domingo, 15 de fevereiro de 2009

Duas avaliações sobre a reforma política

[foto: Robert Kennedy. Life]

A Gazeta do Povo traz hoje uma matéria com duas avaliações em muitos aspectos opostas sobre a utilidade e o sucesso de mais uma tentativa de reforma política.

Para ler a reportagem completa, clique aqui. Abaixo, as impressões dos dois entrevistados.

Opiniões

Veja o que dizem os especialistas Adriano Codato, coordenador do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira da UFPR e Marcus Vinicius Furtado Coelho, coordenador da Comissão de Consolidação das Leis Eleitorais da OAB sobre as propostas de mudança do sistema eleitoral sugeridas pelo governo federal:

Janela da infidelidade

Embora o projeto mantenha as regras sobre fidelidade partidária já estabelecidas pelo STF, ou seja, permite a desfiliação em caso de perseguição polí-tica ou mudança de programa parti-dário, a proposta abre uma brecha para que políticos eleitos possam, durante 30 dias a cada 4 anos, trocar de partido sem correr o risco de perder o mandato.

Codato

A abertura de uma janela descaracteriza o “espírito” da lei. Cria a dificuldade de se definir objetivamente que um partido mudou seu “programa partidário” e, assim, justificar a troca de partido.

Coelho

O tema agrada à base aliada do governo federal, que seria a principal beneficiada pela janela, e o projeto irá passar como está. “Mas, o Congresso Nacional deveria corrigir esse defeito da lei.”

Lista partidária fechada

O projeto altera radicalmente o modo de eleição no Legislativo. O eleitor passa a votar em partidos, não mais em candidatos a vereador, deputado estadual e federal. Os partidos concorrerão em listas fechadas e com candidatos pré-ordenados. O objetivo é fortalecer as legendas, reduzindo a carga de personalismo eleitoral. Aumenta o poder das direções dos partidos, mas assegura mecanismos de democracia intrapartidária, já que prevê que as listas serão escolhidas por, no mínimo, 15% dos filiados.

Codato

O defeito do projeto é retirar do eleitor a possibilidade de escolher em qual candidato irá votar. Além disso, fortalecer as direções em detrimento das “bases” e dos eleitores nunca é positivo, “a não ser para os burocratas da máquina política.”

Coelho

A ideia é boa porque força o debate programático no país, despersonalizando o debate político. Porém, falta mecanismos de democracia interna, a fim de evitar caciquismo político. É preciso aumentar o porcentual mínimo de filiados para a escolha dos candidatos e estabelecer regras que não permitam que determinados políticos se apropriem das legendas.

Financiamento público de campanhas

Pela proposta do governo, as campanhas eleitorais seriam financiadas com dinheiro público. O governo entende que o atual sistema inviabiliza a candidatura de políticos que não conseguem financiadores, além de aumentar a dependência de concorrentes junto a eles.

Codato

O financiamento público deixa claro quais gastos são compatíveis com a quantidade de recursos recebidos por cada candidato ou partido. Induz ao barateamento das campanhas e altera a vinculação entre grandes financiadores e eleitos. Além disso, faz com que prepondere o elemento programático-ideológico, em vez do fator econômico. Mas não prevê mecanismos para garantir que o financiamento seja exclusivamnte público. Não diz nada sobre a distribuição de recursos entre os candidatos do mesmo partido, transferindo muito poder para a burocracia partidária.

Coelho

A OAB é favorável porque entende que dá maior igualdade aos candidatos. O financiamento público de campanha diminui a corrupção administrativa, já que exclui financiadores privados. A crítica é não haver uma medida agressiva para o combate de caixa 2. O Congresso Nacional deve fazer uma emenda que leve à cassação dos candidatos que tenham cometido caixa 2.

Cláusula de desempenho eleitoral

O mandato de deputado federal ou estadual só pode ser exercido por candidatos de partidos que tiverem alcançado pelo menos 1% dos votos válidos. Esses votos deverão ter sido realizados em, no mínimo, nove estados, com pelo menos 0,5% dos votos em cada estado. Impede que partidos com pouca expressão tenham representação parlamentar. A intenção é de fortalecer as legendas políticas.

Codato

A medida é inócua já que a barreira tem baixa exigência.

Coelho

É um nome simpático para “cláusula de barreira”. A proposta é inteligente, porque cria uma cláusula de desempenho como fator relevante para eleição. Pelos patamares colocados na lei, estima-se que o Brasil viria a ter cerca de 12 partidos.

Novas regras para coligações

Proíbe coligações nas eleições proporcionais – para vereadores e deputados. E estabelece que, nas eleições majoritárias – de presidente, governador, prefeito e senador – o tempo de rádio e televisão em propagandas eleitorais deverão corresponder ao tempo do partido com maior número de representantes na Câmara dos Deputados. Atualmente o sistema eleitoral permite a soma dos tempos dos partidos coligados.

Codato

As coligações proporcionais acentuam as distorções do sistema de lista aberta, porque partidos com programas até mesmo contraditórios acabam transferindo votos entre si. As coligações em eleições majoritárias são realizadas, muitas vezes, a fim de se conseguir maior tempo de propaganda eleitoral, o que descaracteriza o espectro ideológico dos partidos. O problema é que o projeto junta dois assuntos diferentes, coligações e tempo de televisão, fazendo com que aumente a resistência para que sejam aprovados no Congresso Nacional.

Coelho

É uma medida importante que fortalece os partidos e inibe coligações majoritárias que não são feitas por questões ideológicas.

Compra de votos vira motivo de cassação de mandato

Além de crime, a coação para que eleitores votem em determinados candidatos torna-se motivo para cassar o mandato de eleitos. O projeto prevê também que a compra de votos, mesmo quando realizada por uma pessoa que não seja candidata, pode resultar em cassação e multa. A proposta da lei presume que o concorrente saiba que uma pessoa está oferecendo benesses para a sua própria eleição.

Codato

A medida é positiva, porque o candidato não pode dizer que não sabe o que está acontecendo. Se os cabos eleitorais compram votos, compram em nome dele. Mas isso vai depender da Justiça Eleitoral. “Temo que as boas intenções fiquem no meio do caminho.”

Coelho

O dispositivo que torna motivo de cassação o constrangimento ilegal como meio de obtenção de votos é algo louvável. Porém, a proposta de tornar mais rígida a legislação no que se refere à compra de votos por terceiros necessita de maior reflexão. “Pode levar à fraude, com inimigos políticos se aproveitando da legislação para prejudicar candidatos.”

Inelegibilidade para políticos que cometerem crimes

Torna inelegíveis os candidatos que forem condenados em segunda instância, por crime eleitoral, ou de abuso de poder econômico ou político, entre outros. Para o governo federal, o conceito de vida pregressa, que é motivo de inelegibilidade, não é o mesmo que condenação penal da qual não cabe mais recurso (transitada em julgado).

Codato

O projeto é vantajoso para a sociedade. Porém, é sem fim a discussão jurídica entre o que é vida pregressa e a presunção de que todos são inocentes até que se prove o contrário em todas as instâncias de julgamento. “É possível que o projeto já nasça morto.”

Coelho

Há uma crítica jurídica ao projeto, pois ele busca a inelegibilidade de um candidato mesmo sem trânsito em julgado (sem decisão irrecorrível). Além disso, é ineficaz, já que torna o candidato inelegível por três anos a serem contados da eleição em que concorreu. Ou seja, como há eleições de quatro em quatro anos, o político poderia se candidatar normalmente para o mesmo cargo em que havia se elegido. O ideal seria que a inelegibilidade valesse para cinco anos.

3 comentários:

Bruno Bolognesi disse...

Adriano,

Senti um pequeno rancor de sua parte contra a burocracia partidária.
Por isso gostaria de ressalvar o partido. E, para isso, a lista fechada parece ser um caminho. Lembre bem de que a participação de 15% dos filiados no processo de escolha dos candidatos parece ser muito mais eficiente do que o crivo eleitoral, em termos de laços de lealdade. De outra forma, poderíamos ter a lista semi-estruturada, com a possível ordenação dos candidatos após a escolha do partido.

Acredito que o reforço da burocracia partidária não seja necessário, visto que a mesma já é forte suficiente e não está preocupada com as bases - exceto em raros casos.

Mesmo assim o controle das eleições por parte do partido e menos pelo eleitor, fortalece a instituição que é o mais importante e mingua o pernoalismo - diga-se de passagem, eliminando distorções como Clodovil Hernanes, Enéas, Frank Aguiar, Netinho de Paula, etc.

Ou seja, é melhor que tenhamos partidos fortes do que candidatos fortes, mesmo que para isso paguemos o preço a lei de bronze da oligarquia (que ao que me parece, não precisa de lista fechada para existir).

Adriano Codato disse...

O companheiro sabe que eu faço ciência sine irae et studio, ou "sem paixão nem ressentimento", atitude defendida pelo grande Weber.
Apenas constato duas coisas que não tenho certeza se entraram na reportagem integralmente:
1. todas as "reformas" dizem respeito apenas ao micro-cosmo (com hífen?) político; pretendem regular seu funcionamento interno; nenhuma modificação foi pensada/proposta para AUMENTAR O GRAU DE CONTROLE DA SOCIEDADE SOBRE OS REPRESENTANTES;
2.o outro problema do projeto de reforma política não diz respeito aos dispositivos que ele modifica (se para melhor ou pior é uma questão a conferir QUANDO IMPLEMENTADAS AS MEDIDAS E SE IMPLEMENTADAS). Mas à sua oportunidade. Os agentes políticos, os eleitores principalmente, demoram um bom tempo para compreender e operar conforme as regras definidas por determinadas instituições. As transformações projetadas no sistema partidário e eleitoral devem anular o ganho que anos e anos de "aprendizagem democrática" proporcionaram.
De quebra, lembrei de mais uma coisa: quem disse que:
a) partidos fortes são fundamentais?
b) esse é o único caminho para fortalecer "o partido"?

Bruno Bolognesi disse...

Quanto ao Weber, é justo.

Concordo que uma reforma colocaria por água abaixo todo o apredinzado democrático atingido até o momento (isso inclui saber até onde fica a zona eleitoral de voto, como funciona a urna e tudo mais). Mas modificações pontuais podem ajudar num futuro mais distante. Obs: isso saiu sim na Gazeta.

Também concordo que o controle sobre a representatividade deva ser revisto, mas penso que uma participação partidária mais intensa possa ser um caminho. A verificar.

a) Sim. Explico. É impossível ao eleitor concatenar todas as ideías, princípios, projetos, ideologias, programas, etc, etc, etc de cada candidato que 'pretende' votar (num leque pequeno). Por isso se faz necessário que o partido carregue o peso do programa, da história, ou seja, da instituição. Ele serve, no mínimo, como um "atalho".

b) Diante da literatura, os caminhos para se fortalecer o partido são: i) dar maior peso aos mesmos eleitoralmente e; ii) esperar que uma mudança na cultura política do país (elites+eleitores) alimente uma estrutura partidária mais ativa.
Sou pessimista quanto ao segundo ponto.

Alguns estudos, principalmente em Israel (e mais pontualmente no México), mostram que tais reformas do micro-cosmos durtiram efeitos positivos, com uma duração razoavelmente forte para se criar um espectro geracional sobre novas regras do jogo.

NÃO QUER DIZER QUE ISSO VÁ OCORRER NO BRASIL. Ao que parece você tem um pouco de razão em afirmar que esta reforma é uma atitude muito mais política do que técnica, mas diante do que vemos, vale o risco.