quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Partidos, políticos, moral etc.

Artigo publicado na Gazeta do Povo, 11 out. 2007

Adriano Codato

“O PT, no fim das contas, era um partido igualzinho a todos os outros. Bastou chegar ao poder”... A banalidade dessa declaração sugere, contudo, uma verdade menos evidente.
Tão preocupados estivemos nos últimos anos em afirmar, ou acreditar na afirmação de uma verdade não política, que os agentes sociais pudessem ser simplesmente os portadores da ética, da moralidade, da honestidade, definidas sempre num registro muito vago, e esquecemos um conceito simples. Partidos políticos são máquinas eleitorais profissionais projetadas para ganhar eleições, exercer o poder, empregar filiados e implementar algo um tanto indefinível como “um projeto para o País”.
Partidos não são clubes literários, entidades beneficentes, associações de homens de boa-vontade ou organizações não-governamentais de grandes propósitos. Nem aqui, nem na China, para ser mais preciso. As transformações recentes na dinâmica política democrática impuseram a governantes, dirigentes, militantes, simpatizantes e ao público em geral algumas lições pouco edificantes: programas de governo não são escritos a partir dos estatutos do partido, mas em função de pesquisas de opinião; políticos colocam suas carreiras em primeiro plano ficando para um segundo momento definir que outros interesses vão, de fato, representar; eleições são os únicos mecanismos aceitos para controlar minimamente os representantes, já que é somente nesse momento que eles têm de se aborrecer com os eleitores.
Aqui as coisas talvez sejam um pouco caricatas, visto que as simpatias e as antipatias da opinião pública, aferidas segundo as mesmas técnicas de pesquisas com consumidores de bugigangas, comandam até a mudança de nome e sigla dos partidos. Os “Democratas”, um nome um tanto excessivo para a realidade que descreve, é só mais um exemplo de como as ideologias (os sistemas de idéias) ou significam nada, ou significam exatamente isso: idéias abstratas sem nenhuma correspondência com o mundo sublunar. Que o PT tenha insistido em seu último congresso em se autodefinir como um partido “socialista” revela mais sobre como os dirigentes julgam nossa capacidade de julgá-los do que sobre a idéia um tanto larga que eles próprios fazem do socialismo como doutrina e como prática.
O mais novo emplastro aplicado pelo STF ao sistema político nacional é a “fidelidade partidária”. Políticos que se elegem por uma agremiação e transferem-se para outra correm, em tese, o risco de perderem seus mandatos.
Praticamente tudo já foi dito nos últimos dias sobre virtudes e defeitos da decisão. Os otimistas, como de hábito, sustentaram que agora, enfim, a coisa anda: a medida apressa a reforma política, disciplina o jogo partidário, inibe comportamentos auto-interessados, exige uma adequação entre candidaturas e orientações doutrinárias. Os mais realistas ponderaram que as mudanças de sigla poderiam, em poucos casos é verdade, ser comandadas pelas infidelidades do partido ao seu programa; ou que, no fim das contas, tomado esse movimento na devida perspectiva, a série histórica de migrações partidárias mostraria que se há, de fato, muitas movimentações, elas na verdade se dão dentro do mesmo espectro ideológico: políticos de partidos de direita migram para partidos de direita, políticos de partidos de centro migram para partidos de centro e assim por diante.
Parece-me, entretanto, que o argumento fundamental para questionar não a eficácia, mas a validade de uma medida restritiva como essa não vem da “judicialização da política” (isto é, a intromissão do Judiciário num assunto que não lhe diz respeito) ou do fato da interpretação da doutrina criar uma nova doutrina. Vem da questão mais incômoda: o mandato pertence aos partidos; mas que partidos? Dado que as organizações partidárias são elas mesmas fracas, pouco disciplinadas, sem um programa ideológico claro, divididas regionalmente em grupos pouquíssimos parecidos entre si, em nome de quais princípios se poderia exigir “fidelidade”?
O sistema político brasileiro está condicionado por uma lógica partidária ao mesmo tempo simples e difícil. Simples na forma porque, efetivamente, só existem à disposição dos executivos, dos políticos profissionais e dos eleitores dois partidos: o partido do governo atual e o partido daqueles que não compõem – ainda – o governo atual (“partido da oposição” seria um nome exagerado na conjuntura atual para descrever aqueles que estão, por ora, fora da coalizão). Difícil de ser manejada porque como existem, legalmente, dezenas de partidos, a formação do “partido do governo” implica em muitas práticas pouco republicanas, para utilizar a expressão da moda: aliciamentos, concessão de favores, empreguismo oficial, clientelismo parlamentar, manipulações do orçamento etc.
Dado esse contexto institucional (fragmentação partidária), dado esse mecanismo de obtenção de apoios (cooptação) fica difícil exigir “fidelidade” sem implodir o sistema e aumentar para o governo os custos de transação: conseguir apoios ficará não só mais complicado, mas mais caro para todos – e para nós principalmente, que pagamos a fatura.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Pró-alcoól e trabalho escravo

A discussão sobre os biocombustíveis, os com bustíveis não poluentes e renováveis está num patamar internacional com destaque ao produto brasileiro. Nos últimos meses, todos os lugares que o presidente Lula visitou foram assoberbados com um dircurso, um lembrete, uma nota de rodapé sobre a necessidade da produção dos combustíveis ecológicos e de como o Brasil poderia encabeçar isto.
Não tenho dúvida que o Brasil pode encabeçar este projeto. A cana-de-açucar produz mais combusível com menos substrato do que o milho (principal fonte de alcoól de cereal nos EUA) e as áreas de cultivo disponíveis em nosso país são amplamente superiores do que em qualquer outro território ao redor do planeta. Além do que, eu é que não vou ser contra o movimento ecológico.
Para além disto, a produção e exportação deste produto geraria emprego e renda para o Brasil. É justamente neste ponto que poucos falaram - o emprego de quem corta cana. O presidente Lula há pouco em seu discurso em Estocolmo salientou que a plantação de cana-de-açucar na Amazônia é inviável. Logo depois, na ONU, diz que o planejamento agroecológico para a produção de biocombustíveis já está atrasado. O Ministro da Agricultura, Reinold Stephanes, está com o céu em brancas nuvens. Nada de direito dos trabalhadores.
Até o momento apenas a Profa. Maria Aparecida de Moraes Silva se pronunciou sobre a questão do trabalho do plantio da cana.
Em artigo na Folha, a socióloga bem lembrou que a condição em que vivem os plantadores de cana e a rotina de trabalho dos mesmos é muito próxima da escravidão. Para termos apenas noção, basta saber que para cada tonelada de cana extraída são necessárias mil "facãozadas". O valor de cada tonelada de cana é de R$ 2,50. Quem produz pouco é chamado de "facão de borracha" ou "fraco" pelos colegas. Qualquer tentativa de reinvidicação ou resistência á exploração tem como consequência a dispensa do serviço. Para quem precisa dos 8 meses de colheita para sustentar a família que está longe por todo ano, a ameaça não é pequena. A "vida útil" de um cortador de cana é em média de 15 anos - se começar a trabalhar com 18, chega aos 40, no máximo. Segundo os anais da história, a vida últil deste trabalhador é inferior ao do escravo do Brasil colonial. Na região canavieira de São Paulo, de 99 a 05, tivemos 72 óbitos (fonte: MP e INSS).
Não resta dúvida que a política está desvinculada da sociedade, mas estamos deixando a vida de lado. A vida de quem sofre para que você possa gastar menos dinheiro ao abastecer seu carro dotado da tecnologia de ponta FLEX.

Sócrates, a revolução social futebolística e as quimeras populistas

[Crowded soccer fans. United
Kingdom, 1951. Cornell Capa. Life]


Fernando Leite

Há algum tempo atrás, recebi um e-mail de uma amiga numa dessas listas de discussões. O e-mail continha uma série de frases politicamente polêmicas; a maioria bastante engraçada. Uma delas, além de curiosa, parece-me trágica. Trata-se de (mais) uma proposta de "revolução", proferida por nosso Doutor Sócrates, sim, o mago dos campos tupiniquins "alegremente baldios" dos anos oitenta.

Trascrevo-a na íntegra, da mesma maneira que a recebi:

"Os mais conservadores e os reacionários têm um verdadeiro pavor da politização das torcidas. É que neste país nada mobiliza e agrega mais que o futebol e poderá ser por meio dele que teremos os exemplos que determinarão os caminhos que devemos seguir para transformar nossa sociedade em algo mais humano e da qual possamos nos orgulhar" (Sócrates, ex-jogador de futebol, Carta Capital, 13/03/3009).

Entendo o "argumento" de Sócrates da seguinte maneira: ele diz que os "conservadores e reacionários" têm medo da "politização das torcidas" supondo (1) que o futebol é o fator que mais "agrega e mobiliza" os organismos humanos desta República; (2) que um movimento social pode surgir dessas virtudes futebolísticas e (3) que tal movimento seria positivo, pois transformaria nossa sociedade incivilizada nalgo "mais humano" etc.

Em primeiro lugar, existe um veículo de difusão ideológica que pensa de forma semelhante a Sócrates, isto é, que acha que futebol é mais importante do que um bom sistema de ensino e políticas democráticas eficazes: a Rede Globo. Seria impossível contemplar a vasta quantidade de material empírico disponível para mostrar a crença (ou o rebuço) globista no "poder transformador" do esporte e, em especial, do futebol. Mas um evento é especialmente ilustrativo. Em 2 de junho de 2006, há poucas semanas da Copa do Mundo, a Globo dedicou um Globo Repórter ao tema. Como era de se esperar, a finalidade que orientava as matérias não se reduzia a apresentar o cotidiano dos craques, a celebrar o espetáculo e a pressionar por bons resultados (ainda que tudo isso esteja presente).

O fio condutor de todo o programa consistiu em uma comparação entre Brasil e Alemanha. Cada bloco do programa era dedicado a um desses países: um sobre o Brasil, o seguinte sobre a Alemanha, e assim até o fim do programa. Nunca vi uma manifestação tão perfeita de nosso eterno drama tupiniquim, que consiste em cultivar os valores e a realidade dos países avançados, projetados como ideais de um futuro próspero e reunidos sob a alcunha do "país do futuro"; enquanto tacitamente acreditamos que nossas disposições sejam intrinsecamente incompatíveis com ele. Assim, os blocos dedicados à Alemanha celebravam invejosamente os feitos sociais, tecnológicos, econômicos e culturais daquele país. Os blocos dedicados ao Brasil mostravam o rumo para o progresso: o futebol, que tanto salva jovens retirando-os da pobreza e oferecendo a oportunidade de "vencerem na vida"...

Consulte a matéria por si próprio:
http://grep.globo.com/Globoreporter/0,19125,VGC0-2703-10603-2-170919,00.html
http://grep.globo.com/Globoreporter/0,19125,VGC0-2703-10603-2-170917,00.html
(Ressaltamos a genial expressão Tino Marquiana, que conseguiu transformar "favela" e "habitação subumana" no eufemismo "campos alegremente baldios". Não consigo deixar de pensar que o raciocínio e as sensações que passaram pelo cérebro desse repórter da Globo são homólogos aos que acometem o Dr. Sócrates.)

Em segundo lugar, existe uma palavra que descreve perfeitamente no que consistem as frases de Sócrates (e seus análogos globistas): uma mitologia.

Ora, nosso país já possui problemas demais. Não precisamos que as torcidas se agremiem e se organizem politicamente. Já são tirânicas o bastante sem qualquer mobilização política. Já temos problemas demais do jeito que são. Caso se organizem, seu ímpeto de violência só se tornará mais destrutivo, pois os atos de violência seriam racionalizados, aumentando seu escopo e seus efeitos. Sua desorganização, embora seja mais um sintoma de sua boçalidade anárquica (e anti-republicana, anti-racionalista, irrascível, autoritária, intolerante...), garante que a violência se restrinja a conflitos difusos entre machos-alfa lutando por territórios.

As torcidas não são as massas de operários e de intelectuais orgânicos que conduziriam à sociedade de abundância e de bem-estar internacional. São, simplesmente, puras manifestações das profundas tensões sociais que atravessam o país. A violência que acomete os estádios - e especialmente suas redondezas - não passa de uma pequena dimensão da violência que acomete todo o país. Remete aos mesmos esquemas que produzem anualmente mais de 40 mil cadáveres, produtos de assassinatos de todo tipo, e provavelmente também aos esquemas que produzem número semelhante de corpos nas estradas do país dos campos alegremente baldios. Vou além, e especulo que esteja provavelmente ligada aos fatores estruturais (políticos, sociais, econômicos...) que fornecem o fundamento a partir do qual as espécies de mentalidade tupiniquim agressivas, autoritárias e intolerantes se desenvolvem.

Provavelmente não há princípio de divisão, no Brasil, mais eficaz que o futebol para dividir, classificar e opor indivíduos. Em muitos casos, antes de tudo, o homem médio brasileiro é um partidário de algum clube. E de alguma torcida. O futebol é uma guerra supostamente dissimulada, lutada por outras vias; no Brasil, isso nem sempre é verdade, tornando-se uma guerra de fato. Não há disposição mais anti-democrática que aquilo que comanda as torcidas brasileiras. A influência do futebol já é grande demais. O espírito que o comanda, se feito Estado, mais se assemelharia a um estado de guerra civil constante, numa sociedade dividida por milícias lutando pelo extermínio do partido alheio.

Carlos Alberto Pimenta escreveu um interessante artigo sobre o assunto, intitulado "Violência entre tordicas organizadas de futebol", apresentando argumento semelhante ao meu.

(Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392000000200015&script=sci_arttext Acesso em: 30.mai.2009.)

Em terceiro lugar, o raciocínio de Sócrates é análogo a um sistema de mistificações típicas do esquerdismo populista (no qual a proposta de Sócrates se insere, ainda que, até onde se saiba, ele não seja intelectual, mas apenas ingênuo) que virou moda nos últimos tempos: parte de estereótipos e de mistificações das classes dominadas. Tudo o que se assemelha, por seus aspectos mais superficiais, com o "povo", com a "cultura popular" (e seus correlatos e eufemismos de "pobre" e "pobreza") é associado a virtudes altamente rentáveis simbolicamente: "humilde", "solidário", "altruísta", "consciente", "mobilizado", "passional", "inovador"...

Aqui atingimos o ponto principal de nosso raciocínio.

Que se diga desde já: as virtudes associadas ao "Outro" implicam na condição subalterna e mesmo dominada do "Outro". Há uma relação muito próxima entre a conservação das condições sócio-econômicas dos dominados e as virtudes que são associadas a eles.

É preciso perguntar: quem confere as qualidades ao dominado (e seus eufemismos aprazíveis: "outro", "povo", "popular" etc.)? É o próprio dominado? Compartilha com ele das circunstâncias e das condições objetivas nas quais está inserido? Qual o interesse de alguém celebrar aqueles que ocupam uma posição inferior à sua própria?

Temos uma horda de intelectuais e de outros membros das profissões "alternativas", indivíduos das classes médias e altas, que compartilham das premissas de Sócrates. E, assim como Sócrates - ou mais -, lucram quantidades incomensuráveis de capital simbólico com sua "representação popular": como se estivessem descolados do espaço social, os virtuosos das classes superiores virtuosamente transformam-se nos representantes e nos ideólogos dos fracos e dos oprimidos.

A projeção romantizada e idealizada que fazem do "povo" não passa de um constructo puramente abstrato: o "povo" do esquerdismo populista tem corpo de povo, mas cabeça de intelectual.

Esse constructo, essa mistificação, tão corrente nos espaços sociais e simbólicos onde sucede a vida dessa classe muito específica de privilegiados, opera como uma forma bastante perspicaz de produzir e reproduzir capital simbólico. É como se esses indivíduos, por meio das operações de construção daquele mito, se amalgamassem a ele, atribuindo para si todas as características virtuosas que atribuem ao "povo": o esquerdismo populista "se transforma" no "povo"; o representante dos fracos e dos oprimidos se veste como o "povo"; ele tenta viver como o "povo"; tenta falar e pensar como o "povo". E de fato consegue, pois trata-se do povo entre aspas, isto é, a mistificação idealista e virtuosa dos dominados - um processo que, aliás, o dominado está excluído.

Tal alquimia simbólica, evidentemente, só existe e só é eficaz porque ocorre dentro de um espaço social sociologicamente compatível com ela. Sendo auto-referente, fechado em si mesmo, o universo social da esquerda vulgar confere suas recompensas aos seus próprios membros. Os próprios pares são responsáveis por reconhecer as empreitadas individuais de incorporar as propriedades do "povo" - lembramos, do "povo", o povo-intelectual entre aspas, que confere muito mais prestígio, reconhecimento e afirmação ontológica (além de outros derivativos do capital simbólico, como o capital sexual) que o povo real, isto é, as classes dominadas, fadadas a uma vida de sobrevivência que não se assemelha em nada com a aristocrática arte de vida dos ideólogos do "povo".

Associando-se com o "povo", tornando-se o "povo", o intelectual da esquerda vulgar acessa, assim, todo tipo de lucro simbólico. Transforma-se no ser humano mais nobre do mundo, num detentor de todas as virtudes - virtudes que os donos do poder econômico e político, seus inimigos diretos, não possuem.

Pois é lógico que o futebol, este substantivo popular por excelência, cumpra um papel importante na mitologia do esquerdismo vulgar brasileiro, essa espécie de estilo e arte de vida que toma coloração política (e, freqüentemente, científica).

Não precisamos de torcidas mobilizadas ou de políticas sociais futebolísticas. Precisamos daquilo que todos sabem, que compõe o senso comum: instituições democráticas eficazes; fortalecimento das instâncias representativas e do controle social dos legisladores e administradores públicos; políticas que distribuam a riqueza econômica; um forte sistema de ensino público, que distribua universalmente as condições de acesso aos valores mais importantes da sociedade e que valorize o professor e o conhecimento etc.

Precisamos de instituições verdadeiramente racionais e, ao mesmo tempo, democráticas.

Talvez seja precisamente o alto grau de vulgaridade que acomete esses imperativos, o fato de fazerem parte do senso comum, que estimule as frações de classe "alternativas" a buscarem receitas simbólica e socialmente mais rentáveis, ainda que irrealistas e perversas na mesma proporção.

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

O Senado, a Sibéria e o cemitério

O Senado, por princípio, é uma casa mais conservadora do que a Câmara dos Deputados. No passado era vitalício, os mandatos terminavam no cemitério, e o Imperador escolhia os sucessores, notáveis mais velhos e mais experientes. Foi concebido como casa revisora, que devia moderar as escolhas supostamente mais progressistas e muito inovadoras da Câmara Baixa. Os Estados Unidos deu-lhe nova função institucional, de representar as unidades federativas, para garantir que os estados tivessem seus interesses defendidos no sistema político. À “câmara dos comuns” cabe representar o “povo” do país inteiro e manifestar os sopros reformadores advindos das ruas.

Tais inovações, ao lado de outras (tais como a existência de mandatos eletivos e finitos), não retira o caráter conservador do Senado. No Brasil, um mandato de 8 anos e a idade mínima de 35 anos atestam que a casa ainda se destina aos políticos “mais experientes”, dotados da moderação necessária para o exercício de revisar e equilibrar as decisões da Câmara Baixa. Além disto, trata-se de um local mais pomposo, com muito menos cadeiras, sessões silenciosas, gabinetes suntuosos, de tal modo que a relação entre cada um dos seus membros seja tão importante (ou talvez até mais) do que a relação entre os partidos, as bancadas ou os grupos parlamentares de qualquer natureza.

Não é casual, portanto, que as decisões do Senado dependam muito mais de jantares entre 4 ou 5 senadores (como foi na derrubada da Medida Provisória que criava a Secretaria de Planejamento de Longo Prazo) do que de lutas políticas acirradas.

Igualmente, arrolar sucessivas investigações internas, o silêncio e a baixa ressonância das manifestações da opinião pública atestam que este não é um lócus de disputa por decisões substantivas. É, antes disto, um local destinado a abrigar caciques políticos cansados da rinha parlamentar, à espera de uma eleição para o governo do seu estado, ou para um assento num ministério coadjuvante, ou simplesmente para ter as benesses materiais e simbólicas advindas de um cargo virtualmente importante.

Também não é casual que já no fim do século XIX Machado de Assis apontasse o Senado como um lugar fadado a ser sempre a antiga Sibéria. Só que foi justamente a calmaria e o pitoresco que conferiram à Sibéria o seu significado histórico, assim como ao Senado cabe a radicalização das conveniências políticas. Os senadores querem paz, querem uma morte política lenta e suave. Como os governadores, os deputados federais e a classe política como um todo também o quer, dificilmente o Senado deixará de existir apenas pela fraqueza do “bicameralismo”.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Quem não legisla...

O Supremo Tribunal Federal irá, nesta quarta-feira (03/10), votar o Mandado de Segurança impetrado pelo Democratas, PSDB e PPS, em que o principal ponto a ser dfiscutido será: o mandato pertence ao partido político ou ao político?

Se o Plenário do STF decidir a favor dos partidos, (os analistas estão quase certos que acontecerá) estará implantada no Brasil a fidelidade partidária de inopino e a revelia de todos os processos democráticos instituidos. Isso revelaria, assim como em outras decisões que vêm sendo tomadas por esse tribunal, a ganância legiferante do Poder Judiciário. Se assim entender, ficaria prejudicado todo o sistema de repartições de funções instituido pela Constituição da República de 88, sem falar no golpe fatal que receberá o Congresso Nacional, desmoralizado e já sem função.

Quem perde somos nós e principalmente aquela velha dama, já antiquada nestes tempos pós-modernos: a democracia.