segunda-feira, 23 de março de 2009

Justiça militar e governo civil


[Gen. Pedro Aurelio Goes Montiero,
Chief of Staff of Brazilian military, 1939. Life]

Folha de S. Paulo, domingo, 22 de março de 2009

Especialista defende reforma de lei militar

Para cientista político, mais importante que discutir existência de TJMs é assegurar adequação de código penal das Forças à democracia Segundo Jorge Zaverucha, Brasil ainda segue o Código Penal Militar de 1969; com o fim da ditadura, Argentina e Chile mudaram lei militar

ANA FLOR
DA REPORTAGEM LOCAL

Mais importante do que a existência ou não de tribunais militares é assegurar que os códigos penais militares estejam em conformidade com um Estado democrático. A opinião é do cientista político Jorge Zaverucha, especialista na relação entre militares e civis e autor do livro "FHC, Forças Armadas e Polícia: entre o Autoritarismo e a Democracia, 1999-2002".
Doutor em ciência política pela Universidade de Chicago e pós-doutor pela Universidade do Texas, em Austin, com passagem pela Universidade Hebraica de Jerusalém, o atual coordenador do Núcleo de Estudos de Instituições Coercitivas da Universidade Federal de Pernambuco diz que a jurisdição militar hoje no país faz do Brasil uma "semidemocracia".



FOLHA - Justiças militares são necessárias em tempos de paz?
JORGE ZAVERUCHA - O problema fundamental não é existir ou não uma Justiça militar. A questão está na definição de o que é crime propriamente e impropriamente militar. A Justiça militar, em tempos de paz, deve contemplar crimes propriamente militares, que só um militar pode cometer -como dormir na guarda do quartel.

FOLHA - O que é um crime impropriamente militar?
ZAVERUCHA - Pichar ou fazer grafites em muros de instalações militares, por exemplo.

FOLHA - O Brasil evoluiu em relação a outros países?
ZAVERUCHA - A definição de crime militar no Brasil em 2009 é praticamente a mesma do regime militar. O Brasil ainda segue o Código Penal Militar de 1969. Os EUA e a Inglaterra, entre outros países democráticos, têm tribunais militares, mas que não julgam civis. Na Noruega, na Áustria, na Alemanha, entre outros, só há Justiça militar em época de guerra. Com o fim do regime autoritário, Chile, Uruguai e Argentina mudaram seus códigos penais militares. A Argentina está indo mais além e se prepara para extinguir a Justiça militar. Mas o Brasil está na contramão.

FOLHA - É ruim para o Brasil seguir um Código Penal Militar feito durante a ditadura?
ZAVERUCHA - Nos regimes autoritários, você alarga a definição de o que é crime militar. Nas democracias, diminui-se o escopo. Também nas democracias, eles não julgam civis, ao contrário do Brasil. Portanto, isso é um enclave autoritário politicamente aceito pela elite política. Por quê? Ainda convém aos civis manterem alianças com os militares.

FOLHA - O senhor cita outros erros que seriam nocivos à democracia.
ZAVERUCHA - Um erro grave é a Justiça militar fazer parte do Poder Judiciário. Nos EUA, por exemplo, faz parte do próprio Exército. No STM, os juízes militares brasileiros são antes militares, depois juízes. Via de regra, não são togados. A corte é muito mais uma extensão do quartel do que uma organização que procura fazer justiça. O curioso é que o STJ analisa recursos de militares estaduais, enquanto que os de militares federais [das Forças Armadas] são julgados pelo STM.

FOLHA - Que mudanças o senhor sugere?
ZAVERUCHA - O primeiro passo é mudar o Código Penal Militar. Não se explica que, numa "semidemocracia", se tenha um código de 69, ápice do regime militar. Nenhuma democracia, que mereça esse nome, segue o padrão brasileiro.

FOLHA - Já houve alguma tentativa de mudança?
ZAVERUCHA - O governo Fernando Henrique tentou criar uma comissão para fazer mudanças [no Código Penal Militar], mas ela foi logo abortada. Desde então não se toca no assunto. Os militares têm força política muito grande.

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2203200913.htm

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