Paz de cemitério
Renato Perissinotto
Publicado na Gazeta do Povo, em 23-09-2008
A minha criatividade, (e)leitor, vem sendo colocada à prova pelas atuais eleições. Tudo tão tranqüilo, tudo tão normal, tudo sem debate que, sinceramente, me pergunto sobre que tema escrever. Tudo está tão morto e parado que temos até alguns candidatos implorando ao eleitor pela chance de um segundo turno. Qual a razão desse marasmo? São duas, a meu ver.
Uma primeira diz respeito ao desempenho do atual prefeito. Essa impressionante e imutável taxa de intenções de voto acima dos 70% revela de forma inapelável que o sucesso da atual administração não é apenas fruto do marketing político. O fato é que o prefeito agiu de forma eficaz em regiões da cidade onde a esquerda usualmente conseguia mais votos. Creio que opera aqui a mesma lógica de sucesso do governo Lula. Num país em que as elites políticas nunca fizeram nada em benefício da população mais pobre, nem mesmo o mínimo, a execução de melhoras simples e superficiais produzem um ganho político muito grande. Quem nunca ganhou nada sabe rapidamente quando ganha alguma coisa e, o que é mais importante, sabe identificar o responsável pelo ganho.
A segunda resposta diz respeito às forças de esquerda. Essas, definitivamente, parecem ter perdido o rumo. São incapazes de enfrentar o prefeito no seu próprio terreno. Não conseguem formular um discurso novo, efetivamente transformador, e já não podem retomar as antigas proposições, estigmatizadas como arcaicas. O Partido dos Trabalhadores passa por um processo evidente de destruição de sua antiga identidade, tendo à sua frente uma elite partidária totalmente seduzida pelo jogo eleitoral, cada vez mais afastada dos movimentos sociais e cada vez menos disposta a se diferenciar do que aí está. Os demais partidos (PV e PSol), ao contrário, procuram ansiosamente aquilo que nunca tiveram: base social e identidade política. O PMDB, por sua vez, sucumbe sob o despotismo de uma única liderança. Assim como quase todo silêncio profundo usualmente esconde um grande perigo, a tranqüilidade do pleito atual esconde uma paz de cemitério, uma quase tragédia política.
Renato Perissinotto é cientista político e escreve às terças-feiras.
6 comentários:
É verdade. Paralelo muito oportuno entre o governo Federal (de Lula) e o governo municipal (de Beto). De frente com um governo bem suscedido, as oposições ficam em pânico, sem saber qual das idéias defender, sem saber levantar uma nova "bola" política.
digo, bola programática, sem incrementar a sua agenda.
Bela análise!
Realmente está dificil não votar no Beto, pois a oposição não apresenta nada de novo.
Mas, por outro lado, mostra a importância da democracia. A meu ver, a campanha de 2000 fez o grupo de Lerner mudar a sua postura de governar. Deixaram de priorizar o urbanismo para investir mais no social sem deixar aquele de lado.
Estes altos índices de aprovação só mostram que Beto fez o que o Curitibano queria.
Tenho a impressão de que é preciso ter mais cautela ao identificar na taxa de intenções de voto uma ação eficaz, quanto mais em relação aos pobres. É bom lembrar que a atual gestão teve de herança uma cidade com estrutura e ideologia de classe média bem estabelecidas, às quais a imagem do Beto Richa é bem adequada. Talvez o tenebroso marasmo seja justamente a marca de sua gestão e de certo modo curitibano de entender a função da prefeitura (que aprendeu a louvar ações estruturais famosas); não só do processo eleitoral em curso. É bom lembrar também que a (re)eleição do dito cujo colabora para fortificar um partido com projeto político conhecido e pra lá de questionável...
Então, m., como explicar as altas taxas de intenções de voto no Beto?
Você sugere que são manifestações apenas da classe média? Ou, então, que o povo não sabe reconhcer as políticas públicas?
Não entendi direito o seu comentário para além da crítica ao projeto político do PSDB, acho oportuno esse debate...
Caro Luiz,
acho sinceramente que as intenções de voto respondem ainda a um modo de perceber a cidade que é fruto de muita propaganda política, durante anos. Que este projeto seja de classe méia, como a organização da cidade, não significa que quase TODOS não tenham absorvido esta imagem, da qual eu acho que o Beto Richa se beneficia. Por exemplo, não é difícil escutar quase diariamente reclamações mil nos pontos de ônibus e, mesmo assim, as mesmas pessoas evocam a idéia de que o sistema de tranporte curitibano é excelente, "de primeiro mundo", ou pelo menos muito melhor do que em outras capitais. O mesmo tipo de paradoxo eu escuto durante a espera para atendimento no SUS, e assim por diante. A maioria dos pontos elogiados com frequencia não são dessa gestão, mas "combinam" com ela, ou foram simplesmente administradas com certo cuidado. Quase todas as promessas da campanha anterior permanecem como promessas - metrô e licitação das empresas de ônibus ganharam a ultima eleição. Claro que o povo sabe reconhecer políticas públicas, mas mesmo assim não sobrepõe esse (não-)reconhecimento à idéia geral que tem da cidade. Enfim, acho que nada de novo foi realizado no ultimos quatro anos (nenhuma nova "bola" programática), e lamento a evidente incapacidade da oposição de lidar com isso, já que é difícil sem dúvida - mas seria necessário e honesto - contrariar opiniões gerais tão bem estabelecidas (transporte, capital cultural etc.).
Postar um comentário