Vícios nas eleições presidenciais = virtudes nas eleições estaduais
Luiz Domingos Costa
A semana de análise das eleições presidenciais é um manancial de leituras enviesadas sobre o processo democrático brasileiro. Com as raras exceções, os articulistas da grande imprensa enfatizaram aspectos “negativos”, apontaram supostos “retrocessos” em relação eleições presidenciais desse ano. A indignação é seletiva e arbitrária. Mais que isso, é uma indignação que só vale para os adversários, para os outros. Esse tipo de hipnose analítica é uma ferramenta corrente para engendrar crenças e realidades sociais facciosas destinadas a um acirramento político-ideológico que deixa de lado questões importantes e cristaliza preconceitos grotescos.
Podemos sintetizar o ressentimento das críticas em três linhas de pensamento equivocadas, mal informadas ou que almejam adulterar os aspectos tipicamente políticos das competições democráticas. [1] Há uma divisão entre o bom/consciente e o mau/pragmático eleitor. Aquele vota bem; esse, vota mal. Essa divisão se reflete no mapa eleitoral do Brasil e demonstra como os maus (pobres, não escolarizados e dispostos a venda do seu voto por qualquer miolo de pão) escolheram renovar o mandato do PT. [2] A candidatura vencedora se valeu de uma concorrência desleal porque usurpou o Estado em favor de sua campanha, inclusive obtendo a participação ativa do Presidente que deveria estar cuidando dos interesses da nação. [3] O perfil da candidatura governista é patético, mulher sem experiência em eleições, criatura sem autonomia-marionete nas mãos de seu criador.
1.
Não me aterei ao primeiro argumento, que já foi objeto de combate de bons artigos, incluindo um que parece ter levado a demissão de uma articulista do Estadão.
2.
A forma de enxergar as nossas virtudes em vícios dos adversários é especialmente clara no argumento sobre a instrumentalização do Estado por parte do PT. Trata-se da ideia de que o partido tomou o Estado para si com fins eminentemente mesquinhos, eleitoreiros, de autoperpetuação no poder. Nenhuma leitura pode ser mais retórica e viciada, porque só vale para o governo federal e ignora categoricamente outras disputas partidárias em nível sub-nacional. Isto é, fala-se do “uso da máquina” do governo federal em favor de uma candidatura governista, mas não há nenhuma vírgula sobre o domínio tucano em São Paulo, que somará 20 anos em 2014, com 5 mandatos consecutivos do mesmo partido político. Ora, onde falta revezamento subsiste democracia? Sem resposta aqui, o silêncio significa o êxito acachapante das políticas do governo do PSDB, com o correlato absurdo que seria afirmar o uso de qualquer tipo de propaganda governista para promoção de seus próprios sucessores na “locomotiva da federação”.
3.
Menos claro é o argumento que enfatiza o caráter forjado, fabricado ou artificial da candidatura de Dilma Rousseff, uma mulher que jamais havia concorrido a qualquer cargo público em eleições, ocupando apenas pastas de indicação político-partidária e/ou técnica. Mas também aqui duas medidas valem para “analisar” as trajetórias de lideranças de partidos distintos. Ora, parece sempre que Dilma foi uma criatura de Lula, uma figura antes insignificante que foi pouco a pouco alçada a cargos de destaque única e exclusivamente para conquistar o cargo máximo da política nacional. Nenhuma palavra sobre a trajetória de Antônio Anastasia, que tem uma trajetória vasta em cargos de indicação político-partidária na burocracia federal e estadual mineira. A semelhança com Dilma é gritante, a exceção de ter concorrido como vice-governador ao lado de Aécio Neves em 2006 e que, registre-se, representa uma experiência eleitoral praticamente insignificante, ainda mais perante um líder com tamanho potencial de ofuscar os companheiros de chapa como é o seu padrinho político. No exemplo mineiro temos eficiência de gestão e sinal de grandeza de um líder que conseguiu reverter uma eleição dura com um candidato jovem e interessante. Na eleição federal temos um espetáculo horroroso de uma candidata plasticamente fabricada, levada pela mão por seu criador e que não sabe se olhar no espelho e reconhecer a própria face.
Todos os casos aqui elencados – do PT no governo federal e do PSDB em São Paulo ou Minas Gerais – podem ser rotulados sob a pecha de “continuísmo”. Mas os possíveis (ou supostos) efeitos perversos são apontados apenas em se tratando do governo petista, dando lugar a ideias como “mexicanização”, falta de republicanismo, declínio democrático e assim por diante.
Esse tipo de inversão é o típico exemplo da alquimia semântica que procura empreender um conteúdo moral distinto para fenômenos (ou conceitos) muito parecidos. Na verdade, por mais aparentes que sejam as sentenças, fenômenos ou conceitos, o a discriminação nominal (com um fim moral) transforma em vícios a mesmíssima característica que em outra situação é uma virtude.
Forçar a barra nesses termos significa, como se sabe, providenciar mecanismos cognitivos, crenças e atitudes para a manutenção de determinadas posições sociais e evitar que situações hierárquicas sejam revertidas em favor daqueles que estão na posição inferior.
Assim era que os norte-americanos do pós-guerra enxergavam as qualidades típicas de sua sociedade de indivíduos empreendedores, laboriosos e poupadores como reflexo invertido entre os japoneses, seres avarentos, sovinas, submissos, dispostos encarar péssimas condições de trabalho e praticantes desleais da concorrência capitalista...
Um comentário:
2-Creio que a expressão "não há nenhuma vírgula sobre o domínio tucano em São Paulo" está incorreta. Basta procurar nos numerosos sites partidários do PT para encontrar referencias ao domínio tucano em SP. Creio que em jornais também pode-se encontrar este assunto.
Lendo o texto de Luiz Domingos Costa tenho a impressão que um erro justifica o outro, ou seja, se os tucanos usam a maquina em SP então o PT pode usar a máquina federal. Espero que não seja esta a intenção do autor, mas infelizmente é o que diz o texto. O autor nao critica o uso descarado da maquina publica para fins eleitoreiros e nem o fato do poder executivo atuar tambem de forma descarada na eleição, mas tão somente critica o fato dos tucanos terem feito em SP o que o PT fez no Brasil. Veja que na frase anterior eu nao fiz diferença entre o PT ou PSDB no uso da maquina publica para fins eleitoreiros.
3-Situação similar ao que escrevi acima. Pois o autor diz que se alguem que não tem capacidade ou que não tem experiencia pode assumir o maior cargo executivo em Minas Gerais então o mesmo pode acontecer com o Brasil. Não concordo com esta argumentação pois não prova de forma consistente o que se pretende : a Presidente eleita tem condições de governar o Brasil. Seria melhor se o autor relacionasse a experiencia e qualidades que trariam condições de governar o pais.
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