quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Black Monday

Após a realização do primeiro turno das eleições municipais, o desdobramento da crise financeira deve passar para o primeiro plano da conjuntura política nacional, e, sobretudo, internacional. Na última segunda-feira (06/10) a primeira onda da crise sacudiu os negócios da BOVESPA – a queda foi tão brutal que os negócios foram interrompidos automaticamente, passados 20 minutos da abertura do pregão. Um dia antes, no domingo o Governo alemão costurava o aporte de recursos para a Hipo Real Estate, uma das principais empresas hipotecárias da Alemanha. O aporte foi inútil, pois nessa segunda feira as ações da HRE se desvalorizaram na ordem de 35%.

A eclosão da crise na Europa não poderia ocorrer de forma mais dramática, pois quando se esperavam ações de defesa orquestradas e concertadas entre os diferentes governos da zona do Euro, o Governo alemão, um dos mais disciplinados seguidores da ortodoxia neoliberal, propõe uma solução unilateral para os sintomas domésticos de uma crise cada vez mais internacionalizada. Mesmo na França, terra infértil para os Bancos de Investimento, o desempenho dos mercados financeiros foi pífio: a Bolsa de Paris registrou uma queda de 9,04% no que já é considerada a mais recente Black Monday.

A crise pela qual passa o capitalismo mundial começou no empréstimo de recursos para famílias pobres financiarem suas casas. É irônico que tais empréstimos possam ser vendidos e comprados como se fosse um ativo qualquer, um carro, um tratamento de canal, enfim, um bem como qualquer outro. Mais engraçado ainda é que os negócios envolvendo esses ativos são tão rentáveis apenas porque o objeto das operações é considerado de alto risco – seguindo a lei régia de mercados desregulados, as operações devem ser tão mais rentáveis quanto maior é o seu risco, a fim de premiar o perigo que o operador se dispõe a correr. Ora, não se pode conter as gargalhadas quando vislumbramos os proprietários desses ativos se dando conta de que se as famílias pobres não pagarem as suas hipotecas, os seus valiosos ativos não significam absolutamente nada.

O óbvio não é apenas engraçado. Ele é sarcástico. Os clientes subprime não pagaram suas hipotecas, foram expulsos de suas casas, e ainda estão pagando a conta do almoço, uma vez que é o erário norte-americano que vai comprar os ativos podres – o custo do pacote recentemente aprovado pelo Congresso daquele pobre país é de cinco guerras do Iraque.

Porque os ativos podres são tão indigestos? Eles padecem de insolvência, ou seja, os pobres ficam sem casa e os proprietários das dívidas, que pagaram tão caro por papéis avaliados com alto risco não podem pagar suas contas, já que sua principal riqueza (os títulos com as hipotecas dos pobres) também não vale mais nada. Conceitualmente, insolvência é uma situação onde o valor dos ativos é menor que os passivos, quais sejam, as dívidas. Ah, claro, não foi mencionado ainda que o dinheiro com o qual se adquiriu os papéis de alto risco era emprestado – THIS IS AMERICA.

Mercados financeiros não criam riqueza, pelo contrário, eles operam num ambiente de soma zero, no qual o que uns ganham correspondem ao que outros perdem. Assim, em um hipotético capitalismo regulado, orientado para a produção e consumo, com condições socioeconômicas favoráveis à reprodução regular da força de trabalho, o mercado financeiro é apenas mais uma alternativa às empresas para a captação de recursos para o investimento. Ao abrir o capital da empresa, sua propriedade é dividida num sem número de títulos – as ações – que são negociadas nas bolsas de valores, mas a maior parte de seu ativo tem uma existência concreta e independente do jogo de compra e venda dos papéis na bolsa de valores. Se os ganhos superarem as perdas no jogo de apostas da bolsa de valores a empresa tem uma fonte a mais para o financiamento de pesquisa e desenvolvimento, ampliação e modernização do parque produtivo, contratação de mão-de-obra etc.

Dito isto e isto posto, pergunta-se: mas como as irreverências do mercado financeiro atingem a vida dos bípedes normais, alheios às traquinagens de derivativos financeiros e hedge funds pelo globo afora? Bom, essa é uma longa historia, mas uma hipótese a ser verificada no médio prazo defende que o seu começo é o aumento dos juros norte-americanos em seis de outubro de 1979 pelo então diretor do FED, o democrata Paul Volcker, e vai até o controle das duas principais hipotecarias daquele pobre país, Fannie Mae e Freedie Mac, pelo governo republicano G. Walker Bush, em sete de setembro de 2008. Ora, o processo compreendido entre esses dois episódios tem nome e endereço, chama-se neoliberalismo e se desenvolveu nos aparelhos econômicos dos Estados Capitalistas nos países do “norte”.

A sub-forma “capitalismo neoliberal” de organizar os negócios nas sociedades capitalistas prioriza a remuneração do capital financeiro à reprodução ampliada do modo capitalista de produção em geral. Uma série de inovações tecnológicas e comunicacionais, além de um ambiente regulatório francamente liberalizado permitiram aos bancos de investimento – eles mesmos uma dessas novidades – realizar operações com altíssimo grau de alavancagem, o que, grosso modo, redunda em auferimento de taxas de lucros exorbitantes face ao capital investido, com transferência dos riscos para terceiros. A crise dos subprime era a quinta-essência da pulverização dos riscos. É também a maior crise já vivida pelo capitalismo desde os anos 1930, porque todo o sistema de crédito americano estava atrelado, em maior ou menor grau, às operações com os títulos da dívida hipotecaria.

A tensão nos mercados financeiros das últimas semanas é resultado de uma crise de confiança: todo agente capitalizado retira seus ativos da “praça”, e passa atuar segundo estratégias extremamente defensivas. Num cenário de incerteza e desconfiança, as empresas convencionais encontram dificuldades para rolar suas dívidas, e, claro, realizar novos investimentos. Como destacara Marx, o capital tem aversão à ausência de lucro; sem investimento, toda a atividade capitalista é inibida.

Se nos países do “norte” a dificuldade de encontrar linhas de crédito para financiar a produção e consumo coloca suas pobres economias em trajetórias recessivas, imagine-se o que essa escassez provocaria nos países do “sul”.

Observe-se que o Brasil – enquanto país inserido numa economia globalizada – terá de socorrer a jóia da coroa, qual seja, os setores exportadores que certamente encontrarão dificuldades nas linhas de crédito de curto e médio prazo, além é claro do atento monitoramento por parte das autoridades monetárias à flutuação do valor da moeda brasileira – o que não deve ser uma inquietação pelo momento, já que o sólido compromisso do Governo Lula com a estabilidade monetária supõe eficientes instrumentos de ajuste cambial.

O debate a respeito da posição do BACEN e demais autoridades monetárias parece se polarizar em torno de duas posições contraditórias, porém não antagônicas:

A. O governo brasileiro reforça as linhas de crédito para socorrer o setor exportador e aperta o arrocho fiscal, tendo em vista reforçar as reservas para um recrudescimento no cenário externo.

B. O governo socorre as empresas com dificuldades com o caixa realizado após anos de política monetária restritiva, mas aposta no desenvolvimento do expressivo mercado interno para responder aos desafios do médio prazo. Uma política coordenada com outras “potências emergentes” nesse caso não seria descartável.


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