quarta-feira, 21 de março de 2007

Voto distrital: devagar com o andor

Publicado no jornal Folha de São Paulo em 16 de março de 2007.


FÁBIO ULHOA COELHO

Importa discutir esse item da reforma política tendo clareza do notável impacto que o voto distrital pode trazer às contas públicasA ADOÇÃO do voto distrital no Brasil tem sido apontada, nos debates sobre a reforma política, como solução para diversos problemas que afetam o modelo proporcional na escolha de deputados e vereadores. Os que advogam essa tese dizem que o voto distrital proporcionaria maior aproximação entre o eleito e os eleitores, aumentando em decorrência o controle sobre a atuação parlamentar. À crítica de que o voto distrital paroquializa as eleições, na medida em que os candidatos tendem a se preocupar com os assuntos específicos do seu distrito, os defensores do modelo lembram o voto distrital misto, em que se elegem também candidatos com plataformas de alcance mais abrangente. E à objeção de que a divisão do país em distritos eleitorais (e revisões periódicas) envolve inevitável discricionariedade, que pode implicar favorecimentos a uns partidos ou políticos em detrimento de outros, os entusiastas do voto distrital se esquivam. Minha preocupação, aqui, não é tanto discutir os méritos e deméritos dos sistemas proporcional e distrital, mas indicar algumas das dificuldades que o Brasil, por suas dimensões, certamente enfrentaria caso o voto distrital viesse a ser realmente implantado por aqui. Somos os brasileiros mais de 125 milhões de eleitores. A Câmara tem 513 deputados federais. Se não aumentar o número de parlamentares nessa casa, cada distrito deverá contar com cerca de 244 mil eleitores. Isso significa que a cidade de São Paulo, com seus quase 8 milhões de eleitores, será dividida em 32 distritos. Já o Estado de Roraima, onde estão alistados 233 mil eleitores, corresponderá a um distrito somente. A representação do Estado de São Paulo, nesse cenário, aumentaria dos atuais 70 para 114 deputados. Já as bancadas dos Estados do Amapá, Acre e Roraima seriam reduzidas de 8 para 1 ou 2. Rondônia passaria a ter 4, e Sergipe, 5 representantes. Como, no entanto, será muito difícil aprovar o aumento significativo da representação paulista e a redução de outras bancadas, haverá duas saídas somente. A primeira: cada unidade da Federação terá distritos com número diferente de eleitores. São Paulo seria retalhado em 70 distritos, cada um com cerca de 400 mil eleitores; Roraima, por sua vez, teria 8 distritos, com pouco menos de 30 mil eleitores cada. A segunda saída seria o aumento do número de deputados. E é nisso que reside o maior problema do sistema de voto distrital para o Brasil. Nos países que o adotam, os números são bem diferentes. Em Portugal, onde existem os chamados distritos de média magnitude ("círculos"), há 8 milhões de eleitores para 230 cadeiras (35 mil eleitores por cadeira). Na Alemanha, em que o voto distrital é misto, são cerca de 65 milhões de eleitores para 603 cadeiras (107 mil eleitores por cadeira). Se no Brasil vingar o voto distrital misto, reservando-se 256 cadeiras para as listas dos partidos, a média dos eleitores por distrito será 488 mil -13 vezes maior que a do distrito português e quase cinco vezes a do alemão. Em suma, se não for consideravelmente aumentada a quantidade de deputados, o número de eleitores médio de cada distrito brasileiro será tão grande (meio milhão!) que a tão almejada proximidade deles com os seus representantes restará seriamente diluída. Mas é realmente o caso de dobrar ou quadruplicar o número de deputados federais para que o distrito possa alcançar o seu objetivo? Quanto custará para o país sustentar, só no âmbito federal, mais 500 (voto distrital simples) ou 1.500 (voto distrital misto) parlamentares? É importante discutir esse item da reforma política tendo clareza do extraordinário impacto que o voto distrital pode trazer às contas públicas. O dilema circula entre aumentar bastante o tamanho da Câmara dos Deputados para que o distrito realmente aproxime eleitores do representante (arcando com os custos, econômicos e políticos, da medida) ou mantê-la com seu tamanho de hoje, sacrificando a essência do sistema. Como quer que se resolva o dilema, sua implantação dará ensejo a disputas de difícil administração política e jurídica na definição e periódicas redefinições dos limites de cada um dos distritos. O problema dos distritos grandes é que eles impedem exatamente aquilo que deveriam propiciar: a aproximação do representante e seus representados. Devagar com o andor do voto distrital, portanto, que as contas públicas são de barro. O Brasil é muito grande para ser eficazmente "distritalizado".
FÁBIO ULHOA COELHO, advogado, doutor em direito, é professor titular de direito da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). É autor, entre outras obras, de "Roteiro de Lógica Jurídica".

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