a ordem interna e ao apoiar que o mandato do presidente José Sarney durasse mais que quatro anos. A esquerda tentava expandir as conquistas democráticas, seja ampliando o direito de voto para os jovens, seja defendendo a extinção do Senado - adotando-se o unicameralismo - ou propondo que a Constituição fosse submetida a referendo antes de entrar em vigor. Um centro político já podia ser observado, através do consenso ao redor de propostas menos polêmicas, como o direito de voto à baixa oficialidade das Forças Armadas, ou mesmo ao parlamentarismo, mais aceito entre os congressistas que no interior da sociedade.

No início da presente ordem constitucional, a diferença de opinião entre os partidos girou em torno do modelo de política social a ser adotado no país. Embora o diagnóstico sobre a pobreza e a desigualdade fosse o mesmo entre os grupos de parlamentares, a estratégia para combatê-las variava. A esquerda recomendava um sistema de redistribuição no qual a garantia de renda mínima fosse vinculada ao imposto de renda negativo, a reforma agrária se baseasse na desapropriação de terras particulares e os salários fossem corrigidos por um índice maior que o da inflação. O centro e a direita, por sua vez, preferiam um programa de inclusão social que, além de cumprir essa finalidade, resguardasse o direito à propriedade e gerasse menos conflito entre ricos e pobres.

O desacordo entre os partidos emergiu em outras matérias da alçada dos parlamentares. Em 1991, a direita era favorável a antecipar a Revisão Constitucional, marcada para acontecer cinco anos após a promulgação do texto, enquanto o centro e a esquerda rejeitavam essa manobra. Em 1992, diante da denúncia de corrupção e tráfico de influência implicando o presidente Fernando Collor de Mello, a direita ensaiava absolvê-lo; o centro acreditava que ele não somente era culpado mas também não estava respondendo à acusação de um modo satisfatório; a esquerda, além de concordar com essa avaliação, solicitava que o presidente se afastasse do cargo durante a investigação, cujo processo resultou em seu impedimento.

O ano de 1993 ensaiou uma ampla discussão sobre a economia que, no primeiro momento, sinalizou a liberalização do papel do Estado e do mercado, cujo caminho havia sido aberto pelo Plano Real e a empreitada de estabilização monetária. Nessa ocasião se iniciou uma guinada na conjuntura política do país, apoiada por uma aliança de centro-direita costurada para a disputa da eleição presidencial de 1994 e, depois, para a sustentação parlamentar do governo Fernando Henrique Cardoso em dois mandatos consecutivos.



A segunda fase da ordem constitucional compreendeu o período de maior polarização entre os partidos. De um lado, a esquerda bradava as bandeiras do nacionalismo estatizante, seja defendendo que o conceito de empresa de capital nacional fosse mantido na Constituição, seja recusando o investimento externo e a quebra do monopólio da União nos setores do petróleo e das telecomunicações, ou opondo-se categoricamente à privatização de empresas estatais. De outro lado, o centro e a direita se uniam em favor da abertura econômica e da retirada do Estado no papel de empresário, aprovando, para isto se realizar, medidas como a privatização da Telebrás e da Eletrobrás e o estabelecimento de regras que estimulassem a presença de empresas estrangeiras para competirem em igualdade de condição.

O Congresso se revela, em essência, pluripartidário. E os partidos se diferenciam segundo a ideologia, a qual reflete os interesses sociais e econômicos que eles representam. Mas a política da divergência não se restringe ao plano da retórica. As ideias convertidas em programa de governo marcaram a sociedade e a economia.

A conclusão pode ser iluminada por uma passagem de John M. Keynes, extraída do livro A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda (Nova Cultural, 1988 (1936), página 251): “Mas, à parte essa disposição de espírito peculiar à época, as ideias dos economistas e dos filósofos políticos, estejam certas ou erradas, têm mais importância do que geralmente se percebe. De fato, o mundo é governado por pouco mais do que isso. Os homens objetivos que se julgam livres de qualquer influência intelectual são, em geral, escravos de algum economista defunto. Os insensatos, que ocupam posições de autoridade, que ouvem vozes no ar, destilam seus arrebatamentos inspirados em algum escriba acadêmico de certos anos atrás. Estou convencido de que a força dos interesses escusos se exagera muito em comparação com a firme penetração das ideias. (...) Porém, cedo ou tarde, são as ideias, e não os interesses escusos, que representam um perigo, seja para o bem ou para o mal.”

Celso Roma é cientista político pela USP.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

WERNECK e o PT

[Lula]

ENTREVISTA - LUIZ WERNECK VIANNA, cientista político, professor e pesquisador do Iuperj

Na esteira da crise no Senado, em uma mesma semana, dois senadores do Partido dos Trabalhadores, Marina Silva e Flávio Arns, pediram desfiliação. E o líder da bancada, Aloizio Mercadante, só não entregou o cargo após um apelo pessoal do presidente. Lula engoliu o PT?


A vida partidária no PT está muito ofuscada pela presença dominante de Lula. O presidente tomou conta do partido, que é hoje um instrumento dele.

Quem dá as cartas é mesmo Lula, a bordo de seus 80% de popularidade, o deputado Ricardo Berzoini, presidente do PT, que enquadrou a bancada do Senado a votar a favor do arquivamento das denúncias contra Sarney, ou José Dirceu, que voltou à cena recentemente?

São todos políticos pragmáticos que, postos diante de uma encruzilhada, escolhem um caminho possível, independentemente dos princípios, de sua história imediata e de sua formação de origem. Lula tem um gênio para se adaptar às circunstâncias e tirar delas a posição mais favorável para ele. E tem ido nessa direção. Não se pode esquecer que, depois da crise do mensalão, mais profunda e longa que esta, houve uma recomposição de forças e o PT ganhou o segundo mandato. Só que agora, uma vez que o PT abdicou de exercer um comportamento autônomo quanto ao governo, o partido se encontra inteiramente dependente de seu carisma.

Qual foi o cálculo político de Lula na crise do Senado?

Ao que parece, o governo trabalhou para conter uma eventual CPI da Petrobrás, que talvez nem tivesse efeito tão explosivo, no fim das contas. A defesa do presidente em relação a Sarney não era obrigatória nem inevitável. Foi um caminho tomado que não deu volta. O operador político, por mais competente que seja, tem lá seus desmaios. Nem sempre consegue realizar o melhor movimento a cada instante. Acho que houve um erro aí. Veja, eu não gostaria de satanizar o Sarney: me recusei esse tempo todo a fazer isso. Mas ele ficou sem defesa. Lula fez um cálculo eleitoral, para manter próximo o PMDB, que acabou trazendo um desgaste maior do que se esperava.

A candidatura Dilma Rousseff, sobre a qual o PT nunca foi consultado, será a maior vítima desse erro? Circulam rumores de que petistas paulistas já sugerem substituí-la pelo ex-ministro Antônio Palocci, nome que empolgaria mais?

Certamente. Pode haver uma rebelião no partido, e a esta altura os indicadores começam a aparecer. Se o mensalão não tivesse ocorrido, tenho certeza absoluta de que o candidato seria José Dirceu. Mesmo com Palocci no páreo, Dirceu teria removido tudo da frente. Mas, diante do cenário que restou, Dilma tornou-se a única alternativa confiável para Lula. Resta ver se o presidente terá força, faltando um ano para o fim do seu mandato, de segurar esse tecido tão complexo, variado, que é o PT, com todas as suas tendências. Mantê-lo unido em torno de uma candidatura que não saiu do seu seio - uma candidatura de dedo, indicada - é possível, mas não será fácil.

Em um artigo recente, o senhor lança mão de uma metáfora utilizada pelo historiador Raymundo Faoro, a da "viagem redonda" do Brasil - que se moderniza, sem remover o patrimonialismo de seu caminho - para descrever mudanças pelas quais o PT passou nos últimos anos. O que quer dizer?

O PT começa seguindo o mapa que Faoro desenhou, dos recifes a serem evitados. Mas em seus dois governos ele assume esse mapa e passa a governar com ele. É o que qualifiquei de "viagem quase redonda" do PT - que em sua origem recusava o modelo do nacional-desenvolvimentismo da era Vargas, sua estrutura sindical corporativa e o processo de modernização imposto pelo Estado à sociedade. E o que se viu, por astúcia da razão, foi o partido acabar se identificando com esse mesmo inventário.

Que tipo de "astúcia da razão" fez com que o PT abandonasse o que o senhor chama de "DNA contestador da modernização à brasileira", que o partido possuía?

Governar é ser posto diante de escolhas difíceis, de encruzilhadas. E, à medida que foi se colocando diante delas, Lula foi fazendo opções que acabaram recuperando a tradição da era Vargas, sem que houvesse intenção clara nisso. Acho que não houve uma estratégia: incidentes no meio do caminho foram tangendo o PT a se identificar com temas, trajetórias e formas de conceber a política que antes denunciava como males do Brasil - como o corporativismo sindical, por exemplo. Outro dia mesmo saiu estampada nos jornais uma frase do presidente Lula repudiando o processo de denúncias que Getúlio sofreu. No governo, ele passa a ser o grande defensor de uma tradição republicana que o PT sempre criticou. E não estou fazendo juízo de valor com isso: em boa parte, sou até favorável à valorização dessa tradição.

Em que sentido?

Publiquei um conjunto de ensaios com o título Tradição Republicana Brasileira, que afirma sobretudo a importância do Estado. Este país não pode ser pensado sem essa instituição: ele foi criado a partir dela. E tem sua história de modernização diretamente atrelada à ação estatal. É evidente que ela assumiu sempre uma função assimétrica em relação à sociedade, em alguns momentos, autoritária, em outros, autocrática, como em 1937. Mas, ao longo do processo de modernização brasileira, o Estado foi sendo obrigado a se democratizar. E se encontra hoje, apesar de tudo, mais democratizado do que em qualquer outro momento de nossa história - no que a Carta de 1988 exerceu papel fundamental. É preciso valorizar o público. Especialmente após a crise financeira que se abateu sobre o mundo. É importante ter um Estado com capacidade de intervir e certo patrimônio para defender dimensões capitais da economia.

Alguns analistas políticos afirmam que as forças de oposição ao governo Lula foram fracas e desarticuladas. O senhor concorda?

A oposição ficou muito difícil de se fazer porque o presidente levou a sociedade toda para dentro do governo. O capitalismo agrário foi para dentro. O MST também. Os empresários da indústria, assim como várias centrais de trabalhadores, idem. Costumo dizer brincando que só eu estou fora (risos). Então, como se pode operar em um contexto que o governo mantém uma enorme capacidade de envolver a sociedade e trazê-la para si, dando-lhe posições de governo e, além do mais, cativando a massa da população desorganizada com um programa do tipo Bolsa-Família. Não sobra espaço para a oposição. Agora, na medida em que o governo Lula se aproxima do final, as contradições que o animam vão aparecendo. Porque a única possibilidade dessas contradições conviverem, coexistirem, era a ação dele. Lula foi o grande prestidigitador, o alquimista capaz de trazer a pluralidade da sociedade para dentro do Estado e fazer com que suas controvérsias se desenvolvessem lá dentro - e não fora -, sob sua arbitragem. Essa é a arquitetura getuliana que eles incorporaram, e que descrevi no artigo O Estado Novo do PT.

Um outro percurso teria sido melhor para o partido?

Eu não sou nem nunca fui um intelectual do partido, não penso a partir do PT. Mas foi uma trajetória possível. Outra teria sido necessariamente mais ousada, mas provavelmente não teria feito o segundo mandato. E, se o tivesse feito, teríamos hoje um presidente enfraquecido, incapaz de interferir no processo de sua sucessão.

Essa interferência de Lula em sua sucessão fica prejudicada pela entrada de Marina Silva na disputa?

Acho que o fenômeno Marina é de enorme importância, de um tamanho que a gente ainda não consegue estimar direito. Não o vejo como mero episódio de luta eleitoral. A ida da Marina para o Partido Verde e sua candidatura à Presidência da República são fatos de enorme importância para a estruturação do sistema partidário brasileiro. O PV será, sem dúvida, revitalizado com a chegada de um quadro da expressão nacional e internacional de Marina. Ela é carismática, tem uma vida que se pode mostrar e milita em um tema de relevância mundial. Não é uma perda que um partido possa sofrer impunemente. Sua entrada no jogo vai mudar muito as eleições e a política brasileira. Sua candidatura é imprevisível, especialmente nesse contexto de desmoralização da política, dos quadros políticos, dos partidos. Ela parece alguém fora de tudo isso, uma pessoa limpa no meio de um mundo contaminado.

O PV tende a se aproximar mais do PSOL, que está no campo da esquerda, ou do PPS, mais próximo do PSDB?

Acho que o PV deve seguir uma trajetória independente, consultando as conveniências. A esquerda brasileira faz um movimento com a Marina que pode ser metaforicamente compreendido pela migração do ABC de São Paulo, a classe operária moderna do Brasil, para Xapuri, a selva, o Acre - um território de outro tipo, onde o capitalismo é fraco, as dimensões materiais não são tão valorizadas, há uma ênfase na dimensão espiritual e nas relações solidárias. Vejo nela uma outra forma de expressão para as lutas anticapitalistas no Brasil, que não passam por setores modernos, mas por essa mística do camponês, do interior, de uma cultura não contaminada pelos interesses materiais.

Em que sentido isso pode ser renovador?

Veja, não estou aqui me identificando ou sendo mobilizado como cidadão. Mas para se ter uma ideia da importância, basta pensar que a Amazônia é um tema estratégico para o Brasil e para o mundo. Acredito que a candidatura Marina vá atrair a atenção de ONGs da Noruega, da Dinamarca, da Alemanha e dos EUA em torno de uma liderança de natureza quase messiânica. Sua entrada na campanha deixa a sucessão mais imprevisível do que era. E não descarto a possibilidade de ela ter boa recepção nas urnas. Efeitos Obama são possíveis aqui.

Em um cenário de tantas concessões em nome da "governabilidade" e da aliança para a sucessão de Lula, o que pode restar ao PT caso perca a eleição de 2010?

2010 é para o PT de hoje questão de sobrevivência. Se perder, terá de fazer uma grande reavaliação, discutir sua trajetória recente e as razões da derrota. E aí ou o partido sai renovado, com uma linha mais definida na qual o lulismo terá sido enterrado, ou viverá uma crise permanente até perder o resto de sua identidade original. Como eu sempre digo, partidos não morrem, mas podem diminuir, se apequenar. Aquele PT pré-2002 já é um capítulo do passado.

Há algumas semanas, o pré-candidato Ciro Gomes falou do dilema de se governar o País com ou sem o PMDB: da difícil convivência com esse "centrão" conservador. Para ele, apenas Lula, a bordo de sua enorme popularidade, resiste a tanto desgaste. E previu uma crise para 2010 pois ninguém - Serra, Dilma, Marina ou ele próprio, Ciro - será capaz de administrar essa realidade política. Ele tem razão?

Quem tinha força e representação política para segurar esse difícil equilíbrio de contrários era o Lula. Sem ele, esse tecido tende a esgarçar, o que não quer dizer se romper. Mas as dificuldades serão bem maiores. E, inclusive, obrigarão o governo a ter uma linha mais definida, com menos conciliação - o que pode vir a ser bom.

De que maneira?

Pode nos obrigar a uma maturidade política que não fomos obrigados a ter, submetidos que fomos ao infantilismo político que advém do fato de termos sidos tutelados 16 anos por essa social-democracia que optou pela indefinição: a do PSDB e a do PT.

Então o senhor concorda com a tese de Fernando Henrique Cardoso segundo a qual não resta ao PSDB nem ao PT mais do que exercer o papel de "vanguarda do atraso", conciliando as forças conservadoras para se manter no poder?

Sem dúvida. A única possibilidade de Fernando Henrique me citar é para dizer que eu sempre sustentei isso (risos). O Brasil moderno, sozinho, não tem força para se afirmar sem o apoio da tradição. Mas é o moderno que tem que dirigir a tradição.

Em 2010 será possível ir um pouco além nessa 'liderança do atraso', pelo menos?

Acho que tanto Serra quanto Dilma teriam identidades mais bem definidas e poderiam governar a partir do moderno, da extensão das riquezas materiais. Eles têm um perfil muito parecido, na verdade. Iriam conviver com esses grupos mais conservadores, mas manteriam com eles relações menos próximas que as existentes nos governos FHC e Lula. Inclusive por temperamento. Fernando Henrique e Lula são dois brasileiros cordiais. Você não pode dizer isso do Serra nem da Dilma.
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domingo, 13 de setembro de 2009

O Morumbi e a Copa

[CA, US. 1949. John Florea. Life]

Folha de S. Paulo
13 set. 2009

PAULO VINICIUS COELHO

Para entender o caso do estádio, é preciso conhecer o jogo político de governadores e do presidente da CBF

O MORUMBI está na Copa do Mundo de 2014.

Por mais que tenha existido pressão pela construção de uma nova arena, em São Paulo, e que as declarações do secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, levem a pensar o inverso, o risco do Morumbi, hoje, não é ficar fora do Mundial. É perder o jogo de abertura.

Isso está claro há meses e tem a ver, sim, com questões políticas. Se os governadores mais próximos de Ricardo Teixeira, José Roberto Arruda (DF) e Aécio Neves (MG), esforçam-se para viabilizar obras em seus estádios públicos, e se o governador José Serra (SP) não admite usar dinheiro do contribuinte para reformar ou construir estádio, evidentemente há um viés político.

Diga-se, o mais correto dos governadores é Serra, embora este possa se dar ao luxo de não mexer nos cofres públicos, porque o estádio paulista é particular, diferentemente do Mineirão e do Mané Garrincha.

O jogo de governadores é vital para entender o imbróglio do Morumbi. Não foi por acaso que Ricardo Teixeira também disse que sua maior preocupação é com os aeroportos, não com estádios. Digamos que tenha razão quem afirma que São Paulo não tem estádio para abrigar a partida inaugural. Brasília e Belo Horizonte não têm aeroportos.

Para entender o jogo da Copa-14, é fundamental saber qual a função do dinheiro enviado pela Fifa. São US$ 470 milhões, como disse Ricardo Teixeira ao "Arena Sportv", na quarta-feira. Quantia dedicada a obras que não deixarão legado.

Um estádio novo ficará para o futebol brasileiro, seja público ou particular. Um aeroporto reformado permanecerá para uso da população. Um centro de imprensa, não.

Se for preciso, por exemplo, comprar aparelho de raio-X para inspecionar quem entra e sai do centro de imprensa, esse investimento deve ser feito com dinheiro da Fifa. Se um governador apresentar esse tipo de gasto ao Tribunal de Contas, que devolva o dinheiro e cobre de quem administrou os US$ 470 milhões.

"José Serra não põe dinheiro público nem sob tortura", diz um dos membros da candidatura paulista. Isso aumenta a vocação de São Paulo para fazer uma das semifinais, como aconteceu na Alemanha com Dortmund, de estádio que lembra o Morumbi e que abrigou Itália x Alemanha, em 2006. Já pensou Brasil x Argentina numa semifinal, no Morumbi? É melhor essa perspectiva ou o jogo de abertura?

Na quarta, Ricardo Teixeira assinou mais uma vez seu atestado de incompetência ao admitir que, em 20 anos de mandato, não fez o país ter um único estádio capaz de abrigar uma Copa. Seu risco, agora, é deixar como legado estádios que não serão usados pelo futebol brasileiro, depois do apito final de 2014.

No Brasileirão-2015, vale mais um Morumbi digno do que uma Allianz Arena em Cuiabá. Em São Paulo, a Copa parece ser, mais do que em outros lugares, um meio de se atingir um fim, o de ter uma arena de alto nível, para jogos e shows, em 2014, 2015, 2016... Em Brasília, é mais provável ter um estádio para a abertura da Copa. Quando ela acabar, sem times de alto nível, o estádio será usado por equipes que lutam no bloco intermediário da Série B.

Se isso se confirmar, será o fim.
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terça-feira, 8 de setembro de 2009

USP sobe em rankings

[Eton College, 1939. Margaret Bourke-White, Life]


A USP está entre as 100 melhores universidades do mundo e é a primeira da América Latina, segundo as mais recentes edições de dois dos principais rankings que avaliam universidades em todo o planeta.


No Webometrics Ranking Web of World Universities, cuja avaliação é semestral, a USP subiu 49 posições em relação à obtida no levantamento anterior, divulgado em janeiro. A USP ficou agora em 38º lugar. Esse ranking, elaborado pelo Consejo Superior de Investigaciones Científicas do Ministério da Educação da Espanha, classifica 6 mil instituições no plano mundial, dentre 17 mil avaliadas. Tem como base a visibilidade e o desempenho global, que inclui indicadores de pesquisa e de qualidade de estudantes e docentes.


Dessa classificação também faz parte o Ranking of World Repositories Top 300 Institutions, que classifica as Instituições por meio das bibliotecas digitais de dissertações e teses. A USP ocupa o 57º lugar, o que significa crescimento de 29 posições em relação a 2008.


Na edição 2009 do Performance Ranking of Scientific Paper for World Universities, do Higher Education Evaluation & Accreditation Council of Taiwan, a USP ocupa o 78º lugar, o correspondente a subida de 22 posições em relação a 2008. Esse ranking avalia a pesquisa desenvolvida, tendo como critérios produtividade, impacto e excelência na investigação científica. “Essa classificação demonstra que a USP consolida seu perfil como universidade de classe mundial, produzindo, cada vez mais, pesquisas na fronteira do conhecimento e de nível internacional”, afirma a reitora Suely Vilela.


Nesse ranking, que também classifica as instituições por área do conhecimento, a USP registrou crescimento significativo, de 2008 para 2009, em cinco dos seis campos avaliados: Agricultura (passou da 57ª colocação para a 39ª), Medicina (da 162ª posição para a 111ª), Engenharia (da 114ª para 102ª), Ciências da Vida (de 126ª para 101ª) e Ciências Sociais (da 295ª para 246ª). Na área de Ciências Naturais, a USP passou da 71ª posição, em 2008, para a 74ª, em 2009. Em todas as áreas avaliadas, a USP foi classificada como a melhor universidade brasileira.


Agência de Notícias. Publicado em 1/setembro/2009

domingo, 30 de agosto de 2009

Transparência entre aspas


Para avaliar o "Portal da Transparência" da Assembleia Legislativa do Paraná, O Vigilantes da Democracia realizou uma entrevista com o professor de Ciência Política da UFPR, Sérgio Braga.

Clique aqui para ler a entrevista.

Fonte: Daniela Drummond - Vigilantes da Democracia (28/06/2008)

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

bacaninhas, liberalóides e supersticiosos em geral

[Gastão Eduardo de Bueno Vidigal, 1978. Foto de Hélio Campos Mello. Pirelli / Masp]

Adriano Codato

Os sofistas da liberdade liberal, os inimigos da ciência em causa própria e os bacaninhas de classe média, que não admitem qualquer regra de convivência minimamente civilizada (recorde-se a grita contra o Código de Trânsito, a limitação do consumo de álcool antes de dirigir e até mesmo a obrigatoriedade do uso de cinto de segurança!), uniram-se para defender "os seus direitos".

Pois bem. O artigo abaixo é bastante desmistificador, até porque alinha só razões de bom senso a favor da proibição do consumo de tabaco em locais fechados.


Algumas sugestões para anotar na agenda de sociólogos e cientistas políticos, até para evitar a "profunda" discussão em torno de seu eu posso/não posso, quero/não quero, etc.:

- como a sociedade brasileira reage à imposição de regras;
- se os fumantes irão aderir imediatamente (ou um dia) à proibição;
(em Buenos Aires, na França e na Inglaterra a mudança de comportamento foi imediata. O que é uma questao sociológica interessantíssima);
- as relações entre os deputados e legisladores em geral com os lobbies: da saúde, dos defensores da Constituição e dos direitos ilimitados do Homem, da indústria do tabaco, da indústria dos bares, etc.

Fica a sugestão para pensarmos a coisa de maneira um pouco mais interessante, a meu ver.

artigo publicado na Folha de S. Paulo,
26 ago. 2009, p. A-3.

O "mito"(?) do fumo passivo

LUIZ ROBERTO BARRADAS BARATA

POR DÉCADAS a fio, a indústria do tabaco sustentou o argumento de que não havia comprovação científica sobre os malefícios do fumo passivo. Ao que parece, esse descalabro ainda ecoa, infelizmente, em nossa sociedade, não sei ao certo com que propósito ou na defesa de quais interesses. Certamente não são os da saúde pública.

Insistir nessa tese surrada, como no artigo "Até tu, São Paulo?", publicado nesta Folha no última dia 18 (Ilustrada), é o mesmo que desacreditar toda a comunidade médica mundial e os inúmeros trabalhos científicos que contribuíram para a OMS (Organização Mundial da Saúde) classificar o tabagismo passivo como a terceira causa de morte evitável do planeta.

Em 1993, a Agência de Proteção ao Meio Ambiente dos EUA publicou o primeiro estudo científico mostrando que a fumaça do cigarro no ambiente causa câncer. Encerrava-se aí a polêmica sobre os malefícios do fumo passivo.

Na década de 90 do século passado, a Associação Médica Americana publicou estudo demonstrando que a incidência de câncer no pulmão era 30% maior nas mulheres que, embora nunca tivessem fumado, tinham inalado fumaça do cigarro no ambiente em que viviam.
Aqui no Brasil, um estudo divulgado em 2008 pelo Inca (Instituto Nacional de Câncer) revelou que pelo menos sete pessoas morrem diariamente por doenças provocadas pela exposição passiva à fumaça do cigarro, como câncer de pulmão, doenças isquêmicas do coração e derrames.
São inúmeras, portanto, as evidências científicas que mostram a relação entre tabagismo passivo, câncer e doenças cardiovasculares e que respaldaram, inclusive, a Convenção-Quadro para Controle do Tabaco, tratado internacional da OMS que recomenda a proibição do fumo em espaços coletivos.

Uma pesquisa realizada pela Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo com 50 garçons e clientes em casas noturnas da capital paulista revelou que basta uma noite em um ambiente fechado onde há muita fumaça de cigarro para que um não fumante atinja níveis de monóxido de carbono no pulmão equivalentes aos de fumantes. Houve medições em que, em uma hora, a taxa de monóxido de carbono chegou a aumentar seis vezes.

É de conhecimento de todos que a exposição aguda à poluição tabágica ambiental é suficiente para ocasionar irritação nasal e ocular, dores de cabeça e secura na garganta, entre outros sintomas. Não se trata, pois, de dogma ou mito, mas de realidade extremamente séria e relevante para a saúde pública paulista e nacional.

A lei antifumo de São Paulo não é propriamente uma novidade. Medidas similares já foram adotadas, com sucesso, nos países desenvolvidos. É, portanto, um avanço, não um retrocesso. Retroceder seria autorizar novamente o fumo em cinemas, aviões, elevadores ou mesmo nos consultórios médicos, como a série "Mad Men", citada pelo autor do artigo e que felizmente é apenas ficção.

O argumento de que a legislação antifumo fere a liberdade individual, além de raso, tenta induzir o leitor a erro. Primeiro porque, em São Paulo, ninguém ficou impedido de fumar, mas de consumir esses produtos em locais onde a imensa maioria -os não fumantes- tem o direito legítimo de não ser incomodada nem prejudicada pela fumaça nociva do cigarro.

Tampouco a lei ataca a propriedade privada. Só determina uma restrição voltada ao combate do tabagismo passivo. Da mesma forma que precisam cumprir as obrigações tributárias, trabalhistas, fiscais e previdenciárias, os empresários devem assegurar as devidas condições de saúde e higiene de seus estabelecimentos.

Por fim, é no mínimo contraditório querer rotular como policialesca, típica de "sociedades fechadas", a criação de canais para denúncias sobre descumprimento da nova lei. Não há nada mais democrático do que, uma vez aprovada a lei pelo Legislativo, o Executivo incentivar a participação popular na defesa de seus direitos. Isso se chama cidadania. Em prol da saúde de milhões de paulistas.

O mais importante, entretanto, é que a população de São Paulo entendeu o verdadeiro espírito da legislação, apoiando-a incondicionalmente, como demonstram as pesquisas de opinião pública e o baixíssimo número de estabelecimentos multados, que representam apenas 1% do total de locais visitados pela fiscalização.
[...]

LUIZ ROBERTO BARRADAS BARATA , 56, médico sanitarista, é secretário de Estado da Saúde de São Paulo.