sexta-feira, 31 de julho de 2009

O dissenso sobre a economia dos EUA

[A home economics student shopping
for a sofa, after having learned what to
look for. Nina Leen, 1951. Life]


Valor Econômico 31/07/2009
por Celso Roma*

É ilusório o discurso de que o atual governo dos EUA favorece todos os cidadãos: não há consenso na sociedade

Por que o presidente Barack Obama obtém o apoio dos parlamentares democratas e enfrenta oposição por parte dos republicanos no Congresso dos Estados Unidos? A razão do dissenso envolve, entre outros, os interesses econômicos que os partidos Republicano e Democrata representam. Em comum, ambos estão atendendo às expectativas de seus eleitores e simpatizantes.
A despeito da preferência partidária, os americanos estão preocupados com as dívidas, o preço do gás e a inadimplência para com as administradoras de cartão de crédito. Exceção à parte, o partidarismo influencia a maneira como os americanos percebem os problemas da economia. Os democratas destacam, entre os temas que os incomodam, o alto número de cidadãos sem seguro médico, as despesas com a saúde, a taxa de desemprego e a queda dos salários e outros pagamentos dos trabalhadores. Concentrados na base da pirâmide socioeconômica, eles tendem a privilegiar políticas que envolvam assistência e garantia de renda. Diferentemente, os republicanos priorizam, entre os assuntos que os preocupam, o déficit orçamentário do governo e o aumento do imposto de renda, que pode ser cobrado em dois níveis da federação. Reunidos com mais frequência no topo da pirâmide socioeconômica, eles tendem a rejeitar políticas que resultem em redistribuição de renda. Enquanto a maioria dos democratas considera pertinente a intervenção estatal no sistema econômico, a maioria dos republicanos está preocupada com a interferência, cada vez maior, na propriedade de empresas privadas e nas atividades ligadas ao comércio e à indústria. O papel a ser desempenhado pelo Estado na economia continua sendo um dos assuntos que mais despertam polêmica.
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Tanto é assim que a maioria dos democratas apoiou o governo federal no tocante à concessão de empréstimos às grandes companhias automotivas, sobretudo a Chrysler e General Motors. Porém, inclusive para os democratas, a assistência financeira ao setor deve ter um limite, conforme indica a rejeição ao aporte adicional de US$ 21 bilhões. Os democratas aprovam também o controle provisório sobre os bancos em dificuldade e o limite aos salários de altos executivos das corporações que receberam auxílio; ao mesmo tempo, eles estão divididos quanto ao plano de nacionalização do setor bancário. Discordando deles, os republicanos se posicionam favoráveis ao livre funcionamento do mercado, de tal modo que rejeitam tanto o auxílio do governo às empresas automobilísticas como a ingerência nas transações bancárias e na remuneração de executivos. Os republicanos condenam mais amplamente as propostas de nacionalizar os bancos e emprestar recursos públicos complementares ao setor produtivo. Portanto, está longe de ser consensual a iniciativa para retomar o crescimento da economia.
A forma pela qual os americanos avaliam a política econômica se reflete na aprovação ou não de Barack Obama. O atual governo tem avaliação positiva de nove em cada dez democratas e negativa de sete em cada dez republicanos. Em sentido análogo, o presidente é aprovado por 88% dos que se declaram politicamente liberais; 69%, moderados; e 36%, conservadores. O contraste se torna mais nítido considerando os mais polarizados no espectro ideológico. Entre democratas liberais, no polo da esquerda, o índice de aprovação do presidente sobe a 92%; entre republicanos conservadores, no polo da direita, o número cai para 16%. A controvérsia em torno da administração Obama surgiu desde quando ele tomou posse em janeiro deste ano e ao longo do semestre se manteve nesses termos. É necessário registrar que, entre a terceira semana de janeiro e a quarta de junho, a taxa de rejeição ao governo subiu de 13% para 33%, devido a que, nos últimos meses, os indecisos passaram a ter uma opinião negativa sobre ele.
O desempenho das autoridades monetárias também divide opiniões. Os democratas confiam no trabalho que está sendo realizado por Ben Bernanke na presidência do Banco Central (Federal Reserve System) e por Timothy Geithner como secretário do Tesouro. Mais de dois terços dos democratas manifestam muita ou satisfatória confiança neles. Por outro lado, os republicanos desconfiam do responsável pela área financeira e mais abertamente do encarregado da política monetária. O partidarismo é tão intenso que produziu ambivalência nos americanos. Nos últimos dois anos e meio do governo George W. Bush, o presidente do Fed, Ben Bernanke, estava bem avaliado entre os republicanos e era visto com desconfiança pelos democratas, mas a partir do momento em que ele passou a cooperar com o governo democrata os conceitos foram invertidos: atualmente, os republicanos o avaliam de maneira negativa, ao passo que os democratas depositam confiança nele.
É ilusório o discurso de que o atual governo dos EUA favorece todos os cidadãos. Não há consenso na sociedade nem sequer quanto aos problemas que atingem a economia do país, e menos ainda a respeito das soluções adotadas pelo presidente Barack Obama. Em realidade, democratas e republicanos divergem no modo como avaliam a conjuntura econômica.

* Celso Roma é cientista político e doutor pela USP

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Projeto de lei da reforma eleitoral vai além da regulamentação de campanhas na internet: também favorece políticos picaretas - parte 2

[California Politics.
Bill Ray. Life]



Emerson Urizzi Cervi
Cientista Político
Professor da UFPR e UEPG

Apresentados brevemente os pontos considerados positivos na proposta de reforma eleitoral(post anterior, abaixo), passo agora a discutir os pontos negativos do texto, considerados dessa forma por permitir, direta ou indiretamente, a participação em campanhas políticas de pessoas com denúncias, processos na justiça e que não prestaram contas de despesas em disputas anteriores. Estes são definidos aqui como “políticos picaretas”. Com isso, não quero dizer que todos os políticos sejam corruptos, objetos de denúncia ou maus pagadores. O que se pretende apontar é que a reforma eleitoral abre espaço para esse tipo de comportamento, permitindo uma ampliação do número deles no total de representantes públicos. Apenas lembrando, a proposta foi votada com a justificativa de que regulamentaria as campanhas na internet. Esse novo e importante suporte tecnológico dialógico permite um contato permanente entre representante e representado. A possibilidade de comunicação mediada e dialógica (em dois sentidos) não tinha sido possível até então em democracias de massa, visto que meios massivos como rádio e televisão têm menor capacidade de interação entre emissores e receptores do que a internet.

O interessante é que nesta regulamentação da internet foi incluído um dispositivo que permite que candidatos sub judice consigam e não possam ter cassado o seu registro da candidatura. Até agora, nos casos em que o candidato era denunciado e a justiça eleitoral considerado procedente a queixa, a candidatura era anulada. A partir da aprovação da reforma eleitoral, isso não será mais possível. Um efeito prático da mudança pode ser dado a partir do que aconteceu na eleição para prefeito do município de Londrina (segundo maior colégio eleitoral do Paraná) em 2008. O então candidato ex-prefeito Antonio Belinatti teve o registro de sua candidatura cassado pelo TSE por denúncia de corrupção em mandatos anteriores. Se a reforma eleitoral estivesse valendo em 2008, Belinatti, mesmo denunciado, seria o atual prefeito de Londrina.

Além disso, a proposta de regulamentação do uso de internet em campanhas eleitorais também prevê que as dívidas feitas e não pagas por candidatos durante a campanha poderão ser transferidas para os órgãos partidários, que assumirão as contas, desimpedindo que o candidato tenha sua contabilidade aprovada pela justiça eleitoral, mesmo sendo devedor. Ou seja, a principal punição existente até agora aos candidatos maus pagadores de fornecedores de campanha, que era a rejeição das contas e conseqüente inelegibilidade nas próximas disputas, deixa de existir. Até aqui, temos dois retrocessos no texto em discussão no senado que permitem a ampliação da “picaretagem” na política.

Outro retrocesso, nesse caso para os partidos políticos, é que a falta de prestação de contas à justiça eleitoral sobre o uso dos recursos do Fundo Partidário pelos diretórios regionais não suspende mais o registro do Partido nacional. Até aqui, os diretórios nacionais dos partidos cobravam seus diretórios regionais, pois a não prestação de contas poderia prejudicar o partido em todo o território nacional. A partir da nova regulamentação, o diretório nacional só teria o registro suspenso caso deixasse de prestar suas próprias contas à justiça. Com a distinção entre diretório nacional e nos regionais, a legislação permitirá que em alguns Estados o partido esteja com registro aprovado e em outros, suspenso. Isso é um retrocesso, pois reduz o caráter de partidos nacionais no Brasil – o que, diga-se de passagem, já não é tão forte nas condições atuais.

Ainda em relação aos partidos políticos, a reforma prevê uma ampliação do percentual do Fundo Partidário que pode ser usado para pagamento de pessoal pelos partidos políticos. Atualmente, esse percentual é de até 20%. Os outros 80% devem ser aplicados em estrutura e programas de incentivo à participação política, assim como em campanhas eleitorais. A proposta é ampliar de 20% para 50% o limite para pagamento de pessoal. Ou seja, de cada dois reais que o poder público destinar aos partidos políticos, um poderá ser para pagar funcionários fixos e contratados. É um retrocesso em duplo sentido. Primeiro porque favorece o crescimento (mais do que o dobro) da burocracia partidária, que na maioria das vezes, é pouco profissionalizado e resultado de apadrinhamento político. Segundo, e principalmente, reduz o volume de recursos disponíveis aos partidos para ações relacionadas à sociedade. Quanto menos contato os partidos políticos tiverem com a sociedade, menor será a confiança do cidadão nas instituições partidárias.
Outros pontos negativos da reforma eleitoral também dizem respeito à organização das próprias campanhas. O texto original proibia o uso de imagem e som de adversários em HGPE de candidatos. Esse dispositivo claramente favoreceria os candidatos à reeleição, pois os opositores não poderiam mostrar manifestações anteriores com promessas não cumpridas. Uma emenda de plenário do PSDB excluiu esse artigo na votação da Câmara, mantendo, portanto, a regra atual.

No entanto, a Câmara aprovou que o candidato à disputa majoritária pudesse aparecer no horário eleitoral da disputa proporcional. Hoje é proibido que o candidato a prefeito ocupe espaço na propaganda de candidatos a vereador e o mesmo se dá com concorrentes a governador, senador e presidente da república. No entanto, mesmo proibido, os partidos e coligações encontravam formas indiretas de utilização do horário eleitoral. A tabela a seguir mostra o número de vezes em que os candidatos a prefeito de Curitiba foram citados diretamente em horário destinado a candidatos a vereador de 2008. Em média, temos 9,2% do tempo com citação de candidato a prefeito, apresentando grande variação entre os partidos políticos. Isso significa que mesmo proibido de aparecer no HGPE para vereador, os candidatos a prefeito ocuparam cerca de 10% do horário dos vereadores.



Com essa mudança, corremos o risco de aumentar ainda mais o processo de “colonização” do espaço destinado à disputa proporcional pela majoritária. Assim, desde o momento da campanha o legislativo brasileiro mostra-se cada vez mais fraco diante de um poder executivo forte. Isso é um retrocesso, pois o debate em relação à disputa legislativa não pode ser totalmente vinculado aos interesses dos candidatos à eleição majoritária.

Outro ponto negativo já existente na legislação eleitoral brasileira e que foi mantido na proposta de reforma diz respeito a ordem de votação na urna eletrônica. Mesmo conhecendo a prevalência do poder Executivo sobre o Legislativo na opinião pública brasileira (em alguma medida por responsabilidade dos próprios legisladores, como apresentado no parágrafo anterior), determina-se que o eleitor vote primeiro no cargo proporcional e depois no majoritário. Para os eleitores menos informados, que partem do pressuposto da maior importância do poder Executivo sobre o Legislativo, essa ordem é ilógica. Quem trabalha em dia de votação nas seções eleitorais testemunha pessoas tentando votar primeiro no candidato a prefeito, governador ou presidente da república. Como ele precisa concluir o voto antes de passar para o próximo e não sabe que a votação começa com o cargo legislativo, muitas vezes – sem querer – ele acaba digitando o voto em legenda quando pretendia votar para o cargo Executivo. Em eleições disputadas, o efeito prático é imperceptível, pois os erros tendem a se distribuir entre os candidatos e anulam-se. No entanto, em disputas onde há um candidato majoritário com ampla vantagem nas preferências eleitorais, o partido dele tenderá a ser favorecido pelo voto de legenda, pois os erros são maiores em direção a este partido. Para evitar distorções entre a vontade do eleitor e o resultado final da disputa, a legislação brasileira precisa corrigir o equívoco da sequência do voto na urna eletrônica – o que é algo meramente formal.

Por fim, ainda como ponto negativo, a reforma eleitoral não estabelece nenhum teto de gastos em campanhas políticas. Inexistente hoje continuará a ser livre o volume de gastos dos candidatos durante as disputas eleitorais. Esta liberalidade é negativa no nosso caso, pois reproduz as desigualdades econômicas do País, também na esfera de representação política. O estabelecimento de um “teto” de gastos por candidato, vinculado ao número de eleitores de cada distrito eleitoral, seria um avanço para o sistema representativo brasileiro. Pelo menos enquanto houver os altos índices de desigualdade social no Brasil. No entanto, como o teto de gastos não favorece a “picaretagem” política, o texto desconsiderou. Em resumo, o quadro abaixo apresenta os principais pontos considerados positivos; nem positivo, nem negativo; e negativos da proposta em discussão no Senado Federal.

Pontos Positivos:

- Regulamenta uso da internet por partidos e candidatos, separando o que é conteúdo produzido por políticos (sujeitos às penalidade eleitorais), de conteúdos produzidos por usuários da rede mundial de computadores (o que por natureza não pode ser regulado);
- Exige apresentação de documento com foto pelo eleitor no momento da votação, o que reduz fraudes;
- Permite doações não mais apenas em dinheiro, o que diminuirá a pressão por fraudes contábeis nas campanhas eleitorais;
- Definição de 5% do Fundo Partidário para ações políticas de incentivo à participação das mulheres, com punições para os partidos que não fizerem esses investimentos;
- Proíbe candidatos a cargos legislativos de participar de inaugurações públicas nos três meses anteriores às eleições;
- Disciplina a propaganda eleitoral em espaços públicos, tais como ruas e calçadas;
- Inclui os nomes de suplentes de candidatos ao senado na propaganda política, o que fornecerá uma informação a mais para a tomada de decisão do eleitor.


Nem positivos, nem negativos:

- Fim da verticalização das coligações partidárias, pode desconsiderar as especificidades regionais, porém, nunca teve efeito prático;
- Estabelece a possibilidade de realizar debates com pelo menos dois terços dos candidatos, o que pode ser bom no caso de grande número de concorrente ou ruim quando exclui candidatos com chances eleitorais reais;


Pontos Negativos:

- Impede a cassação de registro de candidato sub judice;
- Permite a realização de registro de candidato que responde a processo de inelegibilidade;
- Distingue diretórios regionais de nacional para a prestação anual de contas do Fundo Partidário, fazendo com que os diretórios nacionais deixem de ser solidários no caso de irregularidades com as contas dos diretórios regionais;
- Aumentou o percentual de gastos do fundo partidário com pessoal de 20% para 50%, o que reduz recursos para ações políticas com a sociedade e favorece o crescimento da burocracia partidária pouco profissional;
- Permite ao candidato majoritário aparecer no espaço de propaganda em rádio e televisão da disputa proporcional, o que tende a aumentar a predominância do poder Executivo sobre o Legislativo brasileiro;
- Mantém a ordem de votação na urna eletrônica com voto proporcional antes do majoritário, o que continuará causando confusão em parcela do eleitorado menos informada e gerando distorção entre a real vontade do eleitor e o resultado final da votação;
- Não estabelece teto de gastos para as campanhas eleitorais, o que permite a manutenção de distorções econômicas de outras áreas da sociedade brasileira no sistema de representação política.

Como afirmei no início, o texto pretende trazer à discussão elementos da reforma eleitoral que não receberam destaque por parte da mídia brasileira. Não se trata de desqualificar a proposta, mas de demonstrar que além dos avanços, a reforma também apresenta retrocessos, amplia a distância entre sistema partidário e sociedade além de favorecer candidatos com algum tipo de restrição legal, seja na justiça eleitoral ou na comum. De qualquer maneira, não devemos nos esquecer que a proposta foi apresenta para votação no dia 30/6/09 e aprovada em plenário em 8/7/09, o que é um recorde de tramitação, dada a cultura de “engavetamento” das propostas de reformas no Congresso Nacional. Essa agilidade deve-se, em grande medida, ao fato de que nas últimas eleições, por falta de legislação pertinente, o judiciário legislou. Para evitar uma continuidade da “judicialização” de regras nas disputas eleitorais, a Câmara de Deputados aprovou a proposta a “toque de caixa”, o que pode explicar alguns retrocessos apontados acima, mas não os justifica.

sábado, 11 de julho de 2009

Projeto de lei da reforma eleitoral vai além da regulamentação de campanhas na internet: também favorece políticos picaretas - parte 1

[Haveman Political Textpiece.
October 1952. Yale Joel. Life]


Emerson Urizzi Cervi
Cientista Político
Professor da UFPR e UEPG

O substitutivo ao projeto de lei 5498/2009, relatado pelo deputado federal Flavio Dino (PC do B-MA), aprovado no dia 8 de julho de 2009 pela Câmara dos Deputados, conhecido por reforma da lei eleitoral, tem sido intensamente apresentado pelos meios de comunicação como um avanço para as regras das disputas eleitorais brasileiras. Em especial, no que diz respeito à regulamentação do uso da internet nas campanhas e nos períodos pré-eleitorais, o que de fato era urgente. Porém, como infelizmente é comum na Câmara dos Deputados, o projeto de reforma da lei eleitoral é muito mais amplo e trata de aspectos que vão além do uso da internet. Nem sempre os resultados da proposta são avanços no sentido de permitir o aprofundamento da democracia e da moralidade dos atos dos candidatos e dirigentes partidários durante campanhas políticas. Em vários pontos a proposta aprovada na Câmara favorece o comportamento pouco exemplar de políticos “picaretas”, que respondem a processos – inclusive de inelegibilidade – e que não prestam contas de suas campanhas. Como foi aprovado na Câmara, o projeto torna as penalidades a políticos denunciados mais flexíveis e pouco aplicáveis a candidatos.

A imprensa, como tende a acontecer no caso da grande mídia de massa brasileira, dá maior ênfase a aspectos destacados pelas fontes das informações – no caso a assessoria de imprensa da câmara federal e os próprios parlamentares. Estes, por sua vez, têm interesses próprios. Como alguns aspectos do projeto de lei não são tão populares quanto a regulamentação do uso de internet e as “fontes jornalísticas” não se empenham em torná-los públicos, vários deles correm o risco de não serem debatidos. Dá-se mais ênfase a alguns aspectos na cobertura feita pela imprensa, o que gera a impressão de que o assunto restringe-se a apenas esses aspectos. Na teoria do jornalismo há um conceito usado na explicação deste fenômeno, que é o “enquadramento”. Ele tenta explicar como as escolhas feitas pelas fontes e jornalistas são capazes de realçar determinados aspectos da realidade ao mesmo tempo em que ocultam outros elementos. O enquadramento dado pela imprensa brasileira ao substitutivo da reforma eleitoral é um bom exemplo desse efeito no debate público. Basta lembrar que o substitutivo, apresentado como uma lei para regular o uso da internet nas campanhas políticas, altera duas leis que organizam o sistema partidário e eleitoral há mais de dez anos: a lei 9096 de 1995 e 9504 de 1997. Só por esse motivo, é possível imaginar que o impacto de uma reforma eleitoral como essa vai além da simples regulamentação das campanhas na web ou de mudanças pontuais no horário gratuito de propaganda eleitoral.

Como alternativa ao enquadramento dominante, a seguir apresento o que considero ser os principais aspectos do texto aprovado, inclusive com as emendas apresentadas em plenário. Como não se trata apenas de aspectos positivos, como quer fazer crer a cobertura predominante ao assunto, nem ser exclusivamente um sinônimo de retrocesso, as alterações propostas são divididas em positivas em negativas, começando pelas primeiras.

Quanto às campanhas na internet a partir de 2010, a regulamentação estabelece limites para o uso de redes sociais e sítios eletrônicos pelos candidatos, partidos e seus simpatizantes. Também estabelece a possibilidade de doações pela rede mundial de computadores. Dois avanços em favor da incorporação de novas tecnologias ao processo eleitoral. Até aqui, o tema está enquadrado no debate público promovido pelos meios de comunicação, portanto, não aprofundarei neste espaço. Outra mudança positiva é que a partir da aprovação da lei – se for mantida pelo Senado – o eleitor deverá apresentar um documento com foto no ato da votação. Com isso, espera-se reduzir as fraudes eleitorais.

As doações de eleitores para campanhas políticas, que até agora só poderiam ser em dinheiro, e limitadas a R$ 10 mil para pessoas físicas; passam a poder ser feitas em outras formas, tais como a possibilidade de uso de imóveis por candidatos ou partidos, até o limite de R$ 50 mil. Isso é bom, pois reduz a necessidade de fraudes contábeis nas prestações de contas das campanhas.
Financiamento público para ações partidárias que visem maior participação das mulheres na política é outra mudança na reforma eleitoral. Pela legislação vigente, os partidos políticos devem destinar pelo menos 10% dos recursos anuais que recebem do Fundo Partidário para ações dirigidas à participação política das mulheres. O problema é que não há punição prevista para o descumprimento desta “recomendação”. A proposta prevê uma redução desse percentual para 5%, porém, estabelece a obrigatoriedade de destinação desse percentual a ações que envolvem mulheres na política. O partido que não comprovar a aplicação de 5% nesse tipo de ação, terá que investir mais 2,5% no ano seguinte.

Outro aspecto positivo da proposta em tramitação é que disciplina a propaganda em áreas públicas, ruas, calçadas, árvores e postes. A regulamentação é importante para evitar o que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) promoveu nas últimas eleições que foi a quase total proibição de propaganda eleitoral nas ruas sob o pretexto da falta de legislação. O problema é que ao proibir outdoor e qualquer outro tipo de campanhas nas ruas, o TSE cria dificuldades ao cidadão comum a identificação do que se define como o “tempo da política”, ou seja, o espaço em que todos devem prestar mais atenção nos símbolos do debate político. Sem esses símbolos (faixas, nomes de coligações, candidatos, partidos, etc.) em espaços públicos o debate em si fica prejudicado. Outdoors continuam proibidos pelo novo texto.

Dois últimos pontos positivos previstos no texto votado esta semana são importantes avanços à legislação atual. O primeiro é a proibição de candidatos a cargos legislativos de participarem de inaugurações de obras públicas três meses antes da eleição. Até hoje, apenas os ocupantes de cargos majoritários (presidente, senador, governador e prefeito) são proibidos de participar desses eventos. Se considerarmos que boa parte dos secretários de Estado, responsáveis pelas obras e beneficiários de suas inaugurações, candidatam-se a deputado (cargo legislativo), são beneficiados pela “brecha” da atual legislação. O outro é que a partir de 2010 as campanhas eleitorais para o Senado Federal deverão apresentar além do nome do candidato a senador, os nomes dos suplentes em todas as peças de propaganda. Se considerarmos que a atual composição do senado tem cerca de 20% de suplentes, ou seja, de pessoas que não foram votadas, a publicização de seus nomes é fundamental para o avanço da democracia brasileira. Até porque, na maioria das vezes, os suplentes não são políticos de carreira, mas pessoas com capacidade econômica para financiar as campanhas dos políticos que se candidatam ao senado. Considerando que pelo menos um em cada cinco desses suplentes deverá assumir a cadeira no Senado Federal, é justo que os eleitores saibam quem são eles antes de decidir o voto. Ainda em relação às campanhas para Senado Federal, a proposta aumenta o tempo de Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) para a disputa nos anos em que há duas vagas em disputa. Até hoje, campanha para senador, seja para renovação de uma ou duas vagas por Estado recebem a mesma participação de tempo na propaganda eleitoral.

Pode ter efeito bom ou ruim uma das principais alterações propostas para as campanhas eleitorais no rádio e televisão, que é a desobrigação de que todos os candidatos a cargos majoritários tenham que participar dos debates televisivos. Em situações onde o número de concorrentes é muito grande, isso tem inviabilizado os debates em rádio e televisão. O texto do projeto prevê que os meios de comunicação poderão realizar debates com até 2/3 dos candidatos. A redução no número de participantes viabilizará os debates, o que é positivo. Além disso, nas disputas para cargos majoritários nem todos os concorrentes estão dispostos a vencer a eleição. Alguns querem aproveitar o espaço para representar as ideologias e “bandeiras” de seu partido. Outros podem estar dispostos a se tornarem conhecidos do eleitor em uma campanha majoritária para, em seguida, buscarem vaga em uma casa legislativa. Nestes dois casos, os candidatos ficam com baixo índice de preferência eleitoral e não têm contribuição direta em um debate sobre propostas de governo – seja municipal, estadual ou nacional. Podem ficar fora de um debate televisivo, sem nenhuma conseqüência grave para a tomada de decisão do eleitor. O problema é quando o número de candidatos é pequeno e vários deles têm chances reais de passagem para o segundo turno. Excluir um terço com base na legislação seria ruim, neste caso. No limite, os meios de comunicação poderiam em uma disputa com três candidatos e todos em torno de 30% de intenção de votos promover um debate com apenas dois deles. Isso seria ruim para a democracia.

Outra alteração com pouco efeito prático, portanto nem bom nem ruim, é o fim da verticalização das coligações nacionais para as disputas regionais. Essa tentativa de vinculação entre candidaturas compostas nacionalmente em todas as unidades da federação não teve efeito eleitoral nas últimas disputas e provocou uma distorção pelo artificialismo em muitos Estados brasileiros, principalmente porque desconsidera a heterogeneidade política e social das diferentes regionais brasileiras.


quinta-feira, 2 de julho de 2009

15 Anos de Plano Real

Lucas Massimo

Na última quarta-feira, 01 de julho de 2009 o Plano Real debutou. Há exatos 15 anos a nova moeda entraria em circulação. Naquela manhã, fui com meu pai a uma agência para sacar um Real. Recordo-me do orgulho pela notinha verde, na ocasião, mais valorizada que um dólar. Esse sentimento se foi, ainda que tardiamente, e hoje, debelada a hiperinflação, a moeda brasileira é uma instituição ordinária, sem papel de destaque na vida política nacional. Nesse quadro a reflexão sobre seu significado político flui, sem as querelas passionais e as indefinições que marcaram a primeira metade desses 15 anos.

O plano Real foi a articulação de cinco frentes de ação distintas:
I. Ajuste Fiscal, via fundo social de emergência*
II. Desindexação da economia, via Unidade Real de Valor (URV)
III. Política monetária restritiva, via juros altos
IV. Política anti-inflacionária via abertura comercial (redução de taxas de importação)
V. Política anti-inflacionária via câmbio (fortalecimento da nova moeda frente ao dólar)

A exata compreensão do significado político dessas medidas começa na distinção de dois problemas: o primeiro diz respeito a uma transformação estrutural da sociedade brasileira – é a atualização no modo capitalista de produzir, segundo os novos parâmetros definidos no plano internacional desde o final dos anos 1970. O segundo diz respeito a um fenômeno preciso, localizado, uma chaga que corroía o valor da moeda e a capacidade de gestão das finanças no curto prazo, a hiperinflação. Essa distinção é fundamental, pois o plano Real, como cadeia de eventos discretos no tempo e no espaço, com vistas à estabilidade monetária, só faz sentido quando se leva em conta as transformações estruturais experimentas no Brasil ao longo dos anos 1990 (a lista é longa, mas num rápido registro tem-se a Abertura Comercial, a Liberalização Financeira, a Liberalização do Regime de Investimento Financeiros, as Privatizações, a Abertura comercial).

Assim, o plano Real deve ser compreendido como uma etapa decisiva, mas apena uma etapa de um processo mais amplo. Esse é o primeiro ponto.

O plano Real freqüentemente é lembrado como original e criativo. Na verdade as condições que produziam a hiperinflação no Brasil eram inéditas, de modo que o problema pedia uma solução caseira. O combustível da espiral inflacionaria era, grosso modo, o ceticismo coletivo quanto a capacidade de gestão da autoridade monetária. O congelamento de preços, a desindexação por decreto, o corte de três zeros, todos esses artifícios dos planos anteriores esbarravam na pedra de toque da situação inflacionária, a desconfiança generalizada dos agentes econômicos quanto a autoridade monetária. Esse ceticismo se fundava seja pela efetiva incapacidade de gestão monetária pelo Estado, seja pelos déficits recorrentes produzidos pelo setor público nos três níveis (federal, estadual e municipal). Assim, é impossível escalonar o peso das duas medidas iniciais, o ajuste fiscal (via Fundo Social de Emergência) e a desindexação da economia (produzida pela URV): ambas atacariam, simultaneamente, as condições que produziam a espiral inflacionária.

Portanto, a eficácia do plano no que se refere ao controle da inflação é inequívoca. Mas isso não é suficiente para uma análise responsável do ponto de vista político.

A paridade com o dólar, produzida artificialmente pela autoridade monetária, rendeu um capital eleitoral inestimável ao governo FHC. A sobrevalorização da moeda, entretanto, implicaria em políticas recessivas com os choques da crise mexicana (1995), do sudeste asiático (1997) e com a moratória russa (1998). Em todas essas ocasiões a manutenção do Real acontecia via elevação brutal dos juros, como instrumento para evitar a fuga de capitais. A partir de 1998 a elevação dos juros não funcionou mais, e a fuga de capitais de curto prazo esvaziaria as reservas do Banco Central, pondo em risco o regime de câmbio valorizado, e com ele o controle da inflação. Em 14 de Janeiro de 1999 o Banco Central abandona o regime de câmbio semi-fixo (as chamadas bandas cambiais) e adota o regime de câmbio flutuante. Para conter a iminente retomada da inflação, a taxa de juros básica pula de 29% para 45% ao ano.

O plano Real produziu a base de sustentação de um projeto de desenvolvimento econômico ancorado sobre a dependência dos fluxos de investimento estrangeiro. A estratégia de desenvolvimento desenhada pela equipe econômica implicava na vulnerabilidade externa do país. O custo dessa opção política foi bancado pelo plano Real.

Se o plano Real consistiu na articulação de medidas "econômicas" (câmbio, juros) seria o seu aspecto político apenas o manejo responsável das finanças públicas (ajuste fiscal)? O seu aspecto político se resume na sua dimensão administrativa? É certo que não. A partir da implementação do Plano Real a disposição das instituições de política econômica dentro do Estado brasileiro foi amplamente reformulada. Num quadro mais geral de reforma do Estado, o FSE se tornaria, alguns anos mais tarde, a Lei de Responsabilidade Fiscal, um marco na história da administração pública brasileira. O campo de ação política é restrito, nesse ordenamento, aos princípios de austeridade e responsabilidade fiscal.

Mas para além do desenho do sistema político, as transformações estruturais que ocorreram no Brasil durante os anos 1990, e sobretudo a partir do Plano Real, essas transformações alteraram de forma substantiva a relação entre as classes sociais no Brasil. É preciso ter claro que políticas econômicas dos Estados nacionais atendem de forma desigual interesses sociais concorrentes. Após 15 anos da implementação do plano Real, o lucro do investimento em juros no Brasil, aferido pelo rendimento das aplicações em CDI**, ultrapassou a casa dos 2000% (para efeito de comparação, o investimento na BOVESPA, no mesmo período, rendeu 1339,02%). A política de austeridade fiscal realizada no Brasil com base nos juros altos e no endividamento público é responsável, em larga medida, pelo aprofundamento de um capitalismo excludente e desigual como pouco se viu na história recente. Os programas de distribuição de renda do governo Lula atacam um problema crucial do modelo brasileiro, sem dúvida, mas essa desigualdade não é um legado apenas do regime militar, nem do populismo, nem tampouco do particularismo que marca a cultura política nacional; ela foi produzida ao longo dos anos 1990 para a manutenção do modelo econômico estabelecido sobre o Real.



* FSE: Fundo social de emergência foi promulgado via Emenda Constitucional em 01/03/1994. É um mecanismo de desvinculação das receitas governamentais.
**CDI: certificado de depósito interbancário, são títulos emitidos pelos bancos que lastreiam as operações no mercado interbancário.

Lucas Massimo é mestrando em ciência política pela UNICAMP.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Eleições na Argentina - parte 2

[Eva ("Evita") Peron, wife of Argentinian Presidential candidate, passing out campaign buttons from window of train. Argentina, 1946. Thomas D. Mcavoy. Life]

Camila Tribess*

É difícil para os brasileiros compreenderem o sistema eleitoral argentino, completamente distinto do nosso. Com mais de 600 partidos concorrendo às eleições de 2009, em quase 100 coligações diferentes, há, na Argentina, inúmeros mecanismos eleitorais: listas fechadas e múltiplas por partido, coligações distintas em cada província, partidos provinciais, candidatos que são apenas apoiadores popularmente reconhecidos e que não assumem cadeiras no congresso caso vençam. Além disso, na Argentina é possível que cada partido lance várias listas para concorrer às eleições. O Partido Justicialista (PJ), por exemplo, concorreu com 3 listas diferentes na província de Buenos Aires.

As eleições argentinas acontecem em listas fechadas, ordenadas pelos partidos e encabeçadas normalmente por uma figura política já conhecida. Esse político que encabeça a lista nem sempre assume uma cadeira na Câmara ou no Senado, às vezes seu nome está no topo da lista apenas como um tipo de “apoiador”, que faz campanha e consegue conquistar mais votos. As listas são postas pelos partidos, coligados ou não, de cada província; são separadas, com os nomes para a Câmara e para o Senado, sendo possível votar em uma lista diferente para cada uma das esferas.

As eleições deste último domingo (28 de junho) foram eleições legislativas proporcionais, que elegeram deputados federais, senadores e os legisladores das províncias. Existem, basicamente, duas forças políticas muito fortes no país, o Partido Justicialista (PJ), de orientação peronista e, a União Cívica Radical (UCR), ambas divididas em várias “correntes” ideológicas. A lista vencedora na província de Buenos Aires, de Narvaez (União Pró e PJ dissidente), é uma corrente dissidente do PJ, que concorreu com a lista de Nestor, marido da presidente Cristina Kirchner, ambos também do PJ.

Resumidamente, após as eleições de domingo, temos o seguinte quadro no Congresso Argentino: Acordo Cívico e Social + Aliados: 30,9% de votos. Kirchnerismo + Aliados: 30,7% de votos. União PRO + PJ Dissidente: 18,7% de votos. PJ não kirchnerista: 8,2% de votos. Outros partidos/coligações: 11,1% de votos.




Com os resultados, o governo perde a maioria que possuía na Câmara para aprovação de projetos e mantém metade das cadeiras no senado, insuficiente para a aprovação de leis. Entretanto, a questão vai além. Os grandes vencedores das eleições na província de Buenos Aires (maior colégio eleitoral do país) não foram, sequer, de outro partido, mas sim da ala mais à direita do próprio PJ. Narvaez, conhecido empresário, nascido na Colômbia, mas naturalizado argentino, é o típico político marketeiro, investiu uma verdadeira fortuna em sua campanha. Com um discurso outsider de “renovação da política” e “festa da democracia”, conquistou 2,5% de votos a mais do que a lista do ex-presidente Nestor Kirchner na província de Buenos Aires, mas que foram suficientes para acabar com a maioria governista na Câmara. Entretanto, a coligação de Narvaez não chegou a conquistar maioria de votos em todas as províncias e a UCR e seus aliados abriram certa vantagem (apesar da diferença percentual ter sido muito pouca).

Esse resultado demonstra certa insatisfação da população argentina com o atual governo e indica para uma nova ascensão da política neoliberal unida à democracia televisiva, já que a mídia argentina deu ampla cobertura à campanha de Narvaez, que é lembrado ainda hoje por seu apoio ao ex-presidente Carlos Menen, conhecido por seu “neopopulismo” e suas políticas neoliberais e de privatização do Estado. Aliás, é importante também analisar esta vitória da ala neoliberal do peronismo nesse contexto. O governo de Cristina vem discutindo a necessidade de estatizar empresas de áreas importantes da economia argentina, como as “Aerolíneas Argentinas” (empresa de aviação) e dos planos de previdência e seguridade social, que se encontram, hoje, em dificuldades financeiras após as privatizações que Carlos Menen efetuou em seu governo no fim da década de 1990.

Um tímido sinal à esquerda também se apresenta. A lista de Pino Solanas, da coligação “Proyecto Sur” (ala à esquerda do peronismo) alcançou o segundo lugar na cidade de Buenos Aires. Solanas foi candidato à presidência em 2008 e se destaca por apresentar uma alternativa à esquerda ao Kirchnerismo.

Estas eleições foram, sem dúvida, um aviso e um complicador à presidente Cristina em seus próximos 2 anos de governo. Um aviso, para uma reflexão sobre os destinos políticos, econômicos e sociais da Argentina, além da necessidade clara de maior contato com a população e um trabalho intenso de melhora de sua imagem. Um complicador, por reduzir, ainda mais, as possibilidades de um governo fluido e estável até 2011, num país em que a agitação social é regra, e não exceção, desde o colapso financeiro de 2001. Não é vão o pedido da presidente, aos vencedores das eleições, para que busquem consensos e para que garantam a governabilidade.

*Camila Tribess é pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira (NUSP-UFPR).

O vácuo institucional e o autoritarismo

[Honduras- Banana Strike And Us Arms To Honduras. 1954. Ralph Morse. Life]



Honduras costumava ser tida como uma democracia consolidade pelos analistas políticos, 25 anos de eleições livres. Esta afirmação não está solta, mas ancorada numa literatura que avalia democracias apenas por seus procedimentos e instituições.

Por outro lado, mas na mesma linha de raciocínio, existe um consenso em boa parte da teoria política que na América Latina acabou-se o espaço para golpes de Estado militarescos. Como podemos ver, tal consenso acaba de ser derrubado pelas instituições castristas de Honduras.

Diante disso, remontemos o arranjo político que estava vigente em Honduras da queda do presidente Zelaya. O presidente (ex ou autal, ainda não sabemos) é um grande empresário agropecuário e membro do Partido Liberal. Porém, no decorrer de seu mandato o presidente regeu uma aproximação com o chavismo. A assinatura do acordo com a ALBA (Alternativa Bolivariana para as Américas), além de ser uma provocação política aos EUA, é também matéria de descontentamento por boa parte da elite política hondurenha, entre eles, o presidente do legislativo, do mesmo partido de Zelaya, e que assumiu o país após o golpe, Roberto Micheletti.

Ora, o que vemos não foi somente uma quartelada em Honduras, mas o arranjo de um golpe militar, aliado à forças civis. Tais "forças" eram nada menos do que o Poder Legislativo, Ministério Público e Poder Judiciário, que "evocaram" às Forças Armadas à manutenção da ordem diante de um passo adiante no chamdo neochavismo.

Da mesmo forma com que eleições regulares não garantem segurança democrática plena, é preciso mais do que isso, o arranjo institucional que Zalaya tentou modificar a seu favor criou um vácuo de legitimidade na eleição do mesmo, e consequentemente um descontentamento das elites políticas, que não se eximiram em utilizar o poder constitucional para apresentar uma posição política que agradasse ao exército e realizar o golpe.

As declarações de todas as nações da ONU referendam uma posição democrática mínima, ligada a procedimentos que não garantem o bom funcionamento da democracia. Se por um lado a ONU tenta preservar um procedimento democrático mínimo no mundo todo, por outro não avalia a fragilidade e o vácuo institucional deixado pelo presidente Zelaya em Honduras.