quarta-feira, 17 de junho de 2009

O debate sobre a Lei do Aborto na Espanha

[Mother and baby in farming village. Duong No, Vietnam, 1961. John Dominis. Life]

O artigo abaixo retrata o trâmite da reforma da Lei do Aborto no Congresso espanhol. A lei é extremamente polêmica, pois, se for aprovada, permite aos menores de idade praticar o aborto sem o consentimento de seus pais ou responsável legal. Diante de um assunto tão controverso, os partidos marcaram posições que correspondem às suas ideologias.

O Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), que exerce o Governo, é a favor da reforma da legislação, no sentido de permitir que o aborto seja praticado livremente, enquanto o Partido Popular (PP) é contra, defendendo as regras em vigor. Os pequenos partidos, à esquerda (ex.: CiU, ERC-IU) ou à direita (ex.: UPN), aliam-se aos dois grandes. Os democrata-cristãos tiveram liberdade de voto nessa questão, devido ao conflito que se apresenta entre consciência individual e filiação partidária.

As votações no Congresso espanhol seguem linhas partidárias bem definidas. Deputados votam de acordo com o encaminhamento dos líderes do partido. As taxas de disciplina partidária, se fossem calculadas, atingiriam o valor máximo. Tanto, que o fato de uma deputada se abster da votação chamou a atenção da imprensa. Destaca-se, também, o modo como os partidos usam as regras do jogo em prol de seus projetos políticos.

| Jornal El Mundo (Espanha) 16/06/2009 I

Com colaboração da Efe e Europa Press

O Congresso rejeita, por ampla maioria, prorrogar a reforma da Lei do Aborto

* Um deputado não segue o encaminhamento do líder do PP e se abstém da votação

* A moção teve 160 votos a favor, 183 contra e duas abstenções

O Plenário do Congresso rejeitou a proposta apresentada pela Unión del Pueblo Navarro (UPN) de adiar a tramitação da reforma da Lei do Aborto, patrocinada pelo Governo. A moção, votada por 345 deputados, teve um total de 160 votos a favor, 183 contra (sete acima da maioria absoluta) e duas abstenções. Foram registradas cinco ausências, incluindo a do presidente do Governo, José Luis Rodríguez Zapatero.

A iniciativa da UPN pedia ao governo para prorrogar a reforma da Lei do Aborto. O autor da proposta, ao lembrar-se dos 112.000 abortos que são realizados a cada ano na Espanha, argumentou que estava apoiado em "amplo consenso social, político e parlamentar" para a mudança da lei, no sentido de garantir o respeito à liberdade e dignidade humana.

O PSOE, o PNV e o ERC-IU-ICV votaram contra a proposta de "interpelação urgente", enquanto o PP, UPN, oito dos dez membros da CiU e um da CC votaram a favor. Os deputados da CiU tiveram liberdade de voto: os quatro democrata-cristãos da Unión (UDC), apoiaram a retirada da reforma do aborto, bem como os quatro membros da Convergencia (CDC). Os outros dois filiados da CDC rejeitaram a moção. Um deputado da UPyD se absteve, assim como fez a quarta secretária da Mesa Diretora do Congresso e uma deputada popular, que não seguiu os votos de seu grupo.

A moção do Grupo Misto, apresentada por um deputado da UPN, instava o governo a prorrogar a tramitação da reforma da Lei do Aborto até que ocorresse "uma reflexão calma e um debate enriquecedor sobre assunto que merece abordagem multidisciplinar".

A porta-voz do Ministério da Igualdade e deputada do PSOE disse que a proposta da UPN, tão aplaudida pelo PP, "é uma manobra para obstruir o projeto de lei", mas sublinhou que "ela não vai dar em nada". "Eles se apegam ao argumento do consenso, mas, na verdade, querem que o aborto seja uma questão para o código penal e que as mulheres não possam decidir sobre a sua maternidade". E acrescentou que "a obrigação do Governo é a de fazer, durante o processo parlamentar, a melhor lei possível".

Uma deputada do PP tem defendido uma emenda de transição – que, em última análise, não foi incluída na votação –, relativa ao Plano das Comunidades Autônomas, com a finalidade de oferecer mais informações às mulheres sobre as possibilidades de gravidez. Ela afirmou que a reforma da Lei do Aborto criou "uma profunda fratura na sociedade" e que o governo a tem defendido com base em "premissas falsas", porque hoje nenhuma mulher vai para a prisão por praticar um aborto. "O meu grupo está indignado porque uma criança com menos de 16 anos poderá fazer abortos sem o consentimento de seus pais", disse a deputada popular, que lembrou que a reforma não constava no programa eleitoral do Governo.

O grupo PNV concorda que "é verdadeira" a alegação de que o PSOE não apresentou em seu programa eleitoral a aludida reforma da Lei do Aborto, mas acusa a UPN de haver pretendido se adiantar ao PP neste debate para mostrar "a radicalização de sua postura".

Um deputado da ERC-IU-ICV disse que a moção pretendia apenas "tumultuar o processo" e aumentar o número de contrários ao projeto, pois seus adversários não se conformam com o que está previsto na reforma atual. Ele aproveitou para mandar um recado para o Governo: "Somos imprescindíveis para a aprovação desta reforma".

(Tradução minha, Celso Roma)

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