sexta-feira, 23 de março de 2007

Collorados

Lucas Massimo*

O retorno de Fernando Collor, agora na condição de Senador, ao Planalto para uma reunião com Lula ganhou relevante destaque no noticiário político. A reunião é anunciada com uma ampla dose de hesitação, e não poderia ser diferente: o que há de notícia no encontro de um grupo partidário com o presidente da república? Evidentemente que as biografias do senador e do presidente particularizam o episódio, sobretudo pela condição de Collor e Lula no seu último encontro – o debate ocorrido no segundo turno das eleições presidenciais de 1989. Mas para além disso, existe um mal-estar generalizado nesse retorno de Fernando Collor, um receio entre levantar velhas bandeiras e atribuir legitimidade ao retorno do desdito ex-presidente.
O embaraço causado pela atual condição de Fernando repousa na dificuldade em distinguir uma circunstância política de um juízo moral. Collor foi submetido a um processo de julgamento estritamente político, foi condenado e cumpriu sua pena; passados 15 anos do impeachment que o defenestrou da política nacional ele reaparece amparado pelo voto de mais de meio milhão de eleitores alagoanos. Essa é a situação objetiva. Já o significado disso para o ideal democrático profetizado pela cobertura jornalística está longe de admitir que em política aliados e adversários são posições muito mais flexíveis que os rígidos códigos morais da mídia tupiniquim.
Uma vez que não é elegante nem inteligente atribuir resultados eleitorais a estupidez do eleitorado, o conservadorismo da cobertura se vê desprovido de mensalões, sanguessugas ou dossiês, enfim, jargões e slogans bastante funcionais para manifestar tacitamente o repúdio ao candidato que entregou o projeto de abertura da economia ao obscuro domínio da corrupção. A eleição de Collor para o Senado Federal representa a frustração da condenação capital que os baluartes do decoro e da distinção creditavam ao impeachment.
Mas como então pensar o retorno do ilustre senador alagoano? A biografia de Collor não deve, segundo esse ponto de vista, ser avaliada pela desenvoltura mais ou menos heterodoxa com a qual o cidadão construiu sua coalizão de governo porque isso implica em silenciar sobre o projeto de desenvolvimento – este sim – que permitiu aos antigos “desafetos” sentar se à mesa de negociação. O legado do governo Collor para a política brasileira não está no caráter simbólico de uma seção parlamentar que cassou o mandato do primeiro presidente eleito pelo voto popular após a redemocratização; este legado está sim na primazia incontestável e absoluta de uma agenda que delega ao livre mercado a tarefa de desenvolvimento econômico-social do país. Assim, o episódio aparece como mais um grito de desespero do discurso que enclausura a avaliação dos governos na redoma da “ética na política”, a forma pela qual o debate público tem se eximido de examinar a consolidação do neoliberalismo à la gauche.

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*Lucas Massimo é mestrando em Ciência Política pela UNICAMP.

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