terça-feira, 20 de outubro de 2009

Quase metade das parlamentares está solteira

[Pernas, 1970. German Lorca. Pirelli / MASP]

congresso em foco

20 Out. 2009

Ao todo, 42% das congressistas entrevistadas declararam não estar casadas. Entre os parlamentares, esse índice é de apenas 16%, diz pesquisa.



Fábio Góis

A pesquisa do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea) mostra uma significativa diferença entre o estado civil dos parlamentares e das parlamentares: 84% dos congressistas ouvidos declararam ser casados ou viverem em união estável, enquanto 58% das congressistas disseram viver com companheiros.

O índice de solteiros, separados ou divorciados entre eles é de 16%, enquanto entre elas chega a 42%. O percentual de parlamentares consultados sem filhos é de 5% entre os homens, e de 22% entre as mulheres.

“O que temos percebido com a literatura especializada do gênero é que muitas mulheres, para galgarem postos de trabalho e também na política, precisam abrir mão de tarefas e identidades domésticas, embora muitas apreciassem manter essa faceta em seus cotidianos, ou têm de contar com outras mulheres para tomar conta de seus filhos, casas e famílias”, afirma a assessora para as áreas de trabalho, Previdência e poder e política do Cfemea, Patricia Rangel, uma das autoras do estudo.

“Isso é a expressão clara de que as mulheres têm duas jornadas de trabalho, enquanto o homem só tem uma jornada. Geralmente, quando elas se dedicam à vida político-partidária, têm a vida conjugal prejudicada. Existe uma divisão sexual do trabalho”, arremata Patrícia, para quem as bandeiras do movimento feminista em relação à reforma política (como o percentual de vagas de candidatura para cada sexo e as punições para o descumprimento, como define a Lei 9504, de 1997), “se fossem materializadas, as mulheres participariam mais”.

O Brasil é o penúltimo país da América do Sul em participação feminina no Legislativo, à frente apenas da Colômbia. Na Argentina, as mulheres ocupam 40% dos assentos no Congresso. As parlamentares brasileiras ocupam atualmente apenas 44 cadeiras na Câmara e nove no Senado brasileiro, o que corresponde a 8,9% do total das vagas do Parlamento.

Patrícia Rangel disse ao Congresso em Foco que os dados do estudo mostram “algumas questões óbvias”, como o fato de que são as parlamentares que desejam ver a mulher cada vez mais em cargos e funções de destaque na política, em número muito maior do que os homens com o mesmo pensamento. “Quem quer mais mulheres na política e no poder são as próprias mulheres”, observa.

No texto introdutório sobre as características gerais dos entrevistados, a consultora Eneida Vinhaes diz que tal desconhecimento provoca o “receio de nos depararmos, no Congresso Nacional, com a ausência de interesse e da compreensão da necessidade de direitos específicos para as mulheres”, e que a atual legislatura “não pensa de forma suficiente, qualificada e apropriada sobre a defesa de direitos para as mulheres”.

Eles pouco sabem sobre elas

De acordo com o estudo, os homens com mandato no Congresso pouco sabem sobre os temas relacionados às mulheres. Dos 321 entrevistados, a maioria masculina (61%) desconhece o II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, instituído pelo Decreto Presidencial nº 6.387, publicado em 6 de março de 2008 no Diário Oficial da União. O plano inclui metas, prioridades e 199 ações definidas pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, a partir da I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, realizada em julho de 2004.

A maioria dos entrevistados (57%) respondeu não conhecer o plano. Dos 43% que disseram conhecer ou ter ouvido a respeito, apenas 34% participaram de sua elaboração por meio de conferências estaduais, municipais ou nacionais. Em números absolutos, diz o Cfemea, isso significa que, dos 321 parlamentares consultados, 137 conhecem plano, dos quais apenas 48 participaram da sua construção.

Reunindo-se dados de sexo, cor, crença religiosa e composição familiar, o Cfemea chegou à conclusão de que o Parlamento brasileiro é composto, majoritariamente, de homens brancos, casados, com filhos e católicos. Para a entidade, esses dados apenas reforçam o descaso dos políticos brasileiros com a inclusão da mulher na participação político-partidária.

“Pelos resultados da pesquisa, os parlamentares conhecem pouco não só a coletividade feminina (e, talvez pelo desconhecimento, se interessem pouco por ela) e os planos destinados a elas, mas também as organizações dedicadas aos seus direitos: mais da metade (57%) nunca ouviu falar do Cfemea”, diz Patrícia Rangel, no capítulo intitulado O que as mulheres pensam sobre as mulheres na política?.

Segundo Patrícia, os parlamentares da atual legislatura “parecem dispostos a perpetuar a sub-representação parlamentar feminina”. Os números do estudo a respeito da reforma política almejada pelas entidades femininas, diz a assessora, comprovam isso: 60% dos entrevistados discordam da punição para partidos que não alcançarem o mínimo de 30% de candidaturas femininas; 60% concordam em destinar parte dos fundos partidários e do tempo de propaganda para promover a participação política das mulheres; 72% discordam em adotar lista fechada com alternância de sexo; 72% concordam em regulamentar o financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais.

Divisão

O material está dividido nas áreas de políticas públicas e orçamento; trabalho e proteção social; poder e política (as posições dos parlamentares sobre reforma política); e direitos sexuais e reprodutivos, no qual a questão do aborto é desenvolvida com mais profundidade.

Todas as categorias, lembra Patricia, são voltadas à questão da igualdade de gêneros. Ela considera que a pesquisa registra números surpreendentes. “Eu achei muito interessante porque muitos dados me surpreenderam. Por exemplo, o perfil dos parlamentares. A gente percebe que as mulheres têm um perfil mais progressista”, disse a pesquisadora, acrescentando que as parlamentares se declaram mais “de esquerda” do que os homens, percentualmente. “Em números absolutos, não se pode comparar, porque são 27 mulheres entrevistadas para 294 homens”, pondera.

A primeira fase do trabalho teve enfoque quantitativo. Por meio de um questionário com questões fechadas, o grupo procurou levantar a totalidade das opiniões dos entrevistados. Em seguida, alguns parlamentares “com expressividade política relevante” no cenário nacional foram selecionados para entrevistas qualitativas e abertas, de maneira mais aprofundada, com o objetivo de conhecer “um pouco mais de perto” o pensamento desses políticos.

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