Capital político e transferência de votos
Folha de Londrina
10 out. 2008
Adriano Codato
Análises eleitorais correm sempre o risco de dizer o óbvio. Quem ganhou, quem perdeu, quem fez mais votos, quem fez menos, quantas prefeituras novas foram conquistadas por partido, etc. Para evitar uma paráfrase da realidade, é preciso pensar menos conjunturalmente. Se a disposição de forças políticas que sairá daqui pode (enfatizo: pode) influenciar as eleições nacionais em 2010, 2008 precisa, por sua vez, ser entendido na devida perspectiva. Para ficarmos em um só aspecto que essas disputas revelaram, tomo aqui a questão da capacidade de transferência de prestígio e capital político de um político a outro - a partir do caso de Curitiba.
De fato, Lula não influenciou as decisões dos eleitores como alguns imaginavam (ou apostavam) porque, efetivamente, seu prestígio, popularidade e aceitação junto ao eleitorado é mais pessoal (ou exclusivamente pessoal) do que institucional. Poucos identificam o governo federal como ‘‘o governo do PT’’ - o que, de resto, é bastante correto. Basta pensarmos não na composição das equipes políticas, o que é evidente, já que se trata de um governo de coalizão entre muitas forças, mas nas plataformas históricas do partido, prudentemente aposentadas em nome do realismo e da lógica eleitoral. Esse processo de derretimento do PT e de sua mística, que começou em 2002, só tende a se radicalizar. Nesse contexto em que parece não haver mais, tanto quanto antes, uma assimilação imediata de Lula ao PT, a maioria dos concorrentes tem de contar com a própria sorte; quando muito, com a máquina do partido, onde ela existe.
A capacidade de influência de Lula sobre o voto do cidadão médio foi barrada também pela municipalização das campanhas. Esse é um aspecto interessante, em geral apresentado sob o chavão do ‘‘amadurecimento da democracia brasileira’’. O que ocorre? Não só as eleições vão ficando rotineiras (o que aposenta outra imagem tola: a da ‘‘festa da democracia’’), mas o eleitor vai ficando cada vez mais pragmático (ou ‘‘racional’’, como queiram). Não se trata agora, como nos anos 1980, de escolher entre ideologias (democrática ou autoritária; socialista ou capitalista, etc.); nem de alinhar-se, como nos anos 1990, a identidades partidárias (o PT, o PSDB); ou simplesmente seguir, como de hábito, uma liderança carismática (Maluf, Brizola, etc.). Trata-se de saber o que o prefeito pode e deve fazer na prática, e com o orçamento disponível, pelo meu bairro, pelo meu posto de saúde, pelo transporte que me afeta, etc. Nesse contexto, fica muito reduzida a influência do presidente da República, por maravilhoso que ele seja.
A outra forma de transferência de capital político pode ser indireta. Em parte, ainda que em pequena parte, o sucesso de Beto Richa (77% do eleitorado!) pode ser atribuído à habilidosa reconstrução da figura política do pai. O sobrenome importa aqui menos pelos feitos atribuídos a José Richa e mais pelas idéias que ele resgata (ou inventa). Como político profissional, o filho procurou durante a campanha neutralizar a imagem de técnico em nome da imagem de ético.
Por fim, a questão não é apenas se um político pode transferir votos a outro, mas se ele deve, ou mais exatamente: se ele deseja. Roberto Requião, governador bem avaliado e, como Lula, uma liderança altamente personalista, tem barrado sistematicamente o surgimento de novas lideranças, de sucessores, até mesmo de continuadores. Uma evidência, ainda que paradoxal, da força política do governador junto ao eleitorado e da natureza da sua estratégia, onde o que menos conta é a transferência de capital político, foi a imposição, ao PMDB, de um candidato fraco, desconhecido e recém-chegado: o ex-reitor da UFPR Carlos Moreira. Este fez menos de 2% dos votos em Curitiba. Com esse desempenho, não seria eleito sequer para deputado estadual.