domingo, 11 de abril de 2010

Onde fica o Paraguai? Nota sobre uma ausência bibliográfica

[Série Chão e Céu, 2007. João Castilho. Pirelli/MASP]

José Szwako*

“Novas lideranças sulamericanas”, texto do professor Rafael Villa publicado na Revista de Sociologia e Política n. 32, é aberto com estas palavras: “A instabilidade política na região dos Andes tem chamado a atenção pela sua instabilidade ainda que a região do Cone Sul mais o Brasil (se excetuamos o Paraguai) tenda a apresentar mais estabilidade do ponto de vista político” (p.71). A julgar por essa disposição textual, o Paraguai se situa no Cone Sul, mas não apresenta a estabilidade política característica da região. Ao longo do texto, que gira ao redor de clivagens centrais para pensar as dinâmicas de estabilidade/instabilidade política no subcontinente como um todo, nosso vizinho guarani desaparece.

Esta ausência se repete em “Sociedad civil, esfera pública y democratización en América Latina: Andes y Cono Sur”, coleção que não reserva espaço para o caso paraguaio. Esses são apenas dois exemplos em um oceano bibliográfico sobre a América Latina e do Sul. Se procurarmos pela letra ‘pê’ no index de uma centena de livros e organizações, encontraremos ‘Partido...’ e, logo em seguida, Perón. Um prêmio de consolação pode ser encontrado nos sites do scielo Brasil e Chile: na busca pelo país, dentre vários artigos dedicados a microorganismos, bactérias e afins, são achadas reflexões sobre política recente, migração, e a Guerra contra o Paraguai, mas elas não passam de dez.

Não estou desfiando um rosário, nem penso que o Paraguai – “desde a Guerra!” – é injustiçado e, por alguma razão mística, merece atenção e análise. Essa ausência me interessa diretamente por conta da minha pesquisa, na qual estudo a relação de organizações feministas com o Estado paraguaio. De um ponto de vista bastante amplo, se nos voltarmos para as gerações e trajetórias de mulheres mobilizadas pelo e ao redor do feminismo, desde meados dos anos 1970, em quase todos os casos latinoamericanos (o caso paraguaio aí incluído), é sumamente instigante os fortes paralelos entre eles. Para mencionar apenas três deles, as divisões internas ao movimento, suas conquistas e limites se repetem nitidamente em vários exemplos da militância feminista. Quer dizer, do ponto de vista da análise conjunta dos feminismos, o Paraguai, em seus pontos convergentes e divergentes com os demais casos, está definitivamente plantado na América Latina.

O próprio texto de Rafael Villa traz ‘clivagens’ que espelham esse enraizamento: a vitória de Fernando Lugo, por exemplo, pode ser enquadrada adequadamente na “renovação de elites e Ascenso de esquerda de várias tonalidades” – e, diga-se de passagem, a coalizão com o Partido Liberal descolore bastante o caráter de esquerda do governo Lugo. Além disso, a base social sobre a qual se assentou tal renovação, ou seja, a série de vários movimentos sociais que impulsionaram a candidatura luguista, marca aquilo que Villa, na esteira de um Sader, chama de “entrada de novos atores políticos e sociais em cena”.

As fontes, objetos e níveis de comparação para espelhar frente ao caso paraguaio poderiam se multiplicar, seja com casos latinoamericanos ou não: a longa e triste reprodução do Partido Colorado lembra o exemplo mexicano do Partido Revolucionário Institucional e, em outro registro, as lógicas de produção ideológica em torno das figuras de Stroessner e de Stalin têm semelhanças nada superficiais. Em que medida essas comparações são adequadas, é pergunta a ser sistematicamente respondida. Que o Paraguai não seja um objeto consagrado e que sua política instável não mereça o adjetivo poliárquico, no entanto, não devem ser motivos para pensar nele como uma excepcionalidade de qualquer sorte.

*José Szwako é doutorando em Ciências Sociais na Unicamp.

2 comentários:

Adriano Codato disse...

Bom texto, Zé. Para mim é um mistério porque nao se estude o Paraguai. Há que se investigar. Nem os gringos têm feito isso?

Anônimo disse...

Poizé, Adriano, não saberia dizer o porquê dessa falta do Paraguai... Há algumas pesquisas, de norteamericanos, sobretudo, mas são muito poucas se você comparar. Sem querer ir muito longe, mas, chutando, diria que isso tem um pouco a ver com as agendas (em sentido muito lato) do Norte. Se olharmos para quais são os centros de pesquisa na Europa e procurar quem são os periféricos e quem são os centrais, vamos ver que, hoje e desde dos 1990, a disputa por uma certa hegemonia intelectual gira em torno dos que estudam África e Ásia. Ou seja, América Latina anda meio fora de moda. Mas, quando os latinoamericanos estavam na onda intelectual, de 1950 a 80, eu diria, o Paraguai não dava pistas de que iria se democratizar, e países menores como Bolívia e Peru – interessantíssimos pra qualquer europeu fascinado com a gente cabocla – já pareciam mais abertos para agendas de development and democracy. Daí, como o Paraguai não era interessante desde os anos 1930 como Brasil e Argentina, nem ‘interessantíssimo’ como seus congêneres mais recentemente, ele ficou para trás. É um chute, a ver...