sexta-feira, 31 de julho de 2009

O dissenso sobre a economia dos EUA

[A home economics student shopping
for a sofa, after having learned what to
look for. Nina Leen, 1951. Life]


Valor Econômico 31/07/2009
por Celso Roma*

É ilusório o discurso de que o atual governo dos EUA favorece todos os cidadãos: não há consenso na sociedade

Por que o presidente Barack Obama obtém o apoio dos parlamentares democratas e enfrenta oposição por parte dos republicanos no Congresso dos Estados Unidos? A razão do dissenso envolve, entre outros, os interesses econômicos que os partidos Republicano e Democrata representam. Em comum, ambos estão atendendo às expectativas de seus eleitores e simpatizantes.
A despeito da preferência partidária, os americanos estão preocupados com as dívidas, o preço do gás e a inadimplência para com as administradoras de cartão de crédito. Exceção à parte, o partidarismo influencia a maneira como os americanos percebem os problemas da economia. Os democratas destacam, entre os temas que os incomodam, o alto número de cidadãos sem seguro médico, as despesas com a saúde, a taxa de desemprego e a queda dos salários e outros pagamentos dos trabalhadores. Concentrados na base da pirâmide socioeconômica, eles tendem a privilegiar políticas que envolvam assistência e garantia de renda. Diferentemente, os republicanos priorizam, entre os assuntos que os preocupam, o déficit orçamentário do governo e o aumento do imposto de renda, que pode ser cobrado em dois níveis da federação. Reunidos com mais frequência no topo da pirâmide socioeconômica, eles tendem a rejeitar políticas que resultem em redistribuição de renda. Enquanto a maioria dos democratas considera pertinente a intervenção estatal no sistema econômico, a maioria dos republicanos está preocupada com a interferência, cada vez maior, na propriedade de empresas privadas e nas atividades ligadas ao comércio e à indústria. O papel a ser desempenhado pelo Estado na economia continua sendo um dos assuntos que mais despertam polêmica.
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Tanto é assim que a maioria dos democratas apoiou o governo federal no tocante à concessão de empréstimos às grandes companhias automotivas, sobretudo a Chrysler e General Motors. Porém, inclusive para os democratas, a assistência financeira ao setor deve ter um limite, conforme indica a rejeição ao aporte adicional de US$ 21 bilhões. Os democratas aprovam também o controle provisório sobre os bancos em dificuldade e o limite aos salários de altos executivos das corporações que receberam auxílio; ao mesmo tempo, eles estão divididos quanto ao plano de nacionalização do setor bancário. Discordando deles, os republicanos se posicionam favoráveis ao livre funcionamento do mercado, de tal modo que rejeitam tanto o auxílio do governo às empresas automobilísticas como a ingerência nas transações bancárias e na remuneração de executivos. Os republicanos condenam mais amplamente as propostas de nacionalizar os bancos e emprestar recursos públicos complementares ao setor produtivo. Portanto, está longe de ser consensual a iniciativa para retomar o crescimento da economia.
A forma pela qual os americanos avaliam a política econômica se reflete na aprovação ou não de Barack Obama. O atual governo tem avaliação positiva de nove em cada dez democratas e negativa de sete em cada dez republicanos. Em sentido análogo, o presidente é aprovado por 88% dos que se declaram politicamente liberais; 69%, moderados; e 36%, conservadores. O contraste se torna mais nítido considerando os mais polarizados no espectro ideológico. Entre democratas liberais, no polo da esquerda, o índice de aprovação do presidente sobe a 92%; entre republicanos conservadores, no polo da direita, o número cai para 16%. A controvérsia em torno da administração Obama surgiu desde quando ele tomou posse em janeiro deste ano e ao longo do semestre se manteve nesses termos. É necessário registrar que, entre a terceira semana de janeiro e a quarta de junho, a taxa de rejeição ao governo subiu de 13% para 33%, devido a que, nos últimos meses, os indecisos passaram a ter uma opinião negativa sobre ele.
O desempenho das autoridades monetárias também divide opiniões. Os democratas confiam no trabalho que está sendo realizado por Ben Bernanke na presidência do Banco Central (Federal Reserve System) e por Timothy Geithner como secretário do Tesouro. Mais de dois terços dos democratas manifestam muita ou satisfatória confiança neles. Por outro lado, os republicanos desconfiam do responsável pela área financeira e mais abertamente do encarregado da política monetária. O partidarismo é tão intenso que produziu ambivalência nos americanos. Nos últimos dois anos e meio do governo George W. Bush, o presidente do Fed, Ben Bernanke, estava bem avaliado entre os republicanos e era visto com desconfiança pelos democratas, mas a partir do momento em que ele passou a cooperar com o governo democrata os conceitos foram invertidos: atualmente, os republicanos o avaliam de maneira negativa, ao passo que os democratas depositam confiança nele.
É ilusório o discurso de que o atual governo dos EUA favorece todos os cidadãos. Não há consenso na sociedade nem sequer quanto aos problemas que atingem a economia do país, e menos ainda a respeito das soluções adotadas pelo presidente Barack Obama. Em realidade, democratas e republicanos divergem no modo como avaliam a conjuntura econômica.

* Celso Roma é cientista político e doutor pela USP

2 comentários:

Lucas Massimo disse...

Celso
Achei bastante convincente a apresentação que você faz das clivagens no espaço político norte-americano. Não vejo como classificar os issues postos à superação da crise que não se enquadrem nessa polarização. Assim, a divergência quanto ao modo de avaliação da crise econômica aparece como um obstáculo político à sua superação, (e aqui vai uma humilde hipótese) já que essa divergência não apreende o componente político da crise econômica. A disposição republicana em adotar uma solução menos intervencionista e o prognóstico democrata pelo controle dos salários dos altos executivos, ambos resultam de um juízo pelo qual a crise é cíclica, como se ajustes pontuais pudessem reverter a trajetória recessiva instalada na economia desde o final do ano passado. Ora, a crise que eclodiu no centro do sistema capitalista é uma crise financeira, e a compreensão exata do porque a crise ultrapassou o mundo da finança está no desenho do sistema capitalista que vem sendo montado desde o final dos anos 1970. O dissenso político que você aponta, do meu ponto de vista, faz ver como se está longe de uma solução definitiva para a recessão, a despeito de alguns dados indicando a recuperação do crescimento.
Um abraço
LM

Celso Roma disse...

Lucas
O que me motivou a escrever foi a revolta de um economista, que soltou a seguinte pérola: por que os republicanos não apoiaram nas votações do Congresso o pacote econômico do presidente Barack Obama? Ele não faria a pergunta se ao menos soubesse que, desde os anos 1930, os partidos Democrata e Republicano consolidaram o programa para a área econômica. Que republicanos e democratas divergiram sobre a solução para a Crise de 1929, configurando, desde aquela época, duas alternativas de condução da política econômica.
Os intervencionistas podem comemorar os dias de fama. Eles durarão pouco. Quando o déficit fiscal atingir um nível elevado e a inflação ameaçar, os monetaristas entrarão em cena novamente, como já ocorreu na década de 1970. As crises são passageiras e, historicamente, só fortaleceram o capitalismo. É como uma gripe forte. Na hora pensamos que vamos morrer. Parece que ela não vai acabar. Mas, depois de sermos curados, temos uma vaga lembrança dela e voltamos à normalidade.
Um abraço,
Celso