sábado, 11 de julho de 2009

Projeto de lei da reforma eleitoral vai além da regulamentação de campanhas na internet: também favorece políticos picaretas - parte 1

[Haveman Political Textpiece.
October 1952. Yale Joel. Life]


Emerson Urizzi Cervi
Cientista Político
Professor da UFPR e UEPG

O substitutivo ao projeto de lei 5498/2009, relatado pelo deputado federal Flavio Dino (PC do B-MA), aprovado no dia 8 de julho de 2009 pela Câmara dos Deputados, conhecido por reforma da lei eleitoral, tem sido intensamente apresentado pelos meios de comunicação como um avanço para as regras das disputas eleitorais brasileiras. Em especial, no que diz respeito à regulamentação do uso da internet nas campanhas e nos períodos pré-eleitorais, o que de fato era urgente. Porém, como infelizmente é comum na Câmara dos Deputados, o projeto de reforma da lei eleitoral é muito mais amplo e trata de aspectos que vão além do uso da internet. Nem sempre os resultados da proposta são avanços no sentido de permitir o aprofundamento da democracia e da moralidade dos atos dos candidatos e dirigentes partidários durante campanhas políticas. Em vários pontos a proposta aprovada na Câmara favorece o comportamento pouco exemplar de políticos “picaretas”, que respondem a processos – inclusive de inelegibilidade – e que não prestam contas de suas campanhas. Como foi aprovado na Câmara, o projeto torna as penalidades a políticos denunciados mais flexíveis e pouco aplicáveis a candidatos.

A imprensa, como tende a acontecer no caso da grande mídia de massa brasileira, dá maior ênfase a aspectos destacados pelas fontes das informações – no caso a assessoria de imprensa da câmara federal e os próprios parlamentares. Estes, por sua vez, têm interesses próprios. Como alguns aspectos do projeto de lei não são tão populares quanto a regulamentação do uso de internet e as “fontes jornalísticas” não se empenham em torná-los públicos, vários deles correm o risco de não serem debatidos. Dá-se mais ênfase a alguns aspectos na cobertura feita pela imprensa, o que gera a impressão de que o assunto restringe-se a apenas esses aspectos. Na teoria do jornalismo há um conceito usado na explicação deste fenômeno, que é o “enquadramento”. Ele tenta explicar como as escolhas feitas pelas fontes e jornalistas são capazes de realçar determinados aspectos da realidade ao mesmo tempo em que ocultam outros elementos. O enquadramento dado pela imprensa brasileira ao substitutivo da reforma eleitoral é um bom exemplo desse efeito no debate público. Basta lembrar que o substitutivo, apresentado como uma lei para regular o uso da internet nas campanhas políticas, altera duas leis que organizam o sistema partidário e eleitoral há mais de dez anos: a lei 9096 de 1995 e 9504 de 1997. Só por esse motivo, é possível imaginar que o impacto de uma reforma eleitoral como essa vai além da simples regulamentação das campanhas na web ou de mudanças pontuais no horário gratuito de propaganda eleitoral.

Como alternativa ao enquadramento dominante, a seguir apresento o que considero ser os principais aspectos do texto aprovado, inclusive com as emendas apresentadas em plenário. Como não se trata apenas de aspectos positivos, como quer fazer crer a cobertura predominante ao assunto, nem ser exclusivamente um sinônimo de retrocesso, as alterações propostas são divididas em positivas em negativas, começando pelas primeiras.

Quanto às campanhas na internet a partir de 2010, a regulamentação estabelece limites para o uso de redes sociais e sítios eletrônicos pelos candidatos, partidos e seus simpatizantes. Também estabelece a possibilidade de doações pela rede mundial de computadores. Dois avanços em favor da incorporação de novas tecnologias ao processo eleitoral. Até aqui, o tema está enquadrado no debate público promovido pelos meios de comunicação, portanto, não aprofundarei neste espaço. Outra mudança positiva é que a partir da aprovação da lei – se for mantida pelo Senado – o eleitor deverá apresentar um documento com foto no ato da votação. Com isso, espera-se reduzir as fraudes eleitorais.

As doações de eleitores para campanhas políticas, que até agora só poderiam ser em dinheiro, e limitadas a R$ 10 mil para pessoas físicas; passam a poder ser feitas em outras formas, tais como a possibilidade de uso de imóveis por candidatos ou partidos, até o limite de R$ 50 mil. Isso é bom, pois reduz a necessidade de fraudes contábeis nas prestações de contas das campanhas.
Financiamento público para ações partidárias que visem maior participação das mulheres na política é outra mudança na reforma eleitoral. Pela legislação vigente, os partidos políticos devem destinar pelo menos 10% dos recursos anuais que recebem do Fundo Partidário para ações dirigidas à participação política das mulheres. O problema é que não há punição prevista para o descumprimento desta “recomendação”. A proposta prevê uma redução desse percentual para 5%, porém, estabelece a obrigatoriedade de destinação desse percentual a ações que envolvem mulheres na política. O partido que não comprovar a aplicação de 5% nesse tipo de ação, terá que investir mais 2,5% no ano seguinte.

Outro aspecto positivo da proposta em tramitação é que disciplina a propaganda em áreas públicas, ruas, calçadas, árvores e postes. A regulamentação é importante para evitar o que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) promoveu nas últimas eleições que foi a quase total proibição de propaganda eleitoral nas ruas sob o pretexto da falta de legislação. O problema é que ao proibir outdoor e qualquer outro tipo de campanhas nas ruas, o TSE cria dificuldades ao cidadão comum a identificação do que se define como o “tempo da política”, ou seja, o espaço em que todos devem prestar mais atenção nos símbolos do debate político. Sem esses símbolos (faixas, nomes de coligações, candidatos, partidos, etc.) em espaços públicos o debate em si fica prejudicado. Outdoors continuam proibidos pelo novo texto.

Dois últimos pontos positivos previstos no texto votado esta semana são importantes avanços à legislação atual. O primeiro é a proibição de candidatos a cargos legislativos de participarem de inaugurações de obras públicas três meses antes da eleição. Até hoje, apenas os ocupantes de cargos majoritários (presidente, senador, governador e prefeito) são proibidos de participar desses eventos. Se considerarmos que boa parte dos secretários de Estado, responsáveis pelas obras e beneficiários de suas inaugurações, candidatam-se a deputado (cargo legislativo), são beneficiados pela “brecha” da atual legislação. O outro é que a partir de 2010 as campanhas eleitorais para o Senado Federal deverão apresentar além do nome do candidato a senador, os nomes dos suplentes em todas as peças de propaganda. Se considerarmos que a atual composição do senado tem cerca de 20% de suplentes, ou seja, de pessoas que não foram votadas, a publicização de seus nomes é fundamental para o avanço da democracia brasileira. Até porque, na maioria das vezes, os suplentes não são políticos de carreira, mas pessoas com capacidade econômica para financiar as campanhas dos políticos que se candidatam ao senado. Considerando que pelo menos um em cada cinco desses suplentes deverá assumir a cadeira no Senado Federal, é justo que os eleitores saibam quem são eles antes de decidir o voto. Ainda em relação às campanhas para Senado Federal, a proposta aumenta o tempo de Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) para a disputa nos anos em que há duas vagas em disputa. Até hoje, campanha para senador, seja para renovação de uma ou duas vagas por Estado recebem a mesma participação de tempo na propaganda eleitoral.

Pode ter efeito bom ou ruim uma das principais alterações propostas para as campanhas eleitorais no rádio e televisão, que é a desobrigação de que todos os candidatos a cargos majoritários tenham que participar dos debates televisivos. Em situações onde o número de concorrentes é muito grande, isso tem inviabilizado os debates em rádio e televisão. O texto do projeto prevê que os meios de comunicação poderão realizar debates com até 2/3 dos candidatos. A redução no número de participantes viabilizará os debates, o que é positivo. Além disso, nas disputas para cargos majoritários nem todos os concorrentes estão dispostos a vencer a eleição. Alguns querem aproveitar o espaço para representar as ideologias e “bandeiras” de seu partido. Outros podem estar dispostos a se tornarem conhecidos do eleitor em uma campanha majoritária para, em seguida, buscarem vaga em uma casa legislativa. Nestes dois casos, os candidatos ficam com baixo índice de preferência eleitoral e não têm contribuição direta em um debate sobre propostas de governo – seja municipal, estadual ou nacional. Podem ficar fora de um debate televisivo, sem nenhuma conseqüência grave para a tomada de decisão do eleitor. O problema é quando o número de candidatos é pequeno e vários deles têm chances reais de passagem para o segundo turno. Excluir um terço com base na legislação seria ruim, neste caso. No limite, os meios de comunicação poderiam em uma disputa com três candidatos e todos em torno de 30% de intenção de votos promover um debate com apenas dois deles. Isso seria ruim para a democracia.

Outra alteração com pouco efeito prático, portanto nem bom nem ruim, é o fim da verticalização das coligações nacionais para as disputas regionais. Essa tentativa de vinculação entre candidaturas compostas nacionalmente em todas as unidades da federação não teve efeito eleitoral nas últimas disputas e provocou uma distorção pelo artificialismo em muitos Estados brasileiros, principalmente porque desconsidera a heterogeneidade política e social das diferentes regionais brasileiras.


Um comentário:

Celso Roma disse...

A análise de Emerson é extremamente pertinente. Enquanto os reformistas idealizam um sistema político para o país, os políticos alteraram as leis no sentido de facilitar a prática de corrupção e aprofundar os problemas já existentes.