sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Que Curitiba sairá das urnas no domingo?

Opinião
Gazeta do Povo
Sexta-feira, 03/10/2008
Emerson Urizzi Cervi

Para responder objetivamente à pergunta do título, pode-se afirmar que em se concretizando as previsões das pesquisas, o próximo domingo deve produzir um recordista de votos da cidade, pelo menos desde o período da redemocratização. Beto Richa, candidato à reeleição, pode terminar a campanha com cerca de dois terços dos votos válidos, fato inédito por aqui desde 1985, quando as capitais de estado voltaram a ter eleição direta para prefeito. Isso, claro, se o eleitor não decidir mudar o voto na última hora.

Apenas para lembrar, em 1985 Roberto Requião foi eleito prefeito de Curitiba com 45% dos votos válidos; em 1988, Jaime Lerner elegeu-se com 57%; em 1992, Rafael Greca obteve 52%; em 1996, Cassio Taniguchi fez 54% e em 2000 obteve 44% dos votos válidos no primeiro turno. Em 2004, Richa ficou com 35% dos votos válidos em Curitiba no primeiro turno.

Dois elementos chamam a atenção na comparação de eleições anteriores com a atual. O primeiro é que se Beto Richa concretizar o desempenho previsto pelas pesquisas, praticamente dobrará o porcentual de votos obtidos no primeiro turno de 2004. O segundo é que pela primeira vez existem chances reais de um candidato a prefeito de Curitiba ultrapassar a votação obtida por um ícone recente da administração local – Jaime Lerner. Se acontecer, teremos um indicador material – além da retórica dos grupos políticos – apontando para um processo de substituição do perfil tecnocrático lernerista na preferência dos eleitores, porém, sem se identificar com o discurso populista do requianismo.

Estaremos no limiar de um perfil de liderança política em Curitiba que alia o argumento técnico à participação relativa do “povo” no processo de tomada das decisões públicas. Mas o que explica tal mudança de preferência quanto ao perfil da elite política? Creio que a explicação não está na elite. A diferença no número de eleitores no período mostra isso. Em 1988, na eleição de Jaime Lerner com 57% de preferência, votaram em Curitiba cerca de 600 mil eleitores. No próximo domingo, teremos cerca de 1 milhão de votos válidos na cidade: em duas décadas praticamente dobramos o número de participantes das votações, algo que tem conseqüência no perfil, no imaginário e nas demandas do eleitor. Portanto, é legítimo que as características da elite política reproduzam a nova realidade.

Mais importante neste momento é tentar apontar as motivações para o crescimento tão significativo da preferência eleitoral por Beto Richa nos últimos quatro anos. Um erro comum em candidatos que alcançam grandes porcentuais de aceitação é julgar que o resultado deve-se exclusivamente a atos administrativos e/ou decisões políticas. O processo de decisão do voto sempre é comparativo; nunca absoluto. Ou seja, o eleitor decide votar em um candidato após compará-lo com as demais opções, o que significa que votar em alguém depende também da não-escolha dos demais – em especial nas disputas majoritárias. Nesse sentido, o perfil dos opositores a Beto Richa na disputa, às vezes muito próximo dele (neste caso, pensa o eleitor, para que mudar?) e às vezes muito distante das demandas que realmente interferem na decisão do voto, explica em grande parte o desempenho do atual prefeito.

O professor Morris Fiorina tentou sintetizar o processo de decisão de voto ao se considerar a experiência mais recente na avaliação geral (chamado de voto retrospectivo) com a seguinte frase: o eleitor olha para todas as alternativas e pergunta: “O que você andou fazendo por mim nos últimos tempos?” Diante desse questionamento, as posturas da atual administração e das oposições recentes em Curitiba ajudam a explicar.

O grupo político de Beto Richa começou a construir o desempenho eleitoral de agora há cerca de dois anos, quando um dos principais partidos de oposição na cidade, o PMDB, ficou sem bancada na Câmara Municipal. Os quatro vereadores peemedebistas eleitos em 2004, que deveriam fazer oposição à administração local, migraram para partidos da base do governo. A ineficiência de oposição durante o mandato fez com que muitas críticas surgidas na campanha fossem desacreditadas pelo eleitor comum.

Outra medida política com importantes efeitos no desempenho eleitoral de Beto Richa foi a “neutralização” do PPS de Rubens Bueno que, ao abrir mão de lançar candidato próprio em 2008, gerou condições necessárias para uma disputa polarizada – o que quase sempre favorece governos bem avaliados. O partido que também deveria fazer oposição ao governo municipal, PT, preferiu dirigir energias à defesa do governo Lula, tentando vincular líderes locais à forte aceitação do presidente da República. Estratégia legítima, porém válida apenas em disputas municipais federalizadas. Nas eleições dominadas por temas locais – creches, metrô, transporte coletivo –, o impacto eleitoral da proximidade ao presidente da República tende a ser baixo.

Chegamos, assim, ao cenário em que o atual prefeito tem ampla vantagem na preferência dos eleitores pela quase ausência de oposição ao longo de todo o governo e, em conseqüência, por falta de legitimidade da oposição na própria campanha. Há grande chance de experimentarmos um resultado inédito para a cidade, porém, que não pode ser creditado exclusivamente às qualidades dos tucanos locais, sob pena de simplificarmos explicações que devem ultrapassar o período eleitoral. Mais relevante neste momento é tentar identificar até que ponto a mudança de perfil na preferência do eleitor será consistente ao longo do tempo.

Emerson Urizzi Cervi, cientista político, é pesquisador na UFPR.

3 comentários:

Anônimo disse...

Mas, no meio destas novidades todas, talvez permaneça uma velha marca da política nacional, sem pretensões puristas de minha parte: o personalismo. Ou seja, sabermos até onde o fenômeno Beto Richa é partidário, como parece ser o Requião, por exemplo?

Anônimo disse...

Deslocado da discussão sobre a oposição e as feitorias do atual prefeito, queria lembrar que a tentativa de aliar uma boa administração ao projeto de governo no plano federal, feita pela Gleisi, não foi refutada por Beto Richa.
Mesmo o candidato-prefeito sendo tucano e compondo certa oposição ao lulismo, a camapanha do 45 soube muito bem tirar louros da administração federal em aliança com a municipal. Vide o Armazém da Família em 'aliança' com o Bolsa Família. Dois projetos de administrações 'opostas' ideologicamente, mas que na cabeça do eleitor se unem para responder a pergunta que o Emerson propôs. Ou seja, além de tomar o lugar da esquerda nos bairros, o PSDB curitibano soube não atacar o governo Lula diretamente, deixando isso para o cabo de Beto, Lauro Rodrigues.

Luiz Domingos disse...

Acredito, também, que o fato de Gleisi ser muito parecida com o Beto está associado a outro, mais partidário: a aproximação entre PT e PSDB no plano nacional (em termos de ideologia /agenda) e, consequentemente, no plano local, atrapalhou a vida do PT, aqui, que se viu entre ser oposição sem ser oposição de fato. Daí o empenho em se associar à imagem de Lula, daí a falta de consistência na Câmara Municipal, daí a uma plataforma eleitoral sem criatividade e sem sucesso. O que você acha?