terça-feira, 8 de abril de 2008

O cretinismo parlamentar e a imprensa

Para mim, a Folha de São Paulo figura como o maior (e isolado) exemplo de um arquipélago heterodoxo e algo disforme da imprensa nacional. Embora a sua orientação editorial seja a meu ver muito mais tucana do que qualquer outra coisa, congrega jornalistas e colaboradores de diversas orientações políticas, na maioria preponderantes com os extremos, à esquerda e à direita.

A edição de hoje (08-04-2008) me ajuda nesta constatação. Em uma só página há um sintoma de uma doença e um alerta de um velho guru no assunto. Começo pelo alerta, que é de Carlos Heitor Cony (ótimo cronista e discutível analista político da semana), quem vem com uma frase memorável aos interessados em política:


“Mais de três anos nos separam da próxima sucessão presidencial, mas a classe política – e seu anexo mais espalhafatoso, que é a mídia – não pensa em outra coisa.”


Há dias eu queria discutir isto neste blog. O debate político colocado no país é pífio. A culpa é da classe política e dos embates entre governo e oposição, mas a mídia endossa isso insistentemente. Ou melhor, a mídia é cooptada pelo (pobre) debate público travado entre os políticos, partidos, blocos, e ajuda a fomentar, com desmedido calor, um debate que é justamente o mais interessante para uma classe política que só pensa em polêmica e em eleições.

A doença pode ser observada pelos artigos de Eliane Cantenhêde (ótima analista da cena política e duvidosa crítica) na página 2 da Folha. Seguramente, nos seus últimos 10 artigos diários - e o de hoje vem logo acima da célebre frase de Cony -, 7 ou 8 devem ser sobre Dilma, sobre dossiê da Casa Civil, sobre a “morte” precoce da pré-candidata do governo à sucessão de Lula... Ou seja, sobre o último escândalo a ocupar a atenção dos brasileiros (que lêem a imprensa nacional, diga-se). Não seria muita tinta de caneta e muitas horas de sono gastos com um programa jornalístico de “transparência” que, sabemos, é discutível? Há transparências e transparências, dependendo da clientela do jornal, dependendo de quem controla o jornal, dependendo dos ventos políticos, dependendo de N variáveis.

Mas sigo entendendo que a Folha ainda é, dos jornalões, um último recanto que resguarda espaço para (algumas poucas) incongruências, sobretudo se tomarmos alguns colaboradores com bandeiras ideológicas distantes – Cesar Benjamin e Ferreira Gullar, para ficar nos exemplos mais escancarados. Embora a política editorial seja demasiadamente alimentada pelo “cretinismo parlamentar”, a Folha ainda paga alguns articulistas que assumem posições interessantes, dialogam com ideologias diversas, se reportam a minorias, e dão um tom mais político ao debate.

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