segunda-feira, 30 de março de 2009

Feias, sujas e malvadas...

[Henlein Nazi Rally.
Czechoslovakia,
1938. Margaret
Bourke-White, Life]


José L. Szwako

Curitiba, mais uma vez, teve de encarar seus monstros. Semana passada, a Câmara Municipal de Vereadores negou o Título de Utilidade Pública à Associação Paranaense da Parada da Diversidade, APPAD. Os dois lados da peleja, contra ou favor do reconhecimento público da organização, tiveram em comum as referências à Cidade: os contrários empunhavam a ‘família curitibana’, com a prosápia dos ‘bons costumes’ e, de quebra, alegavam que eventos assim ‘não acrescentam nada à nossa cidade’. Do outro lado, aqueles que se colocaram a favor da APPAD não hesitaram em dizer que aquele era ‘um dia para envergonhar os curitibanos’.

As escassas coberturas jornalísticas enfatizaram o clima de ‘tensão’ no dia da votação e também o fato de que esse tipo de reconhecimento nunca havia sido objeto de discussão tão calorosa naquela casa. A descrição da distribuição das pessoas nas bancadas era clara: de um lado, feias, sujas e malvadas, estavam as travestis, as bichas, as lésbicas, ... De outro lado, os evangélicos e, pasmem, as crianças. Essa descrição acompanha a auto-imagem das pessoas veiculada pelos argumentos na internet: tudo se passa como se não existissem intersecções. Ou você é um, ou é Outro, afinal, não existem travestis evangélicas e sequer evangélicos gays. (E isso deixa a argumentação muito mais fácil para o lado progressista da peleja.) Mas, pior: “Como seria seu filho ou filha aderindo a isto?” – questionou um leitor. Ora, as nossas crianças não serão imundas, assim como essa gente estranha que, tendo nascido já adulta, não é (e alguns se desesperam, ‘essa gente não pode ser !‘) curitibana, como ‘nós’.

No olho do furacão conservador, estava a pergunta que não quer calar: Porque cargas d’água o Estado – e não é qualquer Estado, é a Câmara-de-Vereadores-de-Curitiba – deveria reconhecer um grupo tão estranho de pessoas? Ou, como vi no site de um jornal tradicional: "QUAL O INTERESSE PÚBLICO RELEVANTE NA REALIZAÇÃO DESTA PARADA?" Ironia das ironias, coube a essa minoria imaginária a hercúlea tarefa de publicizar para um público mais amplo o fato de que a Cidade é habitada por múltiplas cidades. Por meio da luta por reconhecimento, com ou sem sucesso imediato, o grupo mobilizado em torno da APPAD torna público que existe um tipo de opressão baseada em supostas ‘opções sexuais’, civiliza o público curitibano e o convida à democratização de seu imaginário – tudo isso, de graça.

José L. Szwako é doutorando em Ciência Sociais na Unicamp.

2 comentários:

Antônio disse...

O curioso é que esta faceta de valores da população local não foi explorado pela pesquisa da Gazeta "retrato da cidade", publicada na semana passada no jornal.

Tocou-se apenas em pontos pacíficos e em generalizações. A diferença, a minoria, o contraste, pouco é levantado no estudo.

Miriam Adelman disse...

Muito bem colocado, Zé. E vem essa negação da "utilidade pública" de um evento/ manifestação que afirma os direitos básicos de muitas pessoas, numa cidade em que, muito tristemente, continuamos testemunhando os mais horriveis atos de violência homofóbica...Coincidência não deve ser!