À que serve a transitologia/consolidalogia? O processo político paraguaio entre a 'crise de abril' e o 'marzo de 1999'. (Parte 2)
*José Szwako
Vimos que a chamada ‘crise de abril’ foi o episódio no qual o general Lino Oviedo se negou a deixar o comando das Forças Armadas do Paraguai ordenado pelo então Presidente Wasmosy. Esse foi ‘the coup that didn’t happen’ (VALENZUELA , 1997). O desfecho dessa crise potencial se deu com a intervenção de atores internacionais e com a mobilização de atores da sociedade civil paraguaia. Do ponto de vista da estabilidade institucional, esse desenlace encerrava um paradoxo: o país havia dado um passo importante quanto à institucionalização das Forças Armadas, sem uma real involução do processo político, mas Oviedo saía livre desse episódio e essa era uma pista evidente da intimidade do pacto militar-colorado com todos os poderes da República. Mitigada por fatores internacionais e domésticos, essa instabilidade passou, mas “ainda estava por vir o que seria a verdadeira crise política da transição paraguaia” (YORE & PALAU, 2000) – abril de 1996 foi apenas o prelúdio do março de 1999.
Utilizando-se de uma retórica nacionalista e clientelista, Oviedo se lança em campanha para as franjas empobrecidas do campo e das cidades paraguaias, e ao mesmo tempo consolida uma nova facção dentro do coloradismo, a ‘União Nacional dos Colorados Éticos’ (UNACE). Em suas falas, Oviedo fazia promessas messiânicas, atualizando, em um molde ultrarreligioso, alguns dos lugares-comuns da ideologia stronista: ‘el Paraguay necesita vivir en paz y libertad. Yo soy el eligido y el mensagero para encontrar el camino’, ‘el buen colorado debe ser gaucho y los hombres deben hacer el sacrificio de tener muchas mujeres’. Esse tipo messiânico e autoritário de discurso encontrava terra fértil em um ambiente marcado pela recessão e pela deterioração das condições de vida no país. Pouco tempo após ter detonado a crise de abril, o oviedismo dava seus primeiros frutos: com base em uma vasta rede de dívidas e lealdades político-militares, o nome de Lino Oviedo não apenas venceu nas internas coloradas para a disputa pela Presidência prevista para maio de 1998, como também liderava as pesquisas de opinião.
Nas internas coloradas, além de ter derrotado um de seus maiores e mais antigos rivais, o stronista Luis María Argaña, Oviedo conseguiu emplacar Raul Cubas, um desconhecido engenheiro na posição de disputa pela vice-presidência. Tal como nas internas para a eleição de 1993, esse resultado foi altamente contestado, pois a própria cúpula partidária impugnou os resultados, ao mesmo tempo em que a Justiça Eleitoral lhes oficializava. Essa dupla vitória de Oviedo e a sua inegável popularidade levaram, no entanto, à reação dos colorados derrotados e de setores da oposição partidária. Em meio aos descontentes com o crescimento do oviedismo estava o próprio Presidente Wasmosy que instaura então um Tribunal Militar Extraordinário, julgando e condenando Lino Oviedo a dez anos de prisão por seus atos em abril de 1996. Renovada, a Suprema Corte ratificou a condenação do tribunal extraordinário e a Justiça Eleitoral tirou Oviedo das eleições a um mês do início dos comícios.
Com Oviedo em prisão militar e atento à possível força advinda da oposição partidária coligada na ‘Aliança Democrática’, o Partido Colorado surpreende ao respeitar seus próprios estatutos, lançando uma fórmula quase inimaginável para concorrer às eleições: para Presidente, o candidato de Oviedo, Raul Cubas, e para Vice, Luis María Argaña. Inimigos íntimos, um oviedista e um stronista juntavam suas forças pelo partido e pela chegada ao Executivo. Se do ponto de vista do faccionalismo intrapartidário, essa fórmula parecia pouco imaginável, do ponto de vista eleitoral, ela foi pragmática e eficaz: em maio de 1998, o coloradismo conquistava mais uma vez a Presidência da República com mais de 53%, ao passo que a oposição ficou com 42% dos votos válidos. Embora tenha transcorrido em uma normalidade até então inédita na vida eleitoral paraguaia, o que se destacou nesse processo foi o slogan da campanha de Cubas - ‘tu voto vale doble’. Ou seja, a candidatura de Cubas foi baseada na promessa de liberar Oviedo, “quem simbolicamente ganhou as eleições desde a prisão” (RODRIGUEZ, 1998).
*José Szwako é doutorando em Ciências Sociais na Unicamp.