sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

As eleições para a presidência da Câmara: uma briga de compadres?

Gazeta do Povo 19 jan. 2007

Sérgio Soares Braga

A eventual consolidação de uma candidatura de terceira via para a presidência da Câmara dos Deputados pode ser uma boa oportunidade para que se trave um efetivo debate público sobre o papel do Legislativo no atual sistema político brasileiro. Apenas se isso ocorrer estas eleições podem ter algum significado político relevante para a opinião pública, evitando transformar-se em mais uma “briga de compadres” nas hostes governistas (onde os parlamentares disputam entre si para mostrar qual o mais fiel servidor do governo), sem que se promovam alterações significativas ou aperfeiçoamentos substanciais na forma de funcionamento do Congresso Nacional e na relação dessa casa legislativa com a sociedade brasileira.

Não deixa de ser decepcionante que a preocupação central dos candidatos até agora (e da maioria dos analistas políticos) tenha sido com a contabilização de votos e com os conchavos de bastidores envolvendo os apoios mútuos para as candidaturas. Também é um indício preocupante o fato de que nenhum dos dois postulantes governistas tenha se dedicado a justificar para a opinião pública o porquê exatamente das respectivas candidaturas. Afinal, se ambos apóiam o governo em que diferem exatamente entre si? Por que as duas candidaturas?

Ora, muito mais importante do que isso são as propostas efetivas a serem apresentadas pelos candidatos para modernizar o Poder Legislativo no Brasil e reaproximá-lo da sociedade brasileira, recuperando um pouco a desgastada imagem da instituição após sucessivas acusações de corrupção e tentativas escandalosas de autofavorecimento.

Pelo que foi divulgado, no entanto, as perspectivas são pouco alvissareiras. Consta que uma das principais “idéias” do principal candidato governista, caso seja eleito, é encaminhar um projeto de iniciativa popular anulando o processo de cassação de José Dirceu e outros envolvidos no escândalo do mensalão. O outro candidato situacionista, por sua vez, atual presidente da Câmara e co-autor de um livro intitulado “Reeleição: golpe contra a democracia”, publicado pela editora Anita Garibaldi no longínquo ano de 1997, também pouco veio a público para esclarecer quais são suas propostas efetivas caso seja reeleito. Ao que parece, nenhum dos dois posicionou-se com a veemência necessária pouco tempo atrás contra o escandaloso reajuste salarial de 91% que os deputados pretendiam autoconceder-se.

A candidatura do deputado Gustavo Fruet pode ser um importante fato político no sentido de estimular o debate público sobre o papel do Congresso e do Legislativo brasileiros e dar um certo significado político efetivo a uma eleição que parecia morna, a ser decidida mais na base do “toma-lá-dá-cá” (isto é, no tradicional e promíscuo troca-troca de cargos e favores por apoio político, como é praxe na vida política brasileira) do que pelo debate público de idéias e propostas de gestão.

A esse respeito, talvez um bom ponto de partida para o debate sejam as propostas divulgadas recentemente pela ONG Transparência Brasil, repercutindo os pontos de vista expressos por um grupo de parlamentares preocupados com os rumos do Congresso Nacional e, portanto, da própria democracia brasileira. Dentre outras questões relevantes, exige-se que os candidatos à presidência da Câmara se posicionem, de maneira clara e inequívoca, em relação aos seguintes pontos polêmicos: (i) estabelecimento de um teto máximo, pelo índice de inflação, para o reajuste salarial dos deputados e para os gastos de campanha; (ii) redução e ampla divulgação das verbas de gabinete e verbas indenizatórias de cada parlamentar; (iii) obrigatoriedade da divulgação dos nomes e das funções das pessoas empregadas em cada um dos gabinetes; (iv) instituição de mecanismos de avaliação e acompanhamento permanentes de programas de governo no âmbito de cada Comissão Legislativa, para que as comissões se transformem efetivamente em órgãos de controle e acompanhamento de políticas públicas setoriais; (v) fim do voto secreto em plenário e obrigatoriedade de divulgação de todas as votações nominais. Isso para não falar das questões referentes à realização de uma “reforma política”, ou seja, do encaminhamento, durante a próxima legislatura, de mudanças substanciais visando a melhoria da legislação eleitoral e partidária brasileira.

Só assim (isso é, caso os pontos acima sejam objeto de um efetivo debate público entre os candidatos) as eleições à presidência da Câmara podem se transformar num momento de aperfeiçoamento da democracia e das instituições legislativas no Brasil, e não tornar-se mais uma “briga de compadres” onde, como diria o escritor italiano Tomaso di Lampedusa, apenas sejam feitas mudanças cosméticas para que tudo o mais permaneça como está.

Sérgio Soares Braga é professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFPR.

Um comentário:

Luiz Domingos disse...

Acho este texto um belo exemplo daquilo que falamos por "intervenção crítica no debate público sobre os temas da ordem do dia". Notadamente a crítica sobre a atenção voltada exclusivamente para o cômputo dos votos de cada um, esquecendo os reais efeitos das questões que tangem à democracia e a melhoria do Legislativo no Brasil.