segunda-feira, 29 de junho de 2009

Eleições na Argentina - parte 1


[Eva Perón, 1949. Paso de los Libres,
Argentina.
José Medeiros.
col. Pirelli / MASP]



Camila Tribess*

Cerca de 30 milhões de pessoas vão hoje (domingo, 28 de junho) às urnas na Argentina para renovar metade da Câmara e 1/3 do senado. Essas eleições, que seriam só no final de outubro, foram adiantadas por uma série de motivos, a principal delas, a dificuldade que o governo Kirchner vem enfrentando após o conflito com o campo. O conflito agrário, iniciado em março do ano passado se estendeu até fins de setembro e terminou com votação tensa e dividida no Congresso. O conflito começou por uma medida do governo que tentava aumentar gradualmente os impostos sobre a produção agrária, principalmente a de exportação, como soja e carne. Esse imposto seria mais rigoroso para os exportadores, mas também aumentaria a carga tributária de grandes e médias produtores rurais que produzem para o consumo interno do país. Esse imposto, segundo as organizações agrárias, aumentaria os preços dos alimentos em toda a Argentina. Quem, por fim, decidiu de fato a questão foi o voto de minerva de Cobos, vice-presidente do país e presidente do senado, que votou contra a lei do governo, garantindo sua popularidade, por um lado e, ajudando a implodir medidas de reforma tributária do governo, por outro.

Depois desse conflito (com rodovias fechadas por “piquetes” de fazendeiros com suas pick ups 4x4, mas também com a ajuda dos pequenos e médios agricultores), com grande repercussão na mídia e na população, o governo Kirchner perdeu muito de sua popularidade. A direita do país se fortaleceu na organização rural, principalmente na província de Santa Fé (3ª maior do país) e em províncias rurais de grande importância política e econômica. Em compensação, a esquerda perdeu muito de seus argumentos e até aqueles que eram, em certa medida, uma oposição à esquerda do governo peronista atual, se calou, por medo de fortalecer ainda mais a direita agrária. As dissidências do Partido Justicialista (no governo) cresceram ainda mais de setembro pra cá e quase nenhum projeto do governo está sendo aprovado no congresso.

A tática Kirchner de adiantar as eleições foi arriscada, mas talvez a única possível. Nestor Kirchner, o ex-presidente, é candidato favorito pela província de Buenos Aires (que não inclui a cidade de Buenos Aires), encabeçando a lista governista, que disputa ponto a ponto com outra lista do mesmo partido, a dos peronistas dissidentes. Nestor encabeça a lista, mas não pretende assumir nenhuma cadeira no congresso, está usando um dos recursos que a constituição argentina permite, colocando seu nome na cabeça da lista para angariar mais votos. Se a tática funcionar, o governo Kirchner garante sua governabilidade por mais 2 anos e, provavelmente, sua reeleição. Entretanto, se o kirchnerismo perder a maioria no congresso, o risco é de 2 anos de um governo engessado e imóvel.

*Camila Tribess é pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira (NUSP-UFPR)

A cultura organizacional das Universidades

[Edifício, c. 1948. Thomaz Farkas.
col. Pirelli/MASP]


Publicado na seção 'Opinião' da Revista Carta na Escola de junho de 2009.

Renato Perissinotto*

"Sejam quais forem os termos da comparação, acreditamos que as universidades públicas poderiam produzir mais e com melhor qualidade se alguns de seus problemas organizacionais pudessem ser resolvidos pela comunidade acadêmica.

Certamente, a maior parte dos professores, funcionários e alunos das universidades públicas exerce adequadamente suas responsabilidades funcionais. No entanto, conversas informais com colegas de diversas instituições revelam problemas recorrentes: todos reclamam de professores que se recusam a dar aula e a assumir funções administrativas, funcionários que faltam ou trabalham bem menos do que deveriam, telefones que tocam incansavelmente sem que ninguém os atenda, funcionários que perdem processos; cidadãos que, sistematicamente, dão com a cara na porta quando precisam de um determinado serviço, dentre outros “incômodos”. Essa situação sugere a existência de uma “cultura organizacional”, caracterizada fundamentalmente por um desinteresse pelo “serviço público”, que, no dia a dia, afeta profundamente o funcionamento e o desempenho institucionais. Algumas razões, a nosso ver, ajudariam a entender melhor este fenômeno. "

*Renato Perissinotto é professor de ciência política da UFPR.

Leia o artigo na íntegra clicando aqui.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Uma onda conservadora na Inglaterra


Celso Roma*

Valor Econômico 26, 27 e 28 de junho de 2009

No último dia 04, coincidindo com a eleição para o Parlamento Europeu, os ingleses escolheram os seus representantes para o governo local. Foram realizadas votações em 27 conselhos municipais e sete autoridades unitárias da Inglaterra. O controle sobre esta divisão administrativa do país é importante para os partidos políticos porque ela envolve a provisão de serviços públicos, como transporte, educação e seguridade. Mas a eleição deste ano não se limitou a essa problemática. A agenda incluiu dois temas que definiram o voto do eleitor, sejam eles a crise no gabinete do primeiro-ministro Gordon Brown e as denúncias de mau uso das verbas públicas por parte de alguns parlamentares. Isso é tão verdadeiro que o novo quadro partidário projeta alternância de poder no Parlamento.

A apuração dos votos confirmou o avanço dos conservadores em quase todo o território. Superados por seus adversários e os liberal-democratas, os trabalhistas figuram como terceiro colocado nessa eleição, registrando um dos piores desempenhos de sua história. Segundo a estimativa da BBC, o Partido Conservador alcançou 38% do número total dos votos; os Liberal-Democratas, 28%; o Trabalhista, 23%; e o restante, 11%.

A diferença entre os partidos se torna mais evidente quando se leva em conta o número de assembleias e de cadeiras que eles controlam. Em sistema baseado em voto distrital e lista fechada, com regras majoritárias, o poder dos partidos nem sempre corresponde ao número de votos que eles logram nas urnas. A fórmula de conversão de votos em cadeiras premia o partido mais votado, concedendo-lhe a posse de todos os cargos em disputa. O resultado desse processo determina em que medida os partidos venceram ou perderam uma eleição. A tabela em destaque mostra o desempenho efetivo dos partidos.


Os conservadores são maioria absoluta em 30 das 34 assembleias municipais. Dos 2.362 cargos de conselheiros, eles preenchem 1.531 (64,8%). O partido expandiu o tamanho da bancada, consolidando a liderança. Os liberal-democratas controlam uma autoridade unitária e somam 484 conselheiros (20,5%). Se, por um lado, eles foram vencidos em duas localidades onde eram maiorias, por outro, conseguiram manter a proporção de conselheiros eleitos anos antes. Os trabalhistas, além de não conseguirem vencer sequer um conselho municipal, perderam os quatro que possuíam. Para agravar a situação, o partido elegeu 178 conselheiros (7,5%), reduzindo fortemente a sua representatividade.

Outras organizações também competiram pelo voto dos eleitores. Entre elas, destacam-se os partidos Verde, Nacional Britânico, Independente, Mebyon Kernow e Liberal e os grupos apartidários – por exemplo, Associações de Moradores – organizados em torno de assuntos de interesse das comunidades. Entretanto, quem não tem filiação partidária tradicional tende a perder as eleições. Pequenos partidos e independentes, juntos, filiam 7,2% dos conselheiros e não constituem maioria em nenhuma assembleia municipal. Os três maiores partidos controlam todos os conselhos e as autoridades, contabilizando em seus quadros 92,8% do total de conselheiros. Nem o insucesso dos trabalhistas alterou de maneira significativa a divisão de cadeiras entre os grandes e os pequenos partidos. Nas eleições deste ano, de cada dez cadeiras realocadas, os conservadores levaram oito. As novas formas de mobilizar eleitores não fazem frente aos partidos tradicionais.

Nenhum partido obteve a maioria absoluta das cadeiras em dois conselhos municipais e uma autoridade unitária, propiciando, para assim dizer, assembleias equilibradas em forças partidárias. Em contraste com as reuniões em que há um vencedor claramente definido, estas não têm. Elas permanecem em estado de incerteza até que os partidos formem um governo de coalizão. Se isto não ocorre, a instabilidade persiste, seja com a formação de um governo minoritário seja com a possibilidade, como recurso extremo, de dissolução da assembleia; duas ocorrências raríssimas no modelo inglês.

A derrota dos trabalhistas na eleição provocou mudança no governo de Gordon Brown. Seu gabinete está sendo reformulado, após vários ministros terem abandonado o cargo. Estão sendo sugeridos novos instrumentos para monitorar os gastos dos parlamentares. E a preocupação do governo para com os eleitores prossegue. O primeiro-ministro não deixou o cargo ou dissolveu o Parlamento, convocando eleições, justamente para evitar que o Partido Trabalhista seja derrotado outra vez. A estratégia pode ser eficaz somente no curto prazo. As eleições gerais, se não forem antecipadas, têm data prevista para 2010. Os ingleses já manifestaram a sua insatisfação com o atual governo e, de acordo com a projeção dos institutos de pesquisa, ensaiam repeti-la no próximo sufrágio. A se confirmar essa tendência, os conservadores devem retomar o controle do Parlamento.

Esta eleição, embora restrito a um caso, enseja aprendizado. Escândalo na política não é exclusividade de países presidencialistas com eleições legislativas baseadas em lista aberta de candidatos e regra proporcional para distribuição de cadeiras. Países que são tomados como modelo por reformistas também estão sujeitos ao problema da malversão do dinheiro público. As instituições políticas, por mais bem desenhadas, não impedem o desvio de conduta por parte dos representantes da sociedade. A vigilância dos eleitores é o mecanismo que se revela mais eficaz para promover a ética na política.

* Celso Roma é doutor em Ciência Política pela USP

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Piquetes, apatia, participação e ainda, a mídia - debate


[Cinelândia, 1968, Rio de Janeiro.
Pedro de Moraes. Pirelli/Masp]


No post abaixo, sobre a ação policial contra os manifestantes da USP, surgiu um debate sobre uma série de questões envolvendo problemas da organização política da universidade brasileira e outros tópicos interessantes:

Por Mônica
"Veja bem, Luiz, não foi assim que as coisas aconteceram... não havia ocupação da reitoria quando a polícia foi chamada, e os piquetes estavam bem limitados (e "pacíficos", como gosta quem acha que vive em uma democracia em que as relações de força são simétricas, permitindo o glorioso debate). A reitoria tentou se instalar no IPEN (área militar) e em outra fundação... como sempre fez - as atividades burocráticas NUNCA pararam. A questão não é essa.
A polícia passou da conta? É uma questão de medida - tipo, um pouquinho menos "tudo bem"? Sim, claro, como você disse, não se trata de uma posição política, aqui...
[...]
Quando há ocupação, a reitoria trabalha em outro prédio. A questão é política.
Luiz, o piquete que estava lá na reitoria antes da chegada da polícia era de funcionários, que já estavam em greve, e não de estudantes. E a reitoria não pode trabalhar com hipóteses: isso jamais justificaria a entrada da PM. Estava tudo bem, a greve inclusive estava bem fraca, e um dia acordo, no crusp, desço e eis que vejo vários homens da Força Tática (sem identificação...), três carros dos bombeiros no final da rua da reitoria (um de socorro, sabe?), e viaturas da PM para todos os lados. Que tal?
[...]
Minha humilde opinião é a seguinte: os piquetes pretendem assegurar que todos aqueles que queiram, possam efetivamente participar da greve. Explico. Há uma espécie de violência que não é esta violência física e direta que se pode identificar na ação da polícia e às vezes nas ações dos grevistas (embora haja diferenças gritantes). Trata-se de uma violência apoiada em relações de poder e constrangimentos que não pode ser negada. Quem já participou de uma greve sabe bem disso. O constrangimento moral acontece entre os professores, dos professores com alunos ("vou dar aula e pronto, que quer ir, vá... só tem prova semana que vem"), com os funcionários então! Bom, acho que isso dispensa exemplos. Assim, os piquetes servem justamente para evitar esses constrangimentos morais, essa violência silenciosa, para que aqueles que querem realmente possam fazer greve, participar das assembléis, discussões, manifestações."

Para as demais intervenções no debate, clique aqui.

Comentário meu:

A intervenção acima me pareceu importante - pelo relato apresentado e também por uma posição pouquíssimo vista fora da universidade. Daí que o debate parece frutífero, mas ainda resta incrementá-lo, e outras posições devem ser incorporadas. Qual seria, então, a direção causal da relação entre descolamento da ação dos líderes políticos e demais atores (os apáticos) no interior da universidade? Será a intimidação simbólica e institucional - por meio de sanções como faltas e perda de avaliações - responsável pela baixa adesão aos protestos, levando ao uso dos piquetes como uma ação pragmática em defesa das pautas e que minimize as sanções institucionais? Ou será que é a indiferença da maioria dos membros da comunidade a responsável pela radicalização das entidades na ânsia de defender suas demandas num quadro de baixa "consciência" dos estudantes, técnicos e professores? Ou seria o contrário disto, ou seja, a radicalização excessiva dos líderes um dos elementos a espantar um debate mais matizado, uma agenda mais realista e um apoio mais massivo às manifestações?

As posições a esse respeito podem decantar em saídas que cruzem estes dilemas em nome de respostas mais matizadas e frutíferas.

Sobre o aumento da produção científica nacional


[Cacto, 1994. Marcelo Lerner.
col. Pirelli/MASP]



Revista Pesquisa FAPESP Online - 12-05-2009.

Em texto publicado hoje na seção Tendências/Debates do jornal Folha de S.Paulo, Rogerio Meneghini, coordenador científico da biblioteca eletrônica SciELO Brasil e especialista em cienciometria, explicou por que o número de artigos científicos escritos por pesquisadores brasileiros aumentou 56% na base internacional de dados Thomson Reuters-ISI entre 2007 e 2008. Segundo Meneghini, o aumento é real, mas se deve basicamente ao fato de mais revistas científicas nacionais terem sido recentemente incorporadas à base Web of Science-ISI, utilizada nesse levantamento.

"Em 2006, eram 26 (revistas). Essa quantidade passou para 63 em 2007 e para 103 em 2008. Um aumento insólito, em contexto mundial: o número quadruplicou em dois anos! Qual seria a explicação para isso? " escreveu Meneghini no diário paulista. "A Thomson Reuters-ISI é uma empresa comercial, visando lucro, mas buscando manter a imagem de indexar o núcleo das melhores revistas científicas do mundo (10 mil entre 100 mil). Segundo a própria empresa, a sua política de seleção continua sendo a de medir o impacto por meio das citações dos artigos das revistas, mas iniciou um procedimento de espraiar o universo das revistas do ponto de vista regional e temático. O Brasil certamente marcou ponto nos três itens. Com isso, o número de artigos em suas revistas aumentou de 4.056, em 2007, para 12.502, em 2008".

Leia o artigo de Meneghini aqui.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Pancadaria na USP

As universidades estaduais paulistas (USP, Unicamp e Unesp) estão em greve de professores, técnicos e estudantes. Dentre reinvindicações saláriais (16%), reintegração de um líder sindical demitido em movimento anterior e algumas outras, a greve adiquiriu uma proporção muito maior do que as tradicionais greves universitárias, na USP. Algumas unidades montaram os tradicionais piquetes para impedir que outras unidades transitassem e desenvolvessem as atividades acadêmicas. A reitora da USP, Suely Vilela, providenciou um mandato judicial para que a Polícia Militar pusesse fim aos bloqueios no Campus do Butantã. E o resultado está no vídeo abaixo.


USP, 9-06-2009

Mais uma vez, por mais que a prática dos piquetes seja abusiva e mesmo defasada, o que a PM fez passou da conta. Não se trata de uma posição política, aqui. Achar estas imagens um absurdo não implica assumir a agenda dos piqueteiros. Levada pelo receio das ocupações passadas, a reitora preferiu chamar a polícia e evitar que as atividades burocráticas parassem. Ficou demonstrado, mais uma vez, a inabilidade política da dirigente em lidar com um tipo de fato relativamente corriqueiro no âmbito de sua profissão. Se os piquetes são discutíveis, este tipo de resposta também é.

Aqui há uma compilação com alguns artigos de posições divergentes sobre o assunto, de jornalistas e professores universitários.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

O debate sobre a Lei do Aborto na Espanha

[Mother and baby in farming village. Duong No, Vietnam, 1961. John Dominis. Life]

O artigo abaixo retrata o trâmite da reforma da Lei do Aborto no Congresso espanhol. A lei é extremamente polêmica, pois, se for aprovada, permite aos menores de idade praticar o aborto sem o consentimento de seus pais ou responsável legal. Diante de um assunto tão controverso, os partidos marcaram posições que correspondem às suas ideologias.

O Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), que exerce o Governo, é a favor da reforma da legislação, no sentido de permitir que o aborto seja praticado livremente, enquanto o Partido Popular (PP) é contra, defendendo as regras em vigor. Os pequenos partidos, à esquerda (ex.: CiU, ERC-IU) ou à direita (ex.: UPN), aliam-se aos dois grandes. Os democrata-cristãos tiveram liberdade de voto nessa questão, devido ao conflito que se apresenta entre consciência individual e filiação partidária.

As votações no Congresso espanhol seguem linhas partidárias bem definidas. Deputados votam de acordo com o encaminhamento dos líderes do partido. As taxas de disciplina partidária, se fossem calculadas, atingiriam o valor máximo. Tanto, que o fato de uma deputada se abster da votação chamou a atenção da imprensa. Destaca-se, também, o modo como os partidos usam as regras do jogo em prol de seus projetos políticos.

| Jornal El Mundo (Espanha) 16/06/2009 I

Com colaboração da Efe e Europa Press

O Congresso rejeita, por ampla maioria, prorrogar a reforma da Lei do Aborto

* Um deputado não segue o encaminhamento do líder do PP e se abstém da votação

* A moção teve 160 votos a favor, 183 contra e duas abstenções

O Plenário do Congresso rejeitou a proposta apresentada pela Unión del Pueblo Navarro (UPN) de adiar a tramitação da reforma da Lei do Aborto, patrocinada pelo Governo. A moção, votada por 345 deputados, teve um total de 160 votos a favor, 183 contra (sete acima da maioria absoluta) e duas abstenções. Foram registradas cinco ausências, incluindo a do presidente do Governo, José Luis Rodríguez Zapatero.

A iniciativa da UPN pedia ao governo para prorrogar a reforma da Lei do Aborto. O autor da proposta, ao lembrar-se dos 112.000 abortos que são realizados a cada ano na Espanha, argumentou que estava apoiado em "amplo consenso social, político e parlamentar" para a mudança da lei, no sentido de garantir o respeito à liberdade e dignidade humana.

O PSOE, o PNV e o ERC-IU-ICV votaram contra a proposta de "interpelação urgente", enquanto o PP, UPN, oito dos dez membros da CiU e um da CC votaram a favor. Os deputados da CiU tiveram liberdade de voto: os quatro democrata-cristãos da Unión (UDC), apoiaram a retirada da reforma do aborto, bem como os quatro membros da Convergencia (CDC). Os outros dois filiados da CDC rejeitaram a moção. Um deputado da UPyD se absteve, assim como fez a quarta secretária da Mesa Diretora do Congresso e uma deputada popular, que não seguiu os votos de seu grupo.

A moção do Grupo Misto, apresentada por um deputado da UPN, instava o governo a prorrogar a tramitação da reforma da Lei do Aborto até que ocorresse "uma reflexão calma e um debate enriquecedor sobre assunto que merece abordagem multidisciplinar".

A porta-voz do Ministério da Igualdade e deputada do PSOE disse que a proposta da UPN, tão aplaudida pelo PP, "é uma manobra para obstruir o projeto de lei", mas sublinhou que "ela não vai dar em nada". "Eles se apegam ao argumento do consenso, mas, na verdade, querem que o aborto seja uma questão para o código penal e que as mulheres não possam decidir sobre a sua maternidade". E acrescentou que "a obrigação do Governo é a de fazer, durante o processo parlamentar, a melhor lei possível".

Uma deputada do PP tem defendido uma emenda de transição – que, em última análise, não foi incluída na votação –, relativa ao Plano das Comunidades Autônomas, com a finalidade de oferecer mais informações às mulheres sobre as possibilidades de gravidez. Ela afirmou que a reforma da Lei do Aborto criou "uma profunda fratura na sociedade" e que o governo a tem defendido com base em "premissas falsas", porque hoje nenhuma mulher vai para a prisão por praticar um aborto. "O meu grupo está indignado porque uma criança com menos de 16 anos poderá fazer abortos sem o consentimento de seus pais", disse a deputada popular, que lembrou que a reforma não constava no programa eleitoral do Governo.

O grupo PNV concorda que "é verdadeira" a alegação de que o PSOE não apresentou em seu programa eleitoral a aludida reforma da Lei do Aborto, mas acusa a UPN de haver pretendido se adiantar ao PP neste debate para mostrar "a radicalização de sua postura".

Um deputado da ERC-IU-ICV disse que a moção pretendia apenas "tumultuar o processo" e aumentar o número de contrários ao projeto, pois seus adversários não se conformam com o que está previsto na reforma atual. Ele aproveitou para mandar um recado para o Governo: "Somos imprescindíveis para a aprovação desta reforma".

(Tradução minha, Celso Roma)

terça-feira, 16 de junho de 2009

Voto obrigatório vs. facultativo


[Irradiação, 1983, Eduardo
Salvatore.
Pirelli/Masp]

A Gazeta do Povo publicou hoje na seção "opinião" dois artigos, em forma de debate (a favor e contra) a respeito do voto obrigatório.

Pela liberdade de ir às urnas - Fabricio Tomio

"Há diferentes argumentos, favoráveis ou contrários, à obrigatoriedade do voto. Os menos robustos invocam motivos estatísticos e, geralmente, advogam contra o voto obrigatório porque somente cerca de 10% dos Estados nacionais o instituíram. Excentricidades institucionais existem inúmeras no mundo. E, se refletirmos historicamente, os próprios direitos fundamentais, que a meu ver são o fundamento para a associação entre liberdade de expressão e o direito livre de voto, já foram pouco frequentes. De fato, a cerca de meio século, uma minoria de países, não muito superior aqueles que obrigam os cidadãos hoje a votar, garantiam plenamente esses direitos fundamentais aos seus cidadãos.
[...]
Mais do que isso, há um problema político-jurídico prático derivado do voto obrigatório: qual é a sanção aceitável para coagir os indivíduos a votar? Na maior parte das duas dezenas de países que mantêm o voto obrigatório, as sanções são inexistentes, simbólicas ou extremamente moderadas, envolvendo, no máximo, pequenas multas pelo não comparecimento. A legislação brasileira, por outro lado, prevê as mais elevadas sanções para os cidadãos refratários ao alistamento e comparecimento eleitoral. O descumprimento do voto obrigatório no Brasil pode implicar na perda de direitos políticos, civis, trabalhistas e sociais. Ou seja, o custo de exercer a liberdade de expressão pode chegar à perda da cidadania. Nesse sentido, pragmaticamente, além de defender a liberdade do ato de votar, sou favorável a mudança na legislação para reduzir a extensão das sanções, explicitamente autoritárias, aplicadas contra o exercício da liberdade."



Voto obrigatório, benefício coletivo - Luiz Domingos Costa

"A defesa do voto voluntário ou facultativo pode apresentar uma gama variada de argumentos. Destacamos os seguintes: 1. Trata-se de excessiva interferência do Estado na vida individual, já que o voto, sendo um direito do cidadão, deve ser abdicado por aqueles que não estejam com disposição em de exercê-lo. Não deve ser, por esta visão, uma obrigação formal.

2. Quanto mais voluntária a decisão de votar, melhor a qualidade do voto: candidatos e partidos devem convencer os eleitores a comparecer às seções eleitorais.

[...]

Em segundo lugar, entretanto, existe também o problema da qualidade do voto e não apenas o da quantidade. Diz-se que o voto voluntário é mais qualificado, mais informado, mais interessado, diferenciado em relação aos votantes compulsórios, forçados, encurralados pelo Estado e que facilmente compráveis com santinhos, imagens ou slogans. Mas, paradoxalmente, os estudos demonstram o efeito de educação política das eleições sobre o cidadão. A eficácia política (ou o sentimento de influir nos resultados políticos, mesmo a contragosto) tem forte impacto no incremento das habilidades cívicas ao longo dos anos. Ou seja, curiosamente, tem sido demonstrado que o voto (em eleições confusas, poluídas e cheias de problemas reais) são um dos principais laboratórios para a melhoria da participação político-eleitoral."

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Para acessar os dois artigos na íntegra, clique nos links dos títulos de cada um.

sábado, 6 de junho de 2009

A reeleição e as falácias dos políticos

[Haruo Ohara. Londrina, 1950-1952. Pirelli/Masp]

Gazeta do Povo

06/06/2009 | Adriano Codato e Luiz Domingos Costa

O apoio “popular” à possibilidade de o presidente Lula disputar já no ano que vem mais um mandato e a expectativa, na base, de que ele vença facilmente a eleição dá o que pensar.

Existem três falácias embutidas no argumento a favor do continuísmo. A primeira diz respeito ao “clamor popular”. O conceito de democracia supõe, evidentemente, que se atenda à vontade dos eleitores. Mas não é apenas isso caracteriza o regime liberal-democrático. Outros elementos são fundamentais na definição e na prática da democracia ocidental. Dentre esses, a alternância no poder e a estabilidade das regras do jogo.

É necessário que um candidato derrotado nas urnas entregue o governo aos opositores quando estes forem vencedores. Paralelamente, a oposição tem de acreditar que um governante, na iminência de perder seu mandato nas urnas, não vire a mesa e desfaça o acordo legal e tácito de que o próximo vencedor assume o poder. Este tipo de confiança, fundamental para garantir a alternância no poder, só existe com base na fé de todos na legalidade e na legitimidade das regras do jogo.

Por isso um líder ou um partido que altera as regras do jogo em benefício próprio sabota dois princípios fundamentais da democracia representativa, pois abala tanto a confiança que a classe política deposita no tipo de jogo (a democracia como método de seleção de líderes) quanto a confiança popular na natureza do jogo (a democracia como um valor político generoso).

Os políticos e os partidos intuem que a chance de ganhar eleições e assumir o poder é uma das principais garantias não só de que continuem disputando, mas que haja disputa (isto é, democracia). Paradoxalmente, a democracia, como bem público, é o resultado indireto do interesse privado dos políticos no sucesso da própria carreira.

A manutenção das regras e a mudança de líderes são fundamentais para assegurar não só a reprodução política dos políticos profissionais, mas a legitimidade do sistema. Bem ou mal, essa é a causa da estabilidade democrática. Não é só uma tara jurídica ou uma miragem liberal, mas uma garantia contra eventuais tiranias, populares ou não.

A segunda falácia diz respeito à submissão do tema da reeleição a um plebiscito popular agora. Há aqui um problema menos de forma (o plebiscito como método de consulta) do que de oportunidade.

leia mais aqui

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Novo Boletim sobre a participação política feminina

[March 1953. Yale Joel. Life]

O Núcleo de Estudos sobre o Congresso (NECON-IUPERJ) lançou o seu segundo boletim eletrônico que continua tratando da representação parlamentar das mulheres.

Como dizem as autoras do artigo, Claudia Teixeira dos Santos, Joana Emmerick Seabra e Patrícia Rangel:

"O primeiro boletim sobre a participação política das mulheres no Parlamento brasileiro abordou o desenvolvimento histórico da bancada feminina no Congresso, suscitando pontos pertinentes a respeito da sub-representação parlamentar feminina no mundo e no Brasil em particular. Uma das conclusões apresentadas foi a de que esta sub-representação deriva de uma lógica de marginalização social. Isto é, a sub-representação da mulher nas instituições políticas deve ser entendida num contexto de desigualdades estruturais e cidadania diferenciada em uma sociedade pretensamente igualitária.

A quarta e mais importante conferência mundial para as mulheres, em Beijing (1995), veio a fortalecer a demanda das mulheres por maior equilíbrio na representação dos sexos em câmaras representativas mundo afora. No Brasil, entretanto, o índice de participação feminina no Congresso segue bastante modesto. Em 2006, ano das últimas eleições nacionais, de um total de 652 candidatas à Câmara dos Deputados, foram eleitas apenas 45 mulheres. Em agosto de 2008, dos 513 parlamentares da Câmara, somente 46 (8.9%) eram mulheres, apesar de 52% do eleitorado brasileiro ser feminino e da Constituição de 1988 assegurar o princípio da igualdade de gênero.

O segundo boletim aqui proposto visa introduzir, na primeira parte, questionamentos sobre as possibilidades de uma maior representação feminina nas instituições de poder significar uma mudança no caráter destas instituições e o aprofundamento dos direitos de cidadania e da democracia na sociedade como um todo. A partir dos pilares estabelecidos nesse debate, a segunda parte do trabalho trata dos principais eventos envolvendo a bancada no início do segundo trimestre de 2009, especialmente no que concerne a já estabelecida Comissão Especial PEC 590/06."

Para a versão completa do artigo, clique aqui.