sexta-feira, 26 de junho de 2009

Uma onda conservadora na Inglaterra


Celso Roma*

Valor Econômico 26, 27 e 28 de junho de 2009

No último dia 04, coincidindo com a eleição para o Parlamento Europeu, os ingleses escolheram os seus representantes para o governo local. Foram realizadas votações em 27 conselhos municipais e sete autoridades unitárias da Inglaterra. O controle sobre esta divisão administrativa do país é importante para os partidos políticos porque ela envolve a provisão de serviços públicos, como transporte, educação e seguridade. Mas a eleição deste ano não se limitou a essa problemática. A agenda incluiu dois temas que definiram o voto do eleitor, sejam eles a crise no gabinete do primeiro-ministro Gordon Brown e as denúncias de mau uso das verbas públicas por parte de alguns parlamentares. Isso é tão verdadeiro que o novo quadro partidário projeta alternância de poder no Parlamento.

A apuração dos votos confirmou o avanço dos conservadores em quase todo o território. Superados por seus adversários e os liberal-democratas, os trabalhistas figuram como terceiro colocado nessa eleição, registrando um dos piores desempenhos de sua história. Segundo a estimativa da BBC, o Partido Conservador alcançou 38% do número total dos votos; os Liberal-Democratas, 28%; o Trabalhista, 23%; e o restante, 11%.

A diferença entre os partidos se torna mais evidente quando se leva em conta o número de assembleias e de cadeiras que eles controlam. Em sistema baseado em voto distrital e lista fechada, com regras majoritárias, o poder dos partidos nem sempre corresponde ao número de votos que eles logram nas urnas. A fórmula de conversão de votos em cadeiras premia o partido mais votado, concedendo-lhe a posse de todos os cargos em disputa. O resultado desse processo determina em que medida os partidos venceram ou perderam uma eleição. A tabela em destaque mostra o desempenho efetivo dos partidos.


Os conservadores são maioria absoluta em 30 das 34 assembleias municipais. Dos 2.362 cargos de conselheiros, eles preenchem 1.531 (64,8%). O partido expandiu o tamanho da bancada, consolidando a liderança. Os liberal-democratas controlam uma autoridade unitária e somam 484 conselheiros (20,5%). Se, por um lado, eles foram vencidos em duas localidades onde eram maiorias, por outro, conseguiram manter a proporção de conselheiros eleitos anos antes. Os trabalhistas, além de não conseguirem vencer sequer um conselho municipal, perderam os quatro que possuíam. Para agravar a situação, o partido elegeu 178 conselheiros (7,5%), reduzindo fortemente a sua representatividade.

Outras organizações também competiram pelo voto dos eleitores. Entre elas, destacam-se os partidos Verde, Nacional Britânico, Independente, Mebyon Kernow e Liberal e os grupos apartidários – por exemplo, Associações de Moradores – organizados em torno de assuntos de interesse das comunidades. Entretanto, quem não tem filiação partidária tradicional tende a perder as eleições. Pequenos partidos e independentes, juntos, filiam 7,2% dos conselheiros e não constituem maioria em nenhuma assembleia municipal. Os três maiores partidos controlam todos os conselhos e as autoridades, contabilizando em seus quadros 92,8% do total de conselheiros. Nem o insucesso dos trabalhistas alterou de maneira significativa a divisão de cadeiras entre os grandes e os pequenos partidos. Nas eleições deste ano, de cada dez cadeiras realocadas, os conservadores levaram oito. As novas formas de mobilizar eleitores não fazem frente aos partidos tradicionais.

Nenhum partido obteve a maioria absoluta das cadeiras em dois conselhos municipais e uma autoridade unitária, propiciando, para assim dizer, assembleias equilibradas em forças partidárias. Em contraste com as reuniões em que há um vencedor claramente definido, estas não têm. Elas permanecem em estado de incerteza até que os partidos formem um governo de coalizão. Se isto não ocorre, a instabilidade persiste, seja com a formação de um governo minoritário seja com a possibilidade, como recurso extremo, de dissolução da assembleia; duas ocorrências raríssimas no modelo inglês.

A derrota dos trabalhistas na eleição provocou mudança no governo de Gordon Brown. Seu gabinete está sendo reformulado, após vários ministros terem abandonado o cargo. Estão sendo sugeridos novos instrumentos para monitorar os gastos dos parlamentares. E a preocupação do governo para com os eleitores prossegue. O primeiro-ministro não deixou o cargo ou dissolveu o Parlamento, convocando eleições, justamente para evitar que o Partido Trabalhista seja derrotado outra vez. A estratégia pode ser eficaz somente no curto prazo. As eleições gerais, se não forem antecipadas, têm data prevista para 2010. Os ingleses já manifestaram a sua insatisfação com o atual governo e, de acordo com a projeção dos institutos de pesquisa, ensaiam repeti-la no próximo sufrágio. A se confirmar essa tendência, os conservadores devem retomar o controle do Parlamento.

Esta eleição, embora restrito a um caso, enseja aprendizado. Escândalo na política não é exclusividade de países presidencialistas com eleições legislativas baseadas em lista aberta de candidatos e regra proporcional para distribuição de cadeiras. Países que são tomados como modelo por reformistas também estão sujeitos ao problema da malversão do dinheiro público. As instituições políticas, por mais bem desenhadas, não impedem o desvio de conduta por parte dos representantes da sociedade. A vigilância dos eleitores é o mecanismo que se revela mais eficaz para promover a ética na política.

* Celso Roma é doutor em Ciência Política pela USP

2 comentários:

Luiz Domingos disse...

Celso, eu concordo que a hipótese que pretende explicar a corrupção em função do sistema eleitoral seja espúria. Nada mais típico de um pensamento que acata os engodos vindos dos representantes para tergiversar sobre os seus erros.

Entretanto, a possibilidade de mudar o representante, no caso inglês, não é mais direta do que no caso brasileiro (com as coligações proporcionais e distribuição de votos dentro das listas)? Ou seja, não seria mais fácil punir um parlamentar inglês nas urnas do que no Brasil?

Celso Roma disse...

Nenhum parlamentar britânico pode ser cassado por seus pares, mesmo se for comprovada a prática de corrupção. Só os eleitores de seu distrito podem removê-lo. Na prática, os corruptos (ou acusados de) costumam se afastar da política, pois raramente se elegem para um cargo público.
Em tese, o voto distrital facilita a punição de candidatos corruptos. Ocorre que, se os eleitores não se preocupam em punir os corruptos, o tipo de sistema (distrital ou proporcional) passa a ser irrelevante. Se a lista for fechada, o eleitor enfrenta outro dilema. Pune todos os candidatos do partido por causa de um? Segundo os estudos legislativos, o Brasil já funciona com um sistema distrital oculto. Ou seja, os candidatos concentram suas campanhas e recebem votos de determinadas regiões de seu Estado. O problema é que esse sistema, em vez de resolver a corrupção, incentiva políticas paroquiais e está na raiz dos escândalos envolvendo os deputados federais com o Orçamento.