Os avanços contra a corrupção na política
[Sem título, 1983. Eduardo Salvatore. Pirelli/MASP]
Celso Roma (*)
Lei da Ficha limpa impede que criminosos consigam um cargo e dificultem investigação ou punição dos delitos
A prisão do governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, ocorrida no dia 11, é o último estágio de um processo observado desde os anos 1990 para dar fim à ideia de que a corrupção e a impunidade reinam no Brasil. Juntos, a sociedade e os três Poderes da República estão se esforçando para resgatar a ética na política. Houve conquistas ao longo da última década, sobretudo no que diz respeito à luta contra os crimes eleitorais. Contava uma tradição muito cara ao país que os eleitores se vendem e que os candidatos que compram votos ou usam a máquina administrativa durante a eleição ficam impunes. Atualmente, com a mudança de atitude por parte do eleitor, a vigência de uma lei contra os delitos eleitorais e a cassação do mandato dos condenados, essas ideias indicam falta de informação a respeito do assunto.
A cultura política de tolerância à corrupção pertence ao passado. Nas décadas de 1970 e 1980, grande parte dos eleitores aceitava que um governante fosse corrupto desde que inaugurasse obras públicas e adotasse o assistencialismo. Hoje, isso se tornou inaceitável. Segundo pesquisa do Datafolha, realizada em outubro do ano passado, mais de 90% dos eleitores têm apreço pela ética, reprovando práticas como o pagamento de propina e aprovando os candidatos com capacidade administrativa e honestidade.
A relação entre bom governo e popularidade pode ser observada, também, na classificação dos governadores feita pelo Datafolha em dezembro. Os governadores mais bem avaliados são considerados competentes e honestos, enquanto os mal avaliados são alvos de denúncias de improbidade administrativa ou corrupção.
A maioria dos eleitores, por sua vez, está cumprindo a lei eleitoral. A tendência pode ser observada, por exemplo, no número de votantes vulneráveis à oferta de compra de voto por parte dos candidatos ou de seus cabos eleitorais. A porcentagem de cidadãos que já cederam o direito de escolher seus representantes é menor do que se imagina. Segundo a pesquisa do Datafolha, 13% dos eleitores admitiram ter em algum momento trocado o voto por dinheiro, emprego ou presentes. Sabendo que os respondentes estão protegidos sob o anonimato, ou seja, não correm o risco de constrangimento ou punição, é possível dizer que o número levantado esteja muito próximo da realidade.
A postura dos eleitores impede que candidatos generalizem o vício de comprar votos. Há dez anos pelo menos, os candidatos se limitam a assediar uma parcela do eleitorado. Conforme sugerem quatro relatórios publicados pela Transparência Brasil, nas eleições municipais de 2000, seis em cada 100 eleitores foram estimulados a vender seu voto; na eleição de 2002, o número foi de 3%; nas eleições municipais de 2004, subiu para 9%; e, nas eleições estaduais de 2006, caiu para 8%. Mesmo na pior ocorrência, menos de um décimo dos eleitores foi importunado na hora de votar. Admitindo que a maioria dos eleitores resista ao assédio ou até descumpra a promessa, escolhendo o candidato de sua preferência em vez daquele que tentou suborná-lo, o somatório de votos comprados na eleição parece ser ínfimo. Embora um caso de transgressão seja eticamente condenável, por outro lado não é lícito afirmar que o resultado das eleições possa ser comprado.
A iniciativa para eliminar os resquícios de crime eleitoral partiu da própria sociedade e teve o apoio dos seus representantes. Mais de um milhão de eleitores participou da coleta de assinaturas organizada em 1997 pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), com o apoio de outras entidades. A mobilização resultou em um projeto de lei de iniciativa popular apresentado ao Congresso Nacional em 18 de agosto de 1999. Em menos de dois meses, o texto foi discutido e votado por deputados e senadores e sancionado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.
Em dez anos, mais de 700 políticos foram cassados por crimes eleitorais. De acordo com o conteúdo dos dossiês do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), a lista inclui seis senadores ou suplentes, oito deputados federais, seis governadores de Estado, 13 deputados estaduais ou distritais, 460 prefeitos ou vice-prefeitos e 207 vereadores. Sabendo que a contagem não atingiu 16% das zonas eleitorais e que novas sentenças foram proferidas nos últimos meses, o número exato de cassações é maior do que o informado. Com base na Lei nº 9.840, que tipifica o crime de compra de voto (artigo 41-A) e uso ilegal da máquina administrativa (parágrafo 5º do artigo 73), os candidatos estão sendo denunciados e punidos.
Uma nova frente contra a corrupção se abriu com a campanha da Ficha Limpa. Apoiado por um número superior a um milhão e meio de assinaturas e em trâmite no Congresso desde 2009, o projeto de iniciativa popular PLP 518 quer declarar inelegíveis os candidatos que foram condenados por crimes graves - homicídio, racismo, tráfico de drogas e improbidade administrativa - ou que renunciaram ao mandato para evitar abertura de processo. Caso seja aprovada, a lei impedirá que criminosos tenham a possibilidade de alcançar um cargo eletivo e, nesse caso, usem de meios para dificultar a investigação ou a punição a que estão sujeitos.
Os brasileiros não somente repudiam a corrupção na política como também contribuem para que sejam criadas leis contra ela. Em outubro próximo, os candidatos disputarão o voto dos eleitores em um contexto marcado pela rejeição aos escândalos e pelo fim da impunidade. Os avanços precisam ser reconhecidos.
(*) doutor em Ciência Política pela USP e pesquisador-colaborador do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (CEDEC)
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