Conservadores e Liberais nas eleições dos EUA
[Two men reading newspapers in the corridor
at Republicans caucus. Washington, DC, 1952.
Hank Walker. Life]
Publicado no Valor Econômico de 05-12-2008.
Por Celso Roma*
FATORES DO VOTO PARA PRESIDENTE NOS EUA
Ideologia é fator que permite distinguir mais claramente os eleitores
A eleição deste ano inovou a história política dos Estados Unidos. Pela primeira vez, um afro-descendente é eleito presidente da República, acontecimento extraordinário para um país que antes da aprovação, em 1965, da Lei do Direito ao Voto, restringia a participação dessa minoria no processo eleitoral. A posse do democrata Barack Obama encerrará, ao mesmo tempo, oito anos do Partido Republicano à frente da Casa Branca. George W. Bush teve a legitimidade questionada desde o imbróglio na eleição de 2000 e, durante a sua administração, tornou-se impopular em conseqüência da tomada de medidas em assuntos domésticos e exteriores que contrariaram a opinião pública. A rejeição ao desempenho de Bush, somada ao apoio da imprensa à candidatura do partido rival e ao fato de que Obama estava mais bem avaliado nas enquetes sobre as questões chave da agenda eleitoral — economia, imposto, energia e sistema de saúde —, ensejava uma vitória esmagadora do democrata.
Contudo, pela contagem dos votos, Barack Obama obteve 52,7% da preferência dos eleitores; John McCain, 46%; e os demais candidatos juntos, entre eles Ralph Nader e Bob Barr, 1,3%. A diferença de votos entre os principais presidenciáveis foi de 6,7 pontos percentuais, ou seja, cerca de 8 milhões e meio num total de 125 milhões. Por que ela foi pouco expressiva em termos numéricos, se a circunstância estava tão favorável ao democrata?
Um exame do perfil dos eleitores dos então candidatos revela que a clivagem partidária prevaleceu sobre a conjuntura. Nesta eleição, assim como nas anteriores, os votantes fizeram escolhas condicionadas por seus atributos demográficos, sociais e políticos, e produzindo o padrão historicamente consolidado. Os dados apresentados na tabela abaixo sugerem isto.
O sistema de crença dos eleitores influenciou a direção desse sufrágio. Dos que se classificam democrata liberal, situando-se no quadrante à esquerda no arco político, 96% disseram votar Obama. Quanto aos eleitores que se consideram republicanos conservadores, posicionando-se no setor à direita nesse mapeamento, 92% afirmaram votar McCain. Os independentes, por seu turno, dividiram-se entre ambos os candidatos (27% contra 33%). Ideologia é o fator que permite distinguir mais claramente os eleitores de Obama e os de McCain.
A religiosidade, que de certa forma está vinculada a determinadas posições políticas, refletiu-se na preferência dos eleitores. Por exemplo, entre os brancos não-hispânicos, o democrata foi escolhido por aqueles que nunca ou raramente vão à igreja. O republicano contou o apoio dos religiosos, sobretudo dos que freqüentam um templo todas as semanas.
Os eleitores votaram de acordo também com suas características populacionais. Dentre elas, a etnia se mostrou a mais importante. Os negros (92%) e os hispânicos (74%) tenderam a votar Obama. McCain levou vantagem entre os brancos (50%). Cabe ressaltar, porém, que 43% dos eleitores dessa etnia deram voto a Obama. Esse apoio colaborou para o sucesso do democrata, visto que os brancos não-hispânicos constituem a maioria do eleitorado. A estrutura étnica da população, que vem se alterando ao longo do tempo, poderá favorecer ainda mais o Partido Democrata, considerado como a primeira opção de voto dos afros e latinos.
Apesar de serem fatores menos importantes, a idade, o gênero e o nível de escolaridade dos eleitores contribuíram em parte para o arranjo dos votos. Dos eleitores que tinham entre 18 e 29 anos, Obama conseguiu quase o dobro da preferência obtida por McCain (63% contra 33%). O republicano se saiu melhor na faixa etária de 65 anos ou mais. Nos demais estratos, a diferença a favor do democrata foi de pelo menos 10 pontos percentuais. As eleitoras preferiram Obama (55%) a McCain (38%). O eleitorado masculino se dividiu ao meio. Entre os eleitores que possuem pós-graduação completa ou incompleta, o democrata obteve ampla vantagem sobre o seu oponente (61% a 34%).
Comparando este pleito com o anterior, nota-se que os eleitores circunscritos às regiões do país se comportaram de modo consistente. McCain se destacou nos Estados pró-republicanos onde George W. Bush tinha derrotado o seu adversário em 2004 por seis ou mais pontos de diferença. Da mesma forma, Obama se consagrou nos Estados pró-democratas onde John Kerry ganhara de seu concorrente quatro anos antes. O candidato republicano se sobressaiu no Sul e no Centro-Oeste do território. O democrata concentrou votos nas costas Oeste e Leste, bem como venceu a disputa nos estados indefinidos, o que lhe projetou 365 grandes eleitores para o Colégio Eleitoral, número acima do exigido para ser empossado (270).
Em poucas palavras, os votos para presidente estiveram associados ao partido, ideologia e etnia dos eleitores. Barack Obama não foi eleito por um consenso suprapartidário. As linhas que delineiam o partidarismo nos Estados Unidos se fizeram presente nessa eleição e já orientam a expectativa dos eleitores quanto ao desempenho do futuro governo. De acordo com uma pesquisa realizada pelo instituto Gallup, de 9 a 11 de novembro, após a divulgação do resultado das urnas, 95% dos afiliados democratas confiam em que Obama será um bom presidente, enquanto 65% os republicanos desconfiam disto.
*Celso Roma , doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e especialista em estudos partidários e eleitorais.
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