terça-feira, 8 de maio de 2007

O que esperar da crise?

ARTIGO - Octaciano Nogueira

Estarrecida com as dimensões da crise ética que infesta o Congresso e com a profusão de delitos nas mais diversas esferas do poder, a sociedade tem indagado o que está se passando com o Brasil. A extensão do fenômeno causa estupor, por seu ineditismo. Mas a doença já se manifestou em vários países, em outras épocas. No começo do século 20 o russo Moisei Yakolevitch Ostrogorsky ganhou fama com o livro Democracia e a organização dos partidos políticos, publicado em Londres em 1902. No 1o volume, ele analisou os partidos políticos americanos e ingleses. O 2o foi dedicado ao mais famoso partido europeu, o social-democrata da Alemanha, em que se inspirou o autor italiano nascido na Alemanha, Robert Michels, para formular sua conhecida “lei de bronze das organizações”.
A tese de Ostrogorsky era a de que a ordem social e política do século 19 vinha sendo mantida graças a uma sociedade tradicionalmente estratificada e que o individualismo a tinha erodido. Por essa razão, a política já não era o resultado das opções dos cidadãos informados e livres, mas sim o produto da organização mecânica do sistema político, dominado pelos políticos profissionais e pelos aparatos partidários. Para ele, organização era a palavra-chave, pois indicava a corrupção essencial das sociedades da época.
Enquanto para Michels a organização era danosa porque levava necessariamente à oligarquização das instituições, para o autor russo era prejudicial, porque impedia a política de caminhar no sentido desejável, na medida em que substituía a ação individual, livre e fruto da meditação, pelas reações manipuladas das massas. As eleições, segundo ele, não representavam o resultado do pensamento ilustrado dos cidadãos responsáveis, mas sim a simples ordenação do consentimento. A opinião era sepultada pelas liturgias da campanha, que cativavam os eleitores pelo espetáculo e pela emoção. A organização, escreveu, havia corrompido a vida política, mas isso era o resultado da corrupção das idéias que formavam a cultura política daquela época. Obviamente, qualquer semelhança com a quadra que estamos vivendo, não é mera coincidência. O francês Maurice Duverger, autor do famoso manual Os partidos políticos, deixou sugerida em seu livro a razão do pessimismo de Ostrogorsky, mas se vale de sua tese para explicar como aspectos negativos da política podem contribuir para aprimorá-la. Escreveu ele: “A darmos crédito a Ostrogorsky, a corrupção teria ocupado lugar assaz importante no desenvolvimento dos grupos parlamentares britânicos. Por muito tempo, os ministros ingleses asseguravam a si sólidas maiorias mediante a compra de votos, senão da consciência dos deputados. A coisa era oficiosa: havia na própria Câmara um guichê onde os parlamentares iam receber o prêmio de seu voto, na ocasião das votações.
Em 1714 foi criado o posto de secretário político da tesouraria, a fim de assumir os encargos dessas operações financeiras; o secretário foi logo, aliás, intitulado o “secretário patrocinador”, porque dispunha da nomeação dos cargos do governo, a título de corrupção. Distribuindo assim as benesses governamentais aos deputados da maioria, o secretário patrocinador fiscalizava muito de perto os seus votos e discursos: tornou-se desse modo, para eles, o homem do whip (chicote, em inglês). “Instaurou-se assim, progressivamente, uma severa disciplina no partido majoritário. Posteriormente, com o gradativo apuro dos costumes parlamentares, a estrutura dos partidos, com sua vigorosa organização e a autoridade dos seus whips, sobreviveu às razões que a haviam feito nascer.” Duverger conclui: “Seria interessante verificar se o sistema britânico não foi empregado em outros países, e se a corrupção parlamentar não engendrou, seja pela ação, seja pela reação, um fortalecimento da organização interior dos grupos de deputados. Sabe-se da importância que esses fenômenos de corrupção assumem numa certa fase do desenvolvimento democrático, como meio de o governo resistir a uma pressão crescente das Assembléias”.
Duverger esteve em Brasília em 1981. Se fosse hoje, poderia verificar que, aqui, essa prática também ocorre. Só que com sinal trocado. Não foi o instrumento a que recorreu o governo para resistir à pressão da Assembléia. Foi a forma de o governo dobrar a Assembléia a seus caprichos e conveniências, levando-a à desmoralização. Resta saber se, como na Inglaterra, esses métodos vão, um dia, contribuir para regenerar nossa vida pública. Oxalá assim seja.

Octaciano Nogueira
Historiador e cientista político


Fonte: http://www.senado.gov.br/

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