quarta-feira, 20 de junho de 2007

O Fortalecimento dos Partidos e da Democracia: o caso da Lista Fechada.

Lucas Fernando de Castro*

Observa-se que os debates acerca do tema “lista fechada” afloraram acaloradas discussões na Câmara dos Deputados. O PL nº. 1210/2007, de proposição do Deputado Regis de Oliveira (PSC/SP), cuja relatoria está com Ronaldo Caiado (DEM/GO) tinha sido colocado na pauta da semana passada, mas como os líderes partidários não chegaram a um denominador comum, foi postergada mais uma vez, e iniciar-se-ão, hoje, novamente as discussões.

O referido PL trata de uma série de modificações na estrutura político-eleitoral brasileira, como, por exemplo, a adoção da lista fechada, o financiamento público das campanhas, a abolição das coligações para eleições proporcionais (Deputados Estaduais, Federais e Vereadores), criação de federações de partidos em substituição às coligações, enfim. Nesse artigo, tratar-se-á do ponto mais polêmico, até agora pelo menos: a adoção da lista fechada.

A lista aberta, adotada no Brasil, em meados de 1945, é um sistema que permite o eleitor escolher diretamente seu candidato ou, como em raras exceções, votar na legenda partidária. A título de ilustração, o Partido dos Trabalhadores, obteve em 2006, nas votações para eleição dos Deputados Federais, em torno de 15% de seus votos oriundos de voto na legenda, enquanto que o PMDB e o PSDB, os três dos maiores partidos do país, obtiveram apenas 5,4% e 13,7%, respectivamente. Isso indica que a esmagadora maioria da população vota em um candidato específico, não dando a devida importância à votação partidária.

Segundo NICOLAU (2006), pode-se formular as seguintes críticas ao sistema de lista aberta: os candidatos, durante o período eleitoral e mesmo durante o mandato, criam estratégias de ação que privilegiam quase que unicamente, seus próprios interesses, e quando assim procedem, acabam enfraquecendo a campanha partidária e a com ela, a própria agremiação política.

O enfraquecimento dos partidos políticos ocasiona, em verdade, uma série de problemas de cunho programático e na seara da arena política e na arena eleitoral.

As agremiações não conseguem formular projetos e planos de governo de maneira clara de modo a informar a população quais seriam suas principais propostas a serem implementadas enquanto ocupantes de cargos eletivos. Programas de governo claros e elucidativos, quando ocorrem, estão sempre voltados a candidatos a cargos no Poder Executivo, e quase nunca a candidatos do Poder Legislativo. Tem-se que ter claro que mesmo que um candidato ao Poder Legislativo tenha uma plataforma de ação bem definida, dentro do Congresso Nacional e dentro das Casas Legislativas estaduais, pouco pode fazer de forma isolada. Necessita do apoio de seu partido e de outros parlamentares que formam ou a base do governo ou da oposição.

Isso fica claro quando entramos na seara das votações durante as Sessões Legislativas, em que a disciplina partidária, dentro da Casa Legislativa Federal (LIMONGI, 1999) é altíssima (em torno de 89,4% de chance de um parlamentar votar com sua bancada; isso durante os dois governos do Presidente Fernando Henrique Cardoso). Esse estudo permite pensar que um parlamentar isolado não consegue produzir determinada política pública para seus eleitores, mas sim o vota de acordo com o entendimento do partido. De outra forma, não consegue nem funcionar como parlamentar.

No que tange a sistemática da lista fechada pura, o eleitor somente escolhe o partido, sendo que os candidatos a ocuparem os cargos em disputa são, igualmente como na lista aberta, escolhidos pelos partidos. A diferença é que se elabora uma lista ordenada com os nomes dos candidatos e à medida que partido consegue determinado número de cadeiras, os primeiros da lista vão ocupando os cargos até que se esgote o número de cadeiras conseguidas pelo determinado partido.

Algumas particularidades do sistema de lista fechada proposto pelo PL 1210/2007: a lista deve ser elaborada de forma a respeitar a proporção 30/70 para os gêneros, no mínimo; os parlamentares de cada partido devem comunicar sua intenção de concorrer ao mesmo cargo (com antecedência mínima) e quando o fizerem irão ocupar o topo da lista, ordenados pelo número de votos que obtiveram na eleição passada.

Antes de entrar nas críticas específicas ao PL analisado, existem críticas claras ao sistema fechado. Citar-se-á apenas três, a saber: a lista fechada reduz a opção de voto do eleitor, obrigando o eleitor a escolher apenas entre os partidos sem poder manifestar-se acerca de qual candidato ocupará a cadeira; oligarquizaria os partidos, tornando-os instâncias de mera reprodução de seus caciques, pois esses sempre indicariam seus correligionários/amigos para assim, manter-se sempre no poder; ausência de prestação de contas (accountability) individualizada por parte do parlamentar a seu eleitorado (por exemplo, o que fez durante o mandato, se ocupou cargos, quais proposições legais deu início, enfim), pois o parlamentar não teria interesse na prestação de contas, pois sua principal preocupação é o trabalho partidário.

Apesar de impedir o eleitor de votar no candidato, o sistema de lista fechada não representa uma novidade, tendo em vista que o processo de recrutamento do candidato já é dominando quase que inteiramente pelo partido político. O eleitor já escolhe seu candidato com base em uma lista preparada pelas agremiações. Além disso, existência do mecanismo de coligações acaba distribuindo os votos para os partidos que a compõem, fazendo com que o eleitor ajude, ou mesmo a eleja alguém em que ele não votou. O sistema de lista fechado, quando comparado com atual sistema, não parece reduzir a opção de voto do eleitor da forma como propugnam seus detratores, mas sim, tornaria mais transparente, pois você saberia quem estaria elegendo, exatamente aqueles candidatos da lista, obrigatoriamente. A obrigatoriedade do voto em um partido político requer uma aproximação maior e uma busca de informações para a realização do sufrágio e, isso isoladamente já deveria causar um aumento na cultura política participativa da população, sedimentando a democracia.

Quanto à oligarquização dos partidos, existem pesquisas (MATLAND; STUDLAR, 2004) que, primeiramente, apontam que não há relação entre o sistema eleitoral e a taxa de renovação partidária. Mais ainda, não existem nem mesmo evidências de que a adoção de lista fechada contribuiu para a diminuição do status democrático. Mais ainda, podemos afirmar que o mecanismo de formação das listas pode ser um motor para a democratização do partido, ou seja, com a instituição de primárias, convenções mais disputadas, diminuindo assim a oligarquização dessas instituições. A proporção na formação das listas em termos de gênero (no mínimo 30/70) é, por exemplo, um mecanismo muito eficaz, já utilizado na Argentina, para ajudar na inclusão das mulheres na arena parlamentar, democratizando o acesso aos altos cargos da hierarquia política.

A diminuição de prestação de contas mais individualizada perde o sentido quando da instituição da lista fechada. Um argumento contra o sistema vigente é que apenas 44% dos eleitores lembra em quem votou, passados apenas dois meses das eleições (NICOLAU, 2006). O parlamentar vota em grande parte das vezes conforme a indicação do líder partidário, não sendo necessário o acompanhamento individualizado de cada parlamentar, mas sim no partido como um todo. Mais ainda, a grande vantagem, sob essa ótica, é que a relação do eleitor passa a ser com a instituição partido político, e não com o parlamentar, de uma relação pessoa – pessoa (eleitor-candidato) a uma relação pessoa – instituição (eleitor – partido). Isso, talvez, seria uma das variáveis que poderia ajudar a criar uma cultura política mais participativa e democrática em nosso país.

A adoção da lista fechada no sistema eleitoral brasileiro pode ajudar a consolidar e enraizar na cultura política brasileira a importância dos partidos políticos, tornando-se instituições fortes que tenham programas claros e precisos para o futuro do país, impulsionando a participação popular. Isso, sem sombra de dúvida, somente trará benefícios para a já institucionalizada democracia brasileira.

*Lucas Fernando de Castro, é advogado, graduando em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Paraná, é membro do GAC – Grupo de Análise de Conjuntura do NUSP.

Referências.

FIGUEIREDO, A. e LIMONGI, F. 1999. Executivo e Legislativo na Nova Ordem Constitucional. Rio de Janeiro, Ed. FGV.

MATLAND, RICHARD E.; STUDLAR, DONLEY T. 2004. Determinants of Legislative Turnover: A Cross-National Analysis. British Journal of Political Science (2004), 34: 87-108 Cambridge University Press

NICOULAU, J. 2006. Lista Aberta – Lista Fechada. in Reforma política no Brasil. Leonardo Avritzer, Fátima Anastasia (organizadores). – Belo Horizonte: Editora UFMG.

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