quinta-feira, 20 de agosto de 2009

As 3 faces dos partidos políticos

Bruno Bolognesi

O Partido dos Trabalhadores sofreu nesta semana dois ataques de fogo-amigo que parecem ter atingido em cheio não só o partido, mas o lulismo em si. Se de um lado isto mostra uma lacuna de controle deixada por parte do presidente Lula, por outro mostra que o PT ainda está ligado aos setores ideologizados que desequilibram e sustentam as organizações partidárias.

A saída da ex-ministra e senadora Marina Silva mostra que o PT perdeu um quadro importante para o mercado eleitoral. A senadora não saiu do partido apenas porque o mesmo não oferece sustentação para um projeto de "Brasil sustentável". Até porque, o PV, provável destino político da senadora, parece não oferecer o projeto da mesma forma, a não ser no discurso. A saída da senadora reflete uma percepção de mercado eleitoral que está também dentro do PT. A oportunidade de ser vista é esta, disputando votos na próxima eleição com sua "desafeta" a ministra chefe da casa civil Dilma Roussef.

Por outro lado, a estratégia política do senador Mercadante toma outra face do partido que não sua relação com o poder. Se a senadora Marina Silva deixou o partido, buscando um encontro mais próximo do poder, o senador Mercadante parece estar preocupado com a base do partido. O anúncio de sua saída como líder do partido no senado, deixou o presidente Lula preocupado com a posição que Mercadante deu de destaque ao PT, passando por cima do lulismo e da obediência ao governo.

Isso nos remete a uma nova tese que cerca os partidos políticos. Muito tem se falado na imprensa e nos círculos acadêmicos sobre a queda dos partidos políticos. Porém o que não é dito é que apenas uma face dos partidos parece estar ruindo. Os modelos de partido de massa já não cumprem mais o ideal dos partidos ao redor do mundo. Vale dizer que os partidos estão preocupados com três coisas: a relação com o poder (ocupando cargos nos gabinetes); a relação com a burocracia partidária (mantendo assim viva a instituição) e; a relação com a sociedade (alimentando a base ideológica do partido).

Assim os exemplos conjunturais que dei acima só servem para expor dois fatos interessantes sobre as formas de organização e adaptação das organizações partidárias. A saída de Marina Silva mostra a preocupação de um partido estritamente ideológico com a tomada do poder. É na figura de Marina que o PV encontrou lastro (assim como o ex-petista, Fernando Gabeira) para investir em suas relações com o Estado. Não menos responsável é a atitude de Mercadante com o PT. O senador busca manter a coerência com a base da legenda, diante dos assuntos relacionados ao escândalo do também senador José Sarney, acorbertado pelo presidente Lula e sua base mais volátil. Mercadante almeja um retorno estratégico de seu mandato à militância, traçando um cálculo preciso de seus ganhos pessoais e sua relaçao com a corrente petista da qual faz parte.

Ambos os casos servem também de exemplo para mostrar diferentes modos como os partidos mantém sua estrutura e coesão interna, fazendo que perdurem no tempo como organização. A ida da senadora para o PV reestrutura o partido como instituição e o "retorno às massas" do senador promove uma distribuição de poder no interior do partido, desequilibrada com o jogo legislativo entre governo e oposição.

Segundo os teóricos dos partidos políticos, é desta assimetria que as organizações usam para sobreviver. É na balança entre base e poder, entre burocracia e militância, entre Estado e sociedade, que os partidos salvaguardam sua própria existência.

15 comentários:

Celso Roma disse...

Bruno, você tem carradas de razão. O que está em crise é um modelo de partido político. A sua análise está sintonizada com os trabalhos de Kaare Strom sobre os partidos europeus. Baseado na teoria da escolha racional, o autor analisou como os líderes dos partidos tomam decisões difíceis, conjugando objetivos que, em determinados momentos, são incompatíveis: implantar o programa, conquistar votos e exercer o governo.

Bruno Bolognesi disse...

Celso, justamente. Esse livro é excelente. Em especial o artigo do Strom. O livro todo trata de organização partidária e vale a pena ler a inrodução do Lawson (organizador do livro) sobre os partidos são mais do que captadores de votos....

Abraços,

Lucas Massimo disse...

Bruno e Celso, eu não acompanho o debate teórico sobre partidos, mas interessa-me saber em qual livro organizado pelo Kay Lawson aparece o capítulo do Kaare Strom. O post ficou excelente, sobretudo pela ilustração da tese da transformação do partido de massa a partir da conjuntura político-partidária brasileira.

Bruno Bolognesi disse...

Grande Lucas, a referência completa é:

LAWSON, Kay. (1994). How political parties work. Perspectives from Within. London: Praeger Publishers.

Caso queira, avise-me que mando cópia ou tu pega no próximo encontro nosso.

Abraço

Celso Roma disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Celso Roma disse...

Prezados
Além da referência acima, sugiro o texto: STROM, Kaare. (1990), “A behavioral theory of competitive political parties”. American Journal of Political Science. 34 (1): 593-613, maio.
Saudações

Bruno Bolognesi disse...

Da FOLHA de hoje:
"PV vive tensão entre purismo e pragmatismo"

Celso Roma disse...

Você diagnosticou com propriedade o problema com o qual o PV tem de lidar. Os líderes dos partidos precisam tomar decisões difícieis.

Bruno Bolognesi disse...

Pois é Celso, temos que cumprir esse papel de desmistificar os partidos políticos. Logo será o PSDB na retomada da militância.

Celso Roma disse...

Nesse caso, precisamos tomar o cuidado para não derrubar um mito e apresentar outro em seu lugar. Assim, não se avança muito.

Bruno Bolognesi disse...

Não sei se se trata de colocar outro mito, mas é o equilíbrio entre as partes. Começou com a estória das prévias. E acho muito justo o partido retomar a sua base diante de uma crise de identidade ou qquer outro caso que o valha.

Celso Roma disse...

O termo "estória" expressa um ato falho (cf. Psicanálise). As prévias ainda não foram realizadas até o presente momento. Ao longo de 21 anos, o PSDB concentrou decisões na liderança do partido, relegando a militância ao segundo plano. Isto criou problema quando surgiram mais de um postulante para disputar a presidência da República. Para unir o partido e evitar clivagens regionais (SP x MG), os líderes recomendaram a realização de prévias, uma alternativa presente no estatuto do PSDB. Disto, emergem vários desafios: como será realizada a consulta? Quem poderá votar? Como os votos serão contados?
Eu não acho nem justo nem injusto o PSDB consultar as bases. Não sou militante nem funcionário do partido. Se o PSDB realizar prévias em 2010, os analistas poderão estudar como os líderes, diante do desafio de unir o partido para a disputa de uma eleição nacional, mudaram uma das regras de convivência entre os partidários.
Saudações

Bruno Bolognesi disse...

Celso, é isso mesmo. Eu também acho justo, apesar do suposto ato falho. Tem um artigo do Hazan que é sobre como os partidos israelenses mudaram a forma de consulta às bases em momentos de crise. Não digo que isso se aplica ao caso brasileiro, e especialmente ao PSDB. Mas sem dúvida da indicativos sobre os determinantes do evento.
Um abraço,

Ref. REFORMING CANDIDATE SELECTION
METHODS:A Three-Level Approach

Shlomit Barnea and Gideon Rahat
In: Party Politics, 2007.

Bruno Bolognesi disse...

Desculpem o erro. É Barnea e Rahat. O problema é que o Hazan sempre escreve junto....

Celso Roma disse...

Ainda não fui à USP. Por isso, ainda não consegui baixar o texto do Strom. Da minha casa, eu não tenho acesso ao sistema Periódicos CAPES. Eu não conhecia o texto de Barnea e Rahart. Vou dar uma olhada. Obrigado pela dica. Saudações