sexta-feira, 29 de junho de 2007

[Contraponto] Voto distrital e lista fechada: as vantagens em relação ao modelo atual

Por André Barsch Ziegmann*

A reforma política está em debate, mais uma vez. Quarta-feira (27/07/2007), o plenário da Câmara dos Deputados rejeitou, com larga vantagem, a lista preordenada. Os pequenos partidos juntaram-se a congressistas das grandes legendas e acabaram com uma ótima oportunidade de tornar as eleições legislativas mais inteligíveis e menos corruptas. Fazer o quê, é difícil esperar mudanças profundas daqueles que se alimentam do sistema. Agora é torcer pelo voto distrital, puro, que certamente é melhor que o modelo vigente, contudo esse, com sorte, deve ser apenas debatido, mencionado!

Nesse texto pretendo discorrer sobre as vantagens do voto distrital e do proporcional de lista fechada sobre o modelo em voga, que pelo jeito vai perdurar por muito tempo. Vou destacar sempre dois pontos, a facilidade do eleitor entender o processo de eleição e a chances de diminuir um pouco a corrupção.

Voto distrital, funcionamento e vantagens

Vamos começar pelo distrital. Como o nome já diz, se esse modelo fosse implantado o Brasil seria dividido em 513 distritos, nos atendo apenas para a eleição da Câmara. Cada um deles teria aproximadamente 244 mil eleitores (divisão, por cima, do número de eleitores pelo de cadeiras). Assim ficaria mais fácil para o cidadão entender como funciona o mecanismo de escolha. O seu município, ou o seu bairro, junto com outros municípios e bairros, escolherá um deputado que os represente na Câmara Federal. No modelo vigente o eleitor vota num candidato que faz 80 mil votos (muitas vezes de sua região) que não se elege e vê outros com 40 mil (de outras e distantes regiões) sendo eleitos. Facilidade também em saber quem é o representante da região, de cobrar promessas, e porque não, de reconhecer uma oposição ao congressista, até porque o eleitor não vai se deparar com milhares de candidatos pedindo seu voto, alguns deles, de lugares tão longínquos, que não fazem a mínima idéia das necessidades específicas do distrito. Os gastos de campanha também seriam menores. Ao invés de concorrer em todo estado, o candidato disputa uma eleição mais “barata”, com menos oponentes e num espaço geográfico reduzido. Por exemplo, no caso do Paraná, ao invés de lutar, em todo o estado, com uma concorrência gigantesca e por um eleitorado de mais de 7 milhões de votos, a embate vai ser circunscrito aos 244 mil eleitores do distrito e a poucos municípios e bairros. Boa parte dos deputados são eleitos com grandes votações em regiões bem definidas, muitos enfatizam na campanha que são os candidatos de suas regiões. Contudo, vários opositores, sem nenhum enraizamento regional, e com base apenas no poderia econômico “invadem” o distrito e muitas vezes tiram a possibilidade da eleição de um político, que possui uma forte base e é reconhecido por algum trabalho que prestou ou presta a comunidade. Há cenários piores, quando políticos, apenas com base no dinheiro, aproveitam-se de vácuos de lideranças regionais e alçam vôo aos legislativos com grandes votações (algumas vezes até desnecessárias, pois já têm os votos suficientes) em regiões onde são nada ou quase nada conhecidos, onde não prestaram nenhum grande serviço. Fica difícil a cobrança, pois o político apareceu no “distrito” apenas na eleição, montou um forte esquema de campanha com vereadores e prefeitos (formadores de opinião/cabos eleitorais), elegeu-se e sumiu! E pode fazer isso, porque têm votos em outros lugares que dão segurança a sua tentativa de reeleição.

Problemas e críticas ao voto distrital

Contudo como não existe forma perfeita, o voto distrital tem suas críticas e dificuldades. Uma delas é de caráter técnico. Imagine dividir o Brasil em distritos federais, estaduais e municipais. Seria necessário aumentar o número de representantes em algumas Assembléias Estaduais, pois o ideal seria dividir o distrito federal em dois estaduais, para manter a proporção de representação exata. É de se esperar que um bairro ou município faça parte de um distrito integralmente (seja ele qual for, federal, municipal ou estadual) e não repartido entre vários do mesmo nível de governo (imagine um município ou bairro dividido entre vários distritos federais, o processo sem dúvida ficaria muito confuso). Outra dificuldade, que com certeza inviabiliza a implantação do modelo puro é a deformação na representação dos Estados. Roraima elege 1,55% (da Câmara) quando têm apenas 0,2 % do eleitorado; é como se o roraimense votasse oito vezes para deputado federal. Esse estado, se a desproporção não for corrigida, seria dividido em distritos de 26,8 mil eleitores. Já o Estado de São Paulo elege apenas 60% da representação a que tem direito, totalizando 70 deputados (deveria eleger 114). Caso o Estado fosse dividido por esse número, os distritos teriam 386 mil eleitores cada. Dessas contas concluímos que um eleitor de Roraima vale 14,4 eleitores de São Paulo.

Outras críticas são referentes à deformação na representação partidária e conseqüente diminuição da competição. A primeira acontece porque a cadeira é conquistada apenas com a vitória no distrito – não adianta fazer 20% dos votos totais e não ganhar em nenhuma região. Tal argumento, muito utilizado pelos críticos do voto distrital, pode ser rebatido por aqueles que olham a eleição distrital por um outro prisma. O deputado é eleito pela região, por mais que o cidadão tenha votado no candidato que perdeu ele será representado por alguém. Ou seja, se por um lado tal modelo pode deformar a representação das legendas, por outro vai garantir que todas as regiões de um território estejam representadas no legislativo. Por esse prisma podemos acusar o voto proporcional de deformar a representação regional. A diminuição da competição partidária acontece justamente porque é mais difícil eleger um parlamentar, reduzindo o estímulo a formação de novos partidos. A organização será atraente para as lideranças se tiver uma forte penetração territorial, uma considerável bancada pré-existente nos legislativos e proporcionar as bases e recursos políticos necessários para uma candidatura bem sucedida.

Lista fechada: prós e contras

E a lista fechada? Ao votarmos nos partidos os milhares de candidatos que disputam os votos dos eleitores vão sumir. Toda aquela poluição causada por santinhos e adesivos vai diminuir. As eternas e repetitivas promessas de campanha por trabalho, segurança, educação e saúde vão ter der ser mais bem elaboradas, pois para atrair os eleitores os partidos terão que demonstrar diferenças entre si. O processo vai se tornar literalmente mais limpo, mais inteligível e mais passivo de cobrança por parte do eleitor. Esse modelo seria um golpe duro na corrupção. No modelo atual os candidatos gastam muito dinheiro para serem conhecidos em todo estado, diante de um gigantesco e heterogêneo eleitorado e enfrentam uma concorrência absurda (vale lembrar que o partido ou coligação pode lançar uma vez e meia o número de cadeiras em disputa). O poderio econômico assume uma importância muito grande, o que sem dúvida estimula o crime eleitoral. Com os recursos centralizados nas campanhas dos partidos, os gastos tendem a diminuir, pois se apenas o partido tem que tornar sua legenda conhecida, a concorrência (o modelo atual é tão sem lógica, que os membros do mesmo partido concorrem entre si) vai cair drasticamente (ao invés de milhares de candidatos, dezenas de partidos). A lista fechada também poderá reprimir candidaturas aventureiras, pois candidatos acabam se elegendo com votações absurdas e “puxando” candidatos inexpressivos. Em 2002, devido ao fenômeno “Enéas” tivemos em São Paulo candidatos eleitos com 200 votos e outros que fizeram mais de 100 mil ficaram de fora. Esse só um dos exemplos da bizarrice em que se constitui a lista aberta. Muitos críticos acreditam que a lista fechada dará muito poder as direções partidárias. Primeiro, direções poderosas existem seja lá qual for o modelo. As listas podem ser escolhidas através de convenções ou prévias, como acontece no Paraguai por exemplo. Nesse país os filiados dos partidos votam em qual lista deve ser apresentada pela legenda nas eleições. No atual modelo as direções (já fortes), têm poder sim sobre quem será ou não candidato e ainda podem privilegiar certas candidaturas. Esse modelo poderia, assim como o distrital, racionalizar o sistema partidário, sem contudo polarizar a eleição em duas ou três legendas, e manteria uma competição política aceitável para um regime democrático.

Evidente que nenhum modelo é perfeito, e tais mudanças não irão eliminar por completo o fisiologismo, o clientelismo e a corrupção. Contudo o modelo atual potencializa todos esses fenômenos negativos da política. O único país do mundo que tem um modelo igual ao do Brasil é a Finlândia (e não cabe comparações). Mais uma vez, nossos deputados estão certos, e o resto do mundo está errado.

André Barsch Ziegmann é mestrando em Ciência Política pela Unicamp e editor do Boletim de Análise de Conjuntura do GAC.

5 comentários:

Lucas Castro disse...

Uma ótima e esclarecedora análise sobre o sistema distrital puro e sobre a lista fechada (tinha alguns pontos, como das candidaturas aventureiras, que eu não tinha pensado). Será que haverá uma discussão minimamente séria acerca do distrital puro e do misto? Temos de aguardar.

Adriano Codato disse...

André, parabéns pelo didatismo e entusiasmo. Mas com o devido perdão do positivismo sociológico, de onde vocês, reformadores de constituições, tiraram essas vantagens todas na lista pré-ordenada, no voto distrital puro, no financiamento público etc.?
Há estudos que simulem os resultados esperados e as vantagens que iriam ser obtidas?
Ou ficamos no terreno do (i) na Europa é assim...; ou (ii) idealmente funcionaria assim...

Adriano Codato.

André Ziegmann disse...

O professor tem razão. Preciso procurar dados para ilustrar as idéias defendidas acima, e não ficar apenas na discussão normativa. Se sobrasse tempo o faria.

Luiz Domingos disse...

Mas acredito que isto é como diversas políticas públicas, mesmo que haja alguns dados para comparação, os seus efeitos só pdoem ser estabelecidos com o passar do tempo (penso nas cotas, por exemplo). Neste sentido, acho que uma análise com algum grau de posicionamento, ou uma análise orientada por "valores" é inevitável, quando não interessante para esquentar o debate.

Anônimo disse...

amo isa tkm e a melhor novela do mundo