quinta-feira, 22 de setembro de 2011

A revolução foi, sim, tuitada, mostra estudo

Não era só impressão: uma análise quantitativa mostra que o Twitter e outras redes sociais foram o pivô das revoltas populares que derrubaram ditadores na Tunísia e no Egito no início do ano.(siga)

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Entrave partidário ao equilíbrio fiscal dos EUA

Folha de S.Paulo, 19/09/2011, A3
Celso Roma*
O acordo costurado há um mês no Congresso dos Estados Unidos para sanear as contas públicas mantém a desconfiança sobre o desempenho das instituições políticas do país.
O trabalho do Comitê Especial para Redução do Deficit, formado por seis democratas e seis republicanos incumbidos de apresentar, até 23 de novembro, proposta para corte de US$ 1,5 trilhão no Orçamento em dez anos, deve criar impasses.
Isso já ocorreu em dezembro do ano passado, quando a Comissão Nacional para Reforma e Responsabilidade Fiscal não alcançou o consenso necessário para aprovar um relatório com propostas visando à redução de gastos e ao aumento de impostos. O problema pode se repetir agora, visto que os membros do comitê se dividem em torno de ideologias próprias.
Mesmo se o plano de corte nos gastos públicos for aprovado pela maioria dos membros do comitê especial, ele precisa ser votado, até 23 de dezembro, pelos plenários da Câmara dos Representantes e do Senado, que estão sob o controle de diferentes partidos, dificultando a tomada de decisão conjunta entre os congressistas.
Em abril deste ano, a falta de entendimento sobre o Orçamento de 2011 trouxe a ameaça de paralisação de serviços prestados pelo governo federal, por falta de provisão de recursos financeiros.
Tanto naquele momento quanto mais recentemente, o radicalismo está enraizado nos partidos políticos, reduzindo a margem de manobra para cooperação.
Democratas, considerados mais liberais, insistem em políticas voltadas para a assistência social e para o intervencionismo na economia, enquanto republicanos, de natureza mais conservadora, resistem a aumentar impostos e a preservar benefícios sociais.
Com base na análise de votações sobre a matéria, vislumbram-se dois cenários. No pior deles, deputados, de um lado, e senadores, de outro, se recusam a costurar um acordo, deixando o projeto engavetado. Nesse caso, o Escritório de Orçamentos da Casa Branca deve impor cortes automáticos, na mesma proporção, nas despesas com política doméstica e defesa.
No melhor cenário, com perspectiva de intensa negociação, os congressistas votam de modo indisciplinado ao que orienta seu respectivo partido, tornando imprevisível o resultado.
A incerteza persistirá até o final do processo legislativo. Ainda que a resolução conjunta seja aprovada pelo Congresso, o presidente Barack Obama pode assiná-la, permitir a promulgação dela sem a rubrica ou, em última instância, vetá-la. Ocorrendo veto, os congressistas devem derrubá-lo para reafirmar a decisão anterior.
O caminho para uma rota fiscal sustentável se torna mais difícil com a proximidade da corrida presidencial de 2012 e com a crescente insatisfação do eleitorado com a suspensão de programas do governo, muitos deles essenciais para recuperar a economia americana.
* cientista político e doutor pela USP, é pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-Ineu).

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Infidelidade partidária, mitos e realidades

Folha de S.Paulo, 09/06/2011, A3
Celso Roma*
Embora pareça ser ruim para o sistema político do país, a infidelidade partidária não produz os efeitos negativos que são atribuídos a ela
Poucos acontecimentos da política brasileira têm sido tão condenados quanto a infidelidade partidária. O debate ressurgiu há poucas semanas, após a divulgação de notícias envolvendo a fundação do PSD (Partido Social Democrático) e a adesão de políticos à legenda recém-criada.
As críticas têm como base a suposição de que, quando um mandatário troca de partido, ele necessariamente burla a lei, distorce o resultado das urnas e trai seus eleitores.
Entretanto, nenhuma evidência maior confirma qualquer uma dessas hipóteses.
Nos casos de fundação de partido político, violação de direito político ou descumprimento do estatuto partidário, a legislação tem brechas que permitem ao mandatário se desligar do partido sem que isso seja considerado irregular.
Exceções ao conceito de fidelidade partidária devem ser toleradas, sobretudo em um sistema político que, num passado recente, esteve subjugado pela Lei Orgânica dos Partidos Políticos, de 1971, sancionada pelo presidente Emílio Médici no auge da ditadura, com a finalidade de limitar o direito de associação política e dar poderes draconianos às cúpulas dos partidos.
A infidelidade partidária também não produz os efeitos negativos que se atribuem a ela, como inverter a correlação de forças políticas. Prova disso é que a intensa movimentação entre os partidos não alterou a composição das mesas diretoras ou as presidências de comissões da Câmara, segundo atesta Marcelo Costa Ferreira, professor da Unifesp, em artigo da Revista de Sociologia e Política.
O eleitor não tem o voto desvirtuado quando o seu representante troca de partido. Na Câmara, por exemplo, os deputados migrantes marcam a mesma posição política observada no partido pelo qual se elegeram, ou seja, eles mudam de partido, mas mantêm as ideias e o padrão de votos, segundo aponta meu artigo na Dados - Revista de Ciências Sociais.
Ao contrário do que se imagina, a migração partidária apresenta aspectos positivos.
Os parlamentares, quando têm a possibilidade de trocar de partido, escolhem o que melhor corresponda ao objetivo da carreira política, o que contribui para corrigir erros de filiação, conforme sugere Scott Desposato, professor da Universidade da Califórnia em San Diego, nos Estados Unidos.
Isso é tão verdadeiro que a interferência do Poder Judiciário na questão teve efeito colateral: os partidos se tornaram menos coesos na esfera parlamentar.
Desde 2007, quando o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) decidiu que o mandato pertence ao partido, PT, PMDB, PSDB e DEM registram aumento da indisciplina dos filiados nas votações da Câmara dos Deputados, como demonstrou o pesquisador Saul Cunow no encontro da Western Political Science Association, no Canadá.
Embora a infidelidade partidária pareça ser ruim para o sistema político do país, não é.
* cientista político e doutor pela USP, é especialista em partidos políticos e eleições

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

À que serve a transitologia/consolidalogia? O processo político paraguaio entre a 'crise de abril' e o 'marzo de 1999'. (Parte 2)

*José Szwako

Vimos que a chamada ‘crise de abril’ foi o episódio no qual o general Lino Oviedo se negou a deixar o comando das Forças Armadas do Paraguai ordenado pelo então Presidente Wasmosy. Esse foi ‘the coup that didn’t happen’ (VALENZUELA , 1997). O desfecho dessa crise potencial se deu com a intervenção de atores internacionais e com a mobilização de atores da sociedade civil paraguaia. Do ponto de vista da estabilidade institucional, esse desenlace encerrava um paradoxo: o país havia dado um passo importante quanto à institucionalização das Forças Armadas, sem uma real involução do processo político, mas Oviedo saía livre desse episódio e essa era uma pista evidente da intimidade do pacto militar-colorado com todos os poderes da República. Mitigada por fatores internacionais e domésticos, essa instabilidade passou, mas “ainda estava por vir o que seria a verdadeira crise política da transição paraguaia” (YORE & PALAU, 2000) – abril de 1996 foi apenas o prelúdio do março de 1999.
Utilizando-se de uma retórica nacionalista e clientelista, Oviedo se lança em campanha para as franjas empobrecidas do campo e das cidades paraguaias, e ao mesmo tempo consolida uma nova facção dentro do coloradismo, a ‘União Nacional dos Colorados Éticos’ (UNACE). Em suas falas, Oviedo fazia promessas messiânicas, atualizando, em um molde ultrarreligioso, alguns dos lugares-comuns da ideologia stronista: ‘el Paraguay necesita vivir en paz y libertad. Yo soy el eligido y el mensagero para encontrar el camino’, ‘el buen colorado debe ser gaucho y los hombres deben hacer el sacrificio de tener muchas mujeres’. Esse tipo messiânico e autoritário de discurso encontrava terra fértil em um ambiente marcado pela recessão e pela deterioração das condições de vida no país. Pouco tempo após ter detonado a crise de abril, o oviedismo dava seus primeiros frutos: com base em uma vasta rede de dívidas e lealdades político-militares, o nome de Lino Oviedo não apenas venceu nas internas coloradas para a disputa pela Presidência prevista para maio de 1998, como também liderava as pesquisas de opinião.
Nas internas coloradas, além de ter derrotado um de seus maiores e mais antigos rivais, o stronista Luis María Argaña, Oviedo conseguiu emplacar Raul Cubas, um desconhecido engenheiro na posição de disputa pela vice-presidência. Tal como nas internas para a eleição de 1993, esse resultado foi altamente contestado, pois a própria cúpula partidária impugnou os resultados, ao mesmo tempo em que a Justiça Eleitoral lhes oficializava. Essa dupla vitória de Oviedo e a sua inegável popularidade levaram, no entanto, à reação dos colorados derrotados e de setores da oposição partidária. Em meio aos descontentes com o crescimento do oviedismo estava o próprio Presidente Wasmosy que instaura então um Tribunal Militar Extraordinário, julgando e condenando Lino Oviedo a dez anos de prisão por seus atos em abril de 1996. Renovada, a Suprema Corte ratificou a condenação do tribunal extraordinário e a Justiça Eleitoral tirou Oviedo das eleições a um mês do início dos comícios.
Com Oviedo em prisão militar e atento à possível força advinda da oposição partidária coligada na ‘Aliança Democrática’, o Partido Colorado surpreende ao respeitar seus próprios estatutos, lançando uma fórmula quase inimaginável para concorrer às eleições: para Presidente, o candidato de Oviedo, Raul Cubas, e para Vice, Luis María Argaña. Inimigos íntimos, um oviedista e um stronista juntavam suas forças pelo partido e pela chegada ao Executivo. Se do ponto de vista do faccionalismo intrapartidário, essa fórmula parecia pouco imaginável, do ponto de vista eleitoral, ela foi pragmática e eficaz: em maio de 1998, o coloradismo conquistava mais uma vez a Presidência da República com mais de 53%, ao passo que a oposição ficou com 42% dos votos válidos. Embora tenha transcorrido em uma normalidade até então inédita na vida eleitoral paraguaia, o que se destacou nesse processo foi o slogan da campanha de Cubas - ‘tu voto vale doble’. Ou seja, a candidatura de Cubas foi baseada na promessa de liberar Oviedo, “quem simbolicamente ganhou as eleições desde a prisão” (RODRIGUEZ, 1998).

*José Szwako é doutorando em Ciências Sociais na Unicamp.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

À que serve a transitologia/consolidalogia? O processo político paraguaio entre a 'crise de abril' e o 'marzo de 1999'. (Parte 1)

Marzo Paraguayo
FOTOGALERÍA MARZO DE 1999
Arquivo Última Hora

José Szwako*

A transição paraguaia teve seu fim com a eleição de seu primeiro presidente civil, o colorado Juan Carlos Wasmosy. Enriquecido com as prebendas e contratos ao redor de Itaipu, Wasmosy era a face civil do pacto colorado-militar herdado do stronismo. Contudo, no bojo do intenso faccionalismo que atravessava o coloradismo desde a queda de Stroessner, antes de disputar e vencer a eleição presidencial, o nome de Wasmosy teve de lutar dentro do Partido Colorado contra outro possível candidato, José Maria Argaña – Ministro da Corte Suprema durante o stronismo e Ministro das Relações Exteriores durante a transição. Em ambos os casos, a escolha colorada não tinha qualquer credencial democrática: ‘Argaña’s discourse had traditionally been aggressive, and he managed to get the support of a majority of the Colorado faction that followed Stroessner to the end. Wasmosy was clearly the candidate of the government establishment, the business elite connected to it, and especially the powerful First Army corps commander, General Lino C. Oviedo’ (ABENTE, 1996).
Wasmosy teve de lutar pela vaga e lutou com todos os meios, legais ou não. Depois de ter sido derrotado nas internas coloradas, a ala militarista do partido forja uma convenção extraordinária, passa por cima do tribunal eleitoral e garante o nome de sua preferência – Wasmosy – na lista colorada para a disputa pela Presidência. Além de ter sido maculada pela atuação aberta dos militares em favor de seu candidato, a eleição de 1993 foi marcada também pela voracidade com que colorados militaristas e colorados stronistas se enfrentavam na vida intrapartidária. Ao fim da transição, a cena ‘era politicamente complexa, mas aceitável para todos; para o general Rodríguez, entenda-se as Forças Armadas, porque foi eleito seu sucessor oficial e para a oposição porque ela conquistou maioria parlamentar’ (RODRIGUEZ, 1993).
A receita política que tinha levado Wasmosy à Presidência podia até ser aceitável para todos, mas acabou se mostrando bastante indigesta para ele próprio. De um lado, seu mandato teria que assegurar, dentro de um marco legal democrático, os interesses daqueles atores que o tinham catapultado; de outro, o oficialismo enfrentava uma inédita oposição parlamentar no Senado e na Câmara dos Deputados; e, para piorar a situação, os políticos colorados ligados à figura de Argaña (argañistas) se agruparam no Movimento de Reconciliação Colorada (MRC) e compuseram uma das bases da oposição ao governo de Wasmosy – ‘a falta de maioria parlamentar e a forte oposição de dentro de seu próprio partido limitaram severamente sua capacidade de governar’ (NICKSON, 1997), tirando os colorados pró-Wasmosy de posições-chave no Congresso.
Com algumas tréguas e pactos de governabilidade entre 1993 e 1994, as relações entre oposição e Executivo, na primeira metade do governo Wasmosy, se concentraram em duas questões intocadas na agenda da transição: a composição da Corte Suprema de Justiça no país e a despartidarização das Forças Armadas. Certamente essas duas tarefas não se completaram no mandato de Wasmosy, mas uma delas ultrapassou a esfera das tensões e negociações entre a oposição e o Presidente, que chegaram ao consenso de que o Poder Judiciário não poderia responder a uma vontade colorada, apontando para um ‘início de avanço maior na Corte’ (NICKSON, 1997). A despartidarização do estamento militar tocava direta e indiretamente nos interesses de militares, em especial, do general Lino Oviedo – de quem, desde fins de 1994, Wasmosy paulatinamente dava mostras de distanciamento.
Embora essas tarefas fossem sumamente necessárias, o nível institucional em que se desenrolou a agenda política pós-transição deixou pouco espaço para políticas econômicas e sociais. Algumas empresas estatais foram à época privatizadas, mas essas privatizações não mostravam retornos visíveis e se davam em áreas periféricas da economia paraguaia. Além disso, entre 1995 e 1998, o Paraguai passou por três crises em função de seu mercado paralelo e do sistema financeiro ilegal a ele ligado. A incapacidade estatal de dar resposta a essas crises levou a um aumento expressivo nas mobilizações de trabalhadores rurais e urbanos e na repressão a elas. De um ponto de vista mais amplo, o descontentamento social não ressoava em políticas públicas, que mostravam baixa capacidade de resposta ao público e não tinham em sua grande maioria fins redistributivos, no governo de Wasmosy e depois dele.
De fins de 1994 em diante, ao mesmo tempo em que a oposição pressionava o Executivo no sentido de dar impulso à despartidarização efetiva das Forças Armadas, o nível de tensão entre o Presidente e o general Lino Oviedo aumentava devido a um jogo de forças que passava pela decisão do orçamento e salário de militares e, sobretudo, pela voz de comando sobre a distribuição de posições dentro da hierarquia militar paraguaia. Esse jogo de forças mostrava, na verdade, aquilo que J. Lara Castro chamou de os ‘limites do poder dual’ nos quais a capacidade de decisão político-institucional era dividida e disputada entre o Executivo e o chefe das Forças Armadas. Enquanto Wasmosy chegava a consensos institucionais mínimos com a oposição, Oviedo se lançava em discursos, paradas e campanhas assistencialistas, e aumentava sua influência no Congresso, junto a atores de oposição ou colorados, e nos aparatos militar e estatal-administrativo. Em médio prazo, o investimento do militar tinha como alvo a Presidência, mas um percalço atravessou seu caminho: em abril de 1996, Oviedo é destituído do cargo de chefe das Forças Armadas por Wasmosy, mas o militar responde negativamente ao poder presidencial, insubordinando-se e colocando o Paraguai em uma delicada situação institucional.
Em nota, a embaixada dos Estados Unidos bradava: “A negativa do general Oviedo de acatar a decisão do Presidente representa um desafio direto à ordem constitucional (...) nosso governo vê com grave preocupação esta ameaça à democracia no Paraguai”. Antes mesmo do Presidente tornar pública a insubordinação do caudilho militar, as embaixadas de Estados Unidos, Argentina, Brasil e Chile, não apenas demonstraram seu apoio incondicional a Wasmosy e à continuidade institucional, como também intervieram, por razões realistas e por outras, de forma rápida e efetiva na estabilização dessa crise. Com resultados positivos, a pressão internacional negocia e logra a saída pacífica de Oviedo da chefia castrense e, como parte da negociação, Wasmosy chega a cogitar o nome de seu inimigo íntimo para o Ministério da Defesa. Em oposição a essa virtual nomeação, jovens estudantes e outros grupos organizados vão às praças ao redor do Palácio do Governo e Oviedo, agora civil, não ganha a pasta ministerial.

*José Szwako é doutorando em Ciências Sociais na Unicamp.