quarta-feira, 3 de março de 2010

fortuna e virtù no pleito presidencial: ocaso tucano

[Luz Teimosa, Fernando Lemos. Pirelli/Masp]
Lucas Massimo

Na primeira metade dos anos 1990, exatamente em janeiro de 1993, reunia-se em Washington uma porção de especialistas num semanário organizado pelo Institute for International Economics, cujo tema era “The Political Economy of Policy Reform”; nessa ocasião debateu-se à exaustão um documento escrito por John Williamson sob o sugestivo título de “Search of a Manual of Thecnopols”. Entre vários tópicos levados ao debate no encontro, discutiu-se o peso de variáveis políticas no sucesso das reformas econômicas, em particular, para a conveniência de executar políticas com efeitos sociais perversos na sequência de catástrofes como guerras ou contextos de hiperinflação.

Estou parafraseando o texto de José Luis Fiori, publicado no caderno Mais! da Folha em 03 de Julho de 1994, o artigo “Moedeiros Falsos”. A razão pela qual esse assunto é pertinente, na conjuntura presente, é que ele alude a uma dificuldade experimentada pelas classes dominantes brasileiras na passagem dos anos 80 para a década de 1990, qual seja, a articulação de uma sólida aliança de interesses sociais em torno de uma plataforma comum, e sua tradução para o mundo político através de uma candidatura para a presidência da República.

Ao final dos anos 1980 o desmoronamento do bloco de sustentação do modelo nacional-desenvolvimentismo era um fato consumado; o que estava em aberto era a direção do novo pacto de dominação, e a maneira como se exerceria a hegemonia numa sociedade com alto grau de ativação política, e calejada por um modelo de crescimento econômico que concentrava renda de uma forma jamais vista.

A combinação de desalento e indefinição foi, a um só tempo, produtor e resultado do insulamento de um grupo de técnicos encabeçados por FHC, que, sublinho, aprofundou o programa de reformas vencedor do pleito em 1989 – e nesse aspecto a querela sobre o caráter eleitoreiro do Plano Real fica num longínquo segundo plano.

A candidatura de FHC surge ancorada na estabilidade monetária, porém, o arranjo de interesses sociais que o sustenta é infinitamente mais sólido que a base de apoio a Collor, patrono do programa de modernização da sociedade brasileira. E isso não diz respeito à evolução da coalizão, ou a administração de seus conflitos internos, nem ao imponderável da restrição externa, mas sim ao sucesso em articular interesses sociais dispersos, particularizados pela crise de hegemonia que se instalou após a crise da dívida, na primeira metade da década de 80. É difícil periodizar a disseminação das idéias liberalizantes dentro das classes dominantes brasileiras, mas é interessante notar que o fim da hiperinflação, apresentado como feito histórico, fundou as bases políticas para uma ampla recomposição interna da distribuição da riqueza entre as classes sociais, bem como para uma re-inserção do país na era das finanças globalizadas.

É preciso ter em mente como a combinação da fortuna e da virtu transformou a doma da inflação em condição de sucesso do programa de reformas neoliberais inaugurado por Fernando Collor, mesmo quando as condições políticas de sustentação do governo estavam dirimidas, e quando tudo sugeriria uma vitória retumbante das oposições. Isso é especialmente válido no momento presente, onde as oposições, e aqui aponto o destino dessa reflexão, parecem tão dispersas na capacidade de generalização de uma plataforma junto aos desafios que se colocam nos novos parâmetros do pacto de dominação; concretamente, em que medida a divisão interna do PSDB representa a incapacidade do partido em fazer ecoar os interesses comuns das diversas classes e frações de classe que se fizeram dominantes no curso dos governos FHC? A pergunta é retórica, mas objetivamente, que partido melhor representa os interesses do latifundiário conservador, ou num léxico mais atual, “o agronegócio brasileiro”? Até onde o discurso da eficiência no gasto público posiciona essa fração de classe no mesmo pólo da indústria de telecomunicações? De que maneira a crise das finanças globalizadas alterará o exercício da dependência econômica no país, e o que as candidaturas poderão indicar a esse respeito?

Em síntese, é importante observar a tessitura da articulação de interesses sociais, que subsistem na forma “aliança político-partidária”, seja pela necessidade de elaborar análises sociológicas consistentes, seja pelo desafio que o prognóstico da política brasileira impõe.

Lucas Massimo é pesquisador do Grupo de Pesquisas sobre Neoliberalismo e Relações de Classe, e mestrando em Ciência Política pelo IFCH/UNICAMP.

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