quinta-feira, 9 de junho de 2011

Infidelidade partidária, mitos e realidades

Folha de S.Paulo, 09/06/2011, A3
Celso Roma*
Embora pareça ser ruim para o sistema político do país, a infidelidade partidária não produz os efeitos negativos que são atribuídos a ela
Poucos acontecimentos da política brasileira têm sido tão condenados quanto a infidelidade partidária. O debate ressurgiu há poucas semanas, após a divulgação de notícias envolvendo a fundação do PSD (Partido Social Democrático) e a adesão de políticos à legenda recém-criada.
As críticas têm como base a suposição de que, quando um mandatário troca de partido, ele necessariamente burla a lei, distorce o resultado das urnas e trai seus eleitores.
Entretanto, nenhuma evidência maior confirma qualquer uma dessas hipóteses.
Nos casos de fundação de partido político, violação de direito político ou descumprimento do estatuto partidário, a legislação tem brechas que permitem ao mandatário se desligar do partido sem que isso seja considerado irregular.
Exceções ao conceito de fidelidade partidária devem ser toleradas, sobretudo em um sistema político que, num passado recente, esteve subjugado pela Lei Orgânica dos Partidos Políticos, de 1971, sancionada pelo presidente Emílio Médici no auge da ditadura, com a finalidade de limitar o direito de associação política e dar poderes draconianos às cúpulas dos partidos.
A infidelidade partidária também não produz os efeitos negativos que se atribuem a ela, como inverter a correlação de forças políticas. Prova disso é que a intensa movimentação entre os partidos não alterou a composição das mesas diretoras ou as presidências de comissões da Câmara, segundo atesta Marcelo Costa Ferreira, professor da Unifesp, em artigo da Revista de Sociologia e Política.
O eleitor não tem o voto desvirtuado quando o seu representante troca de partido. Na Câmara, por exemplo, os deputados migrantes marcam a mesma posição política observada no partido pelo qual se elegeram, ou seja, eles mudam de partido, mas mantêm as ideias e o padrão de votos, segundo aponta meu artigo na Dados - Revista de Ciências Sociais.
Ao contrário do que se imagina, a migração partidária apresenta aspectos positivos.
Os parlamentares, quando têm a possibilidade de trocar de partido, escolhem o que melhor corresponda ao objetivo da carreira política, o que contribui para corrigir erros de filiação, conforme sugere Scott Desposato, professor da Universidade da Califórnia em San Diego, nos Estados Unidos.
Isso é tão verdadeiro que a interferência do Poder Judiciário na questão teve efeito colateral: os partidos se tornaram menos coesos na esfera parlamentar.
Desde 2007, quando o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) decidiu que o mandato pertence ao partido, PT, PMDB, PSDB e DEM registram aumento da indisciplina dos filiados nas votações da Câmara dos Deputados, como demonstrou o pesquisador Saul Cunow no encontro da Western Political Science Association, no Canadá.
Embora a infidelidade partidária pareça ser ruim para o sistema político do país, não é.
* cientista político e doutor pela USP, é especialista em partidos políticos e eleições

3 comentários:

Ivan Arruda disse...

A não ser os filiados, poucos são os que votam em partidos. Os votos são para o candidato. No meu caso, tenho votado mais para derrotar o candidato que não quero ver eleito. A interpretação que a justiça eleitoral está dando, para o mandato pertencer ao partido e não ao candidato, pode ser uma tentativa de valorizar e promover os partidos doravante. Contudo, a maioria dos partidos pouco tem feito para se apresentarem com modelos alternativos de poder que cativem novos filiados.
O programa eleitoral do PPS ontem à noite é exemplo. Comemoram a volta da inflação e a não aprovação da CPMF como seus grandes projetos. E atribuem, falsamente, ao PT. Apregoando ética, encrustrados em cargos públicos, suas lideranças criticam os que mamam nas tetas do governo.
Resultado, nem o partido muito menos os candidatos vão receber votos pois o eleitor está mais esperto.

Celso Roma disse...

De fato, os eleitores votam em uma lista aberta de candidatos. Se os eleitores quiserem punir os infiéis, podem. O trabalho de Rogério Schmitt concluiu que, em determinadas circunstâncias, os deputados infiéis têm chances menores de reeleição.
A intenção do Poder Judiciário pode ter sido boa. O problema está em que a medida é contrária à experiência de países democráticos. Nos EUA, Alemanha e Espanha, a legislação é permissiva, mesmo assim são raras as trocas de partido.
No Brasil, os políticos já estão aproveitando brechas da legislação. A fundação do PSD é um exemplo.

Chutando a Lata disse...

Não consigo ver a importância do tema infidelidade partidária,porque não existe nenhuma diferença entre os partidos políticos aqui de nossa terrinha. O PSTU será o PSOL de hoje. O PSOL será o PT de hoje. O PT de ontem, uma empulhação que poucos enxergaram.