quarta-feira, 20 de junho de 2007

Regras do jogo e rotina institucional

Luiz Domingos Costa

Alguns autores enfocam as reformas políticas como o “jogo das regras”. Ou seja, trata-se de entender como os atores políticos definem as regras do jogo político, ou melhor, como jogam em relação às regras do próprio jogo. O uso desta teoria dos jogos é interessante para enfatizar a interação específica no momento de negociação sobre inovações institucionais. É o que fica claro ao avaliarmos as dificuldades de se estabelecer algum consenso em torno do pacote de reformas políticas em tramitação na Câmara dos Deputados. No que tange a um dos pontos fundamentais da reforma – a adoção da lista fechada – não há nenhum sinal de qualquer acordo que garanta a sua aprovação. Neste sentido, as novas regras (suas restrições e seus incentivos) não agradam a uma maioria de jogadores suficiente para a sua aprovação. E isto por uma razão simples: não garante a eles que permaneçam no jogo com chances de sucesso, vale dizer, coloca sérias dificuldades para uma série de partidos menos conhecidos em âmbito nacional, ofuscando projetos eleitorais de curto prazo.

Este aspecto conjuntural não é, contudo, algo que seja decisivo para o debate em torno das alterações propostas no projeto de lei que tramita na CD. Há que se discutir mais a fundo os aspectos normativos e as possíveis conseqüências deste ou daquele mecanismo para aquilo que se quer mudar. O voto em lista fechada irá proporcionar maior poder e maiores prerrogativas para as direções partidárias. Pode ser que contribua, a médio e longo prazo, para o fortalecimento dos partidos no Brasil, enquanto organizações e enquanto máquinas eleitorais distintas e programáticas. Mas como diversos estudos apontam o personalismo e o clientelismo dos eleitores brasileiros, isto deverá ter um tempo de maturação de algumas eleições, e disso não depende apenas normas e regras eleitorais, depende do comportamento dos eleitores.

Entretanto, os aspectos históricos de nossa legislação partidária e eleitoral não têm sido debatidos. Olhando bem, são muitas inovações (mini-reformas) em uma democracia que tem duas décadas de existência. Após o fim do Regime Militar, as regras para registro e funcionamento dos partidos já mudaram diversas vezes; houve a emenda da reeleição; a verticalização das eleições criou uma disputa jurídica caótica; a cláusula de barreira veio e voltou e etc. A profusão com que isto tem ocorrido, a despeito de ajustar ou não os pontos enfocados, contribuí com efeitos perversos para o médio e longo prazo. Especificamente, mudanças aqui e acolá no sistema eleitoral e partidário que visam o aprimoramento da “governabilidade” podem significar um empecilho à progressão da democracia. Editar, revogar e reeditar regras políticas prejudica a maturação das instituições porque desregula a sua rotina, dificultando a sua inteligibilidade, tanto por parte dos políticos de ofício como por parte dos eleitores.

Do ponto de vista da estabilidade das instituições, é sabido que reformas políticas são tanto menos prováveis quanto maior é o tempo de funcionamento do modelo prévio. Além disso, quando adotadas, têm suas margens de inovação limitadas pelas regras estabelecidas no modelo anterior. Sucessivas mudanças criam ainda uma sensação de ausência de normas, pois quanto maior o volume de reformulações das regras do jogo político, maior a propensão dos atores em não seguir ou respeitar as mudanças, abonados pela confusão legal advindos dessa fluidez institucional. Por exemplo, a conhecida cláusula de desempenho já estava presente na Emenda Constitucional nº 11 de 1978 e graças ao seu descumprimento, PT, PDT e PTB conseguiram sobreviver após as eleições de 1982, pois nenhum destes conseguiu atingir a taxa de 5% dos votos para a Câmara dos Deputados, com o mínimo de 3% em nove estados da federação. Re-introduzida na Lei dos Partidos Políticos de 1995 e só no ano passado levada a sério pelo TSE, seria facilmente driblada por boa parte das legendas que já negociavam fusões, o que não foi preciso após o STF tê-la derrubado. Do ponto de vista dos eleitores, um quadro assim dificulta aprendizado e a internalização dos procedimentos relativos ao processo eleitoral. A descontinuidade de certas regras em curtos intervalos de tempo – verticalização das coligações, por exemplo – coloca os cidadãos em descompasso com as mudanças empregadas, aumenta os custos de sua informação e dificulta a sedimentação do aprendizado político ao longo do tempo.

Provavelmente, com o pacote de reformas em tramitação na Câmara dos Deputados não será diferente. Este projeto retoma, por exemplo, o ponto das cotas para a representação feminina nos parlamentos, regulamentado desde 1998 e que não foi respeitado por quase nenhum partido, salvo raras exceções. Agora, a nova lei afirma que pelo menos 30% das listas partidárias deverão ser compostas por candidatas mulheres. Ainda que o sistema de lista fechada seja mais propício para a implementação das cotas, é difícil ter certeza de que o partido que não cumprir esta medida venha a sofrer algum tipo de sanção, pois a história recente de nossa legislação eleitoral é uma demonstração de incertezas, desvios e diversas revisões jurídicas.

Luiz Domingos Costa é mestrando em Ciência Política na UNICAMP e coordenador do GAC – Grupo de Análise de Conjuntura da UFPR.

Um comentário:

Adriano Codato disse...

Muito bom, Luiz. Concordo em número, gênero e grau. Mas o que pensar agora, após a tabulação da votação por partido (conforme tamanho/espectro ideológico), feita pelo professor Braga?