quarta-feira, 1 de julho de 2009

Eleições na Argentina - parte 2

[Eva ("Evita") Peron, wife of Argentinian Presidential candidate, passing out campaign buttons from window of train. Argentina, 1946. Thomas D. Mcavoy. Life]

Camila Tribess*

É difícil para os brasileiros compreenderem o sistema eleitoral argentino, completamente distinto do nosso. Com mais de 600 partidos concorrendo às eleições de 2009, em quase 100 coligações diferentes, há, na Argentina, inúmeros mecanismos eleitorais: listas fechadas e múltiplas por partido, coligações distintas em cada província, partidos provinciais, candidatos que são apenas apoiadores popularmente reconhecidos e que não assumem cadeiras no congresso caso vençam. Além disso, na Argentina é possível que cada partido lance várias listas para concorrer às eleições. O Partido Justicialista (PJ), por exemplo, concorreu com 3 listas diferentes na província de Buenos Aires.

As eleições argentinas acontecem em listas fechadas, ordenadas pelos partidos e encabeçadas normalmente por uma figura política já conhecida. Esse político que encabeça a lista nem sempre assume uma cadeira na Câmara ou no Senado, às vezes seu nome está no topo da lista apenas como um tipo de “apoiador”, que faz campanha e consegue conquistar mais votos. As listas são postas pelos partidos, coligados ou não, de cada província; são separadas, com os nomes para a Câmara e para o Senado, sendo possível votar em uma lista diferente para cada uma das esferas.

As eleições deste último domingo (28 de junho) foram eleições legislativas proporcionais, que elegeram deputados federais, senadores e os legisladores das províncias. Existem, basicamente, duas forças políticas muito fortes no país, o Partido Justicialista (PJ), de orientação peronista e, a União Cívica Radical (UCR), ambas divididas em várias “correntes” ideológicas. A lista vencedora na província de Buenos Aires, de Narvaez (União Pró e PJ dissidente), é uma corrente dissidente do PJ, que concorreu com a lista de Nestor, marido da presidente Cristina Kirchner, ambos também do PJ.

Resumidamente, após as eleições de domingo, temos o seguinte quadro no Congresso Argentino: Acordo Cívico e Social + Aliados: 30,9% de votos. Kirchnerismo + Aliados: 30,7% de votos. União PRO + PJ Dissidente: 18,7% de votos. PJ não kirchnerista: 8,2% de votos. Outros partidos/coligações: 11,1% de votos.




Com os resultados, o governo perde a maioria que possuía na Câmara para aprovação de projetos e mantém metade das cadeiras no senado, insuficiente para a aprovação de leis. Entretanto, a questão vai além. Os grandes vencedores das eleições na província de Buenos Aires (maior colégio eleitoral do país) não foram, sequer, de outro partido, mas sim da ala mais à direita do próprio PJ. Narvaez, conhecido empresário, nascido na Colômbia, mas naturalizado argentino, é o típico político marketeiro, investiu uma verdadeira fortuna em sua campanha. Com um discurso outsider de “renovação da política” e “festa da democracia”, conquistou 2,5% de votos a mais do que a lista do ex-presidente Nestor Kirchner na província de Buenos Aires, mas que foram suficientes para acabar com a maioria governista na Câmara. Entretanto, a coligação de Narvaez não chegou a conquistar maioria de votos em todas as províncias e a UCR e seus aliados abriram certa vantagem (apesar da diferença percentual ter sido muito pouca).

Esse resultado demonstra certa insatisfação da população argentina com o atual governo e indica para uma nova ascensão da política neoliberal unida à democracia televisiva, já que a mídia argentina deu ampla cobertura à campanha de Narvaez, que é lembrado ainda hoje por seu apoio ao ex-presidente Carlos Menen, conhecido por seu “neopopulismo” e suas políticas neoliberais e de privatização do Estado. Aliás, é importante também analisar esta vitória da ala neoliberal do peronismo nesse contexto. O governo de Cristina vem discutindo a necessidade de estatizar empresas de áreas importantes da economia argentina, como as “Aerolíneas Argentinas” (empresa de aviação) e dos planos de previdência e seguridade social, que se encontram, hoje, em dificuldades financeiras após as privatizações que Carlos Menen efetuou em seu governo no fim da década de 1990.

Um tímido sinal à esquerda também se apresenta. A lista de Pino Solanas, da coligação “Proyecto Sur” (ala à esquerda do peronismo) alcançou o segundo lugar na cidade de Buenos Aires. Solanas foi candidato à presidência em 2008 e se destaca por apresentar uma alternativa à esquerda ao Kirchnerismo.

Estas eleições foram, sem dúvida, um aviso e um complicador à presidente Cristina em seus próximos 2 anos de governo. Um aviso, para uma reflexão sobre os destinos políticos, econômicos e sociais da Argentina, além da necessidade clara de maior contato com a população e um trabalho intenso de melhora de sua imagem. Um complicador, por reduzir, ainda mais, as possibilidades de um governo fluido e estável até 2011, num país em que a agitação social é regra, e não exceção, desde o colapso financeiro de 2001. Não é vão o pedido da presidente, aos vencedores das eleições, para que busquem consensos e para que garantam a governabilidade.

*Camila Tribess é pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira (NUSP-UFPR).

3 comentários:

Lucas Massimo disse...

Olá Camila
De saída cumprimento-lhe pela excelente abordagem da conjuntura eleitoral argentina. É importante que se faça a análise política, mas não de forma alheia aos interesses econômicos das classes sociais, sobretudo quando esses interesses têm uma presença tão enfática na cena política, como no caso em tela. Entretanto, acho que não entendi direito a sua exposição acerca do sistema eleitoral do país vizinho. Como é possível haver 600 partidos? Não seriam 60? Se for um erro de digitação, então ainda assim fico em dúvida quanto à 100 coligações. Mas pensei que poderia ser algo como: (1) cada partido pode colocar candidatos em N listas, por isso (2) a lista é da coligação, e não do partido e (3) assim é possível ter 60 partidos em 100 coligações. É mais ou menos assim que a coisa funciona?

Você menciona que é um sistema complexo, sobretudo para quem está acostumado ao sistema brasileiro, porém acho que esse deve ser o desafio do blog: analisar conjunturas políticas (no caso, a conjuntura eleitoral) fundado em um conhecimento positivo sobre os fenômenos políticos.

Quanto à especificidade argentina de colocar um figurão no topo da lista, para chamar votos, isso me pareceu claro.

Um abraço, e mais uma vez, parabéns pela excelente abordagem!

Camila disse...

Oi Lucas, obrigada pela sua leitura do texto.

Pode parecer exagerado, mas não é. Existem sim cerca de 600 partidos (569 para ser exata, segundo dados do boletim elecionargentina.org). Existem tanto partidos porque lá, diferentemente do Brasil, os partidos são provinciais e não precisam de um mínimo de assinaturas para serem reconhecidos legalmente.

Entretanto, a grande maioria gira em torno do PJ e da UCR, uns mais, outros menos associados a estes dois grandes partidos. Além disso, os mesmos grupos políticos mudam de nome de província para província, tornando o número oficial de partidos ainda maior. è importante lembrar que estes partidos não concorrem todos às eleições nacionais, apenas às provinciais, ou seja, estão espalhados pelas 23 províncias mais a capital federal Buenos Aires.

Espero ter ajudado a esclarecer um pouco o tema. Muito obrigada pelos comentários. Abraços, Camila.

Rebeca Sousa disse...

Olá Camila, parabéns pelo texto!
Achei bastante interessante sua análise e gostaria de lhe perguntar se poderia indicar-me uma bibliografia referente ao sistema eleitoral e seus mecanismos eleitorais na Argentina (e se possível no Uruguai).

Obrigada de antemão,

Rebeca