sábado, 30 de maio de 2009

Sócrates, a revolução social futebolística e as quimeras populistas

[Crowded soccer fans. United Kingdom, 1951. Cornell Capa. Life]


Fernando Leite

Há algum tempo atrás, recebi um e-mail de uma amiga numa dessas listas de discussões. O e-mail continha uma série de frases politicamente polêmicas; a maioria bastante engraçada. Uma delas, além de curiosa, parece-me trágica. Trata-se de (mais) uma proposta de "revolução", proferida por nosso Doutor Sócrates, sim, o mago dos campos tupiniquins "alegremente baldios" dos anos oitenta.

Transcrevo-a na íntegra, da mesma maneira que a recebi:

"Os mais conservadores e os reacionários têm um verdadeiro pavor da politização das torcidas. É que neste país nada mobiliza e agrega mais que o futebol e poderá ser por meio dele que teremos os exemplos que determinarão os caminhos que devemos seguir para transformar nossa sociedade em algo mais humano e da qual possamos nos orgulhar" (Sócrates, ex-jogador de futebol, Carta Capital, 13/03/3009).

Entendo o "argumento" de Sócrates da seguinte maneira: ele diz que os "conservadores e reacionários" têm medo da "politização das torcidas" supondo (1) que o futebol é o fator que mais "agrega e mobiliza" os organismos humanos desta República; (2) que um movimento social pode surgir dessas virtudes futebolísticas e (3) que tal movimento seria positivo, pois transformaria nossa sociedade incivilizada nalgo "mais humano" etc.

Para ler mais, clique aqui.


Um comentário:

Lucas Massimo disse...

Fernando
Parece-me que seu texto utiliza o futebol como o pretexto para pensar uma questão mais geral, a representação que intelectuais de esquerda fazem do povo. Eu acho essa abordagem interessante e válida, mas temo que ela acabe por estirar uma associação, mesmo que indireta, entre violência e pobreza. E nessa linha de raciocínio, a principal causa da calamidade dos estádios brasileiros permanece na obscuridade. Ela se chama insegurança.

Ainda que esse não seja o sentido do seu texto, é pertinente pensar o problema dos estádios para dentro deles, para o espetáculo em si – e nisso revelo-me um louco por futebol. Isto posto, retomo uma categoria marginal em seu texto, mas que fala muito, que é a idéia de civilização. Durante os anos 1980 um fenômeno identificado como hooliganismo consternou a sociedade inglesa. A escalada da violência produziu, após a Tragédia de Heysel a retirada dos times ingleses das competições européias por cinco anos – a equipe de Liverpool ficou seis anos suspensa.

Como país civilizado, o Reino Unido pôs-se a pensar numa solução civilizada para o problema; isso começou pela identificação das causas do problema. Disso resultou um documento que se tornaria conhecido como Taylor Report: o relatório elaborado Peter Taylor identificou nas más condições dos estádios ingleses, associada à sua superlotação, as principais causas da violência. É Claro que o saneamento definitivo do problema implicou em uma série de mudanças, desde a colocação de assentos numerados nos estádios até a proibição de bonés em pubs britânicos em dia de futebol (para facilitar a identificação, via câmeras, de bêbados arruaceiros). Quem tiver a oportunidade de assistir uma partida num estádio europeu percebe que está num ambiente seguro, limpo e civilizado. Qualquer comportamento agressivo ali é pura e simples anomia.

Resumo da ópera: pessoas tratadas como animais reagem como animais. Não vejo como a clivagem de classe escapa a essa máxima. As condições de higiene e segurança nos estádios brasileiros são deploráveis, e isso não pode ser silenciado numa compreensão honesta dos senões que circundam o certame.

Concordo que daqui decorre um prognóstico bem maroto: o problema dos estádios brasileiros é um problema de public manager, cuja solução passa, impreterivelmente, pela qualidade dos gestores públicos. O discurso é tucano de berço, de fato, sobretudo no Brasil, onde a própria noção de civilidade só faz sentido num universo de elites. Apesar disso, se ainda houver alguma alternativa à elitização do espetáculo, ela deve começar pela reforma dos estádios brasileiros.

Abs
LM

ps.: eu soube desse relatório através de um cara chamado Oliver Seitz. Tem um texto dele que trata do assunto aqui (http://www.universidadedofutebol.com.br/Universidade09/Jornal/Colunas/Detalhe.aspx?id=10782)