quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

conflitos políticos e classes sociais

Salão Verde
Câmara dos Deputados
Brasília - DF



Adriano Codato

ufpr/nusp


A desfaçatez da famosa frase de Benedito Valadares a propósito do golpe militar que instituiu o Estado Novo em 1937 – “É interessante observar o ser possível fazer-se uma revolução às
claras, sem o povo desconfiar” [Tempos idos e vividos: memórias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966, p. 174] – trai sem dúvida o caráter elitista e autocrático do processo de mudança política no Brasil.


Mas a declaração do líder político mineiro pode ser compreendida igualmente como um indício da natureza esotérica da cena política.

A cena política nunca é totalmente transparente, as disputas entre as forças sociais não são exatas, as estratégias perseguidas pelos partidos não são explícitas, as declarações dos agentes não podem ser tomadas literalmente, os interesses de grupo nunca aparecem como aquilo que são. A cena política é um espaço social que oculta mais do que revela ao observador.


Há duas maneiras de entender as conseqüências dessa última proposição.


Ou se toma a cena política como uma aparência, uma projeção falsificada de uma realidade que é anterior a ela, a justifica e explica (sua “essência”), ou se toma a cena política como uma realidade per se.

No primeiro caso, todo esforço consiste em conectar e revelar os interesses sociais ocultos pela luta entre atores, idéias, partidos e organizações políticas. Esses interesses são invariavelmente interesses "de classe".

No segundo caso, é preciso assumir que agentes, interesses e concepções inerentes a eles podem constituir-se não antes ou fora do espaço político, mas na própria cena política e atuar independentemente dos condicionamentos “de classe”.

Partindo do princípio de que é preciso evitar a confusão usual que reduz as relações de classe às relações entre partidos (confusão típica da corrente dominante da Ciência Política) e, igualmente, aquela que reduz a relação entre partidos às relações de classe (como reivindica certa “ortodoxia”) [Ver Nicos Poulantzas, Pouvoir politique et classes sociales. Paris: Maspero, 1971, vol. , p. . Poulantzas, 1977, p. 245], a cena política não precisa ser tomada sempre como um lugar de manifestação, refratada ou não, da luta de classes; mas como um espaço de lutas sociais tornadas possíveis graças à função específica de mediação das instituições políticas (cujo espaço de existência e manifestação é a cena política).

Essa maneira de compreender o jogo político – como um negócio governado por suas próprias leis e costumes e conduzido (ainda que não comandado) pelos políticos profissionais – me parece mais eficiente para revelar a natureza e o alvo da guerra política.

Assim, esse lugar ou espaço social exige, enquanto espaço social específico, uma percepção da sua organização, da sua evolução e da sua transformação concreta numa conjuntura concreta. É preciso, numa análise de conjuntura, reconstruir o que Nicos Poulantzas designou como a periodização de uma cena política.

Poulantzas insistiu na diferença pouco evidente entre cronologia histórica e periodização política.

Enquanto a primeira é tão só a disposição dos acontecimentos (os “fatos” políticos propriamente ditos) numa seqüência reconhecível ao longo de um intervalo determinado, a periodização política seria a subdivisão temporal do espaço político e a disposição, em seqüência, de diferentes regimes políticos através do tempo. Esses regimes estariam ligados à “luta partidária” na cena política, ou, simplesmente, à luta política, ela mesma condicionada pelo padrão vigente de liberdades públicas [Pouvoir politique et classes sociales. Paris: Maspero, 1971, vol. II, p. 70 e segs].

Nesse sentido, os períodos, fases e etapas de um regime (suas subdivisões) não correspondem, necessariamente, aos períodos tradicionais de governo (suas datações), nem a seu calendário oficial.

Esse princípio de classificação do jogo político, ou melhor, essa proposição teórica sobre como conceber as relações – políticas – entre os diferentes agentes sociais no campo político permite que nos livremos da tarefa, supostamente obrigatória, de reduzir a luta política à luta de classes.
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2 comentários:

Anônimo disse...

Ao meu ver, a politica brasileira nunca foi uma "luta de classe", já que o "proletariado" sempre foi massa de manobra. Próprio Getúlio, ao instituir os "direitos dos trabalhadores", tinha como pano de fundo, manobrar a classe trabalhadora a fim de usá-la como forma de precionar burguesia e colaboradores estranjeiros. O mesmo acontece com Lula e o "Bolsa Miséria", que o ajudou a se reeleger, mesmo com o mensalão em suas fusas. O povo brasileiro históricamente é analfabeto político, e quem comanda os designos do país é uma pequena elite. Um abraço.


http://so-pensando.blogspot.com

Lucas Castro disse...

Daniel, se partirmos de seu comentário, podemos sim entender a política brasileira como luta de classes ("Getúlio, ao instituir os "direitos dos trabalhadores", tinha como pano de fundo, manobrar a classe trabalhadora a fim de usa-la como forma de pressionar a burguesia e colaboradores estrangeiros").

Ao dividir os grupos de interesses em classes, com vontades e ações políticas próprias, usamos o viés classista para análise da política.

Realmente, o difícil, como bem explicitado pelo comentário do Adriano, é induzir ou deduzir do comportamento dos agentes vontades dos extratos sociais, por dificuldades teóricas e principalmente metodológicas.

Daí a vantagem do conceito de cena política poulantziano, que flexibiliza, de certa forma, a determinação superestrutural da ortodoxia marxista.

Abraços.

Lucas Castro