A literatura de Ciência Política sobre o Legislativo no Brasil: um balanço
Em geral, os estudos produzidos sobre estes órgãos legislativos enfatizam as características do processo decisório e, mais especificamente, observam como se dá a relação entre o poder Executivo, o Legislativo e os partidos nos corpos parlamentares das diferentes unidades de governo nacionais. Os enfoques abrangem desde estudos que buscam empreender uma análise agregada das proposições legislativas ou do comportamento político dos parlamentares, até trabalhos de natureza mais qualitativa, que buscam realizar estudos de caso de processos de tomada de decisões que envolvam as relações Executivo-Legislativo e/ou a ação de determinados grupos sociais sobre o processo legislativo.
Pelo menos desde os primeiros estudos sobre as relações Executivo/Legislativo no Brasil (Brigagão, 1973; Santos, 2003)[2] a análise agregada da “produção legal” (leis, projetos de leis e demais proposições legislativas) dos órgãos parlamentares tem sido utilizada como um importante indicador para caracterizar as relações entre os poderes e o processo de governo, especialmente durante a primeira experiência de democracia presidencialista pluripartidária brasileira, no período anterior a 1964. No tocante ao período posterior a
Resumidamente, podemos dizer que duas teses gerais emanam dessa literatura sobre as relações Executivo/Legislativo no Brasil, especialmente em relação ao período pós-1988:
(i) de um lado, estão aqueles autores que postulam uma dominância do Executivo sobre o Legislativo no processo decisório e um acentuado desequilíbrio entre ambos no sistema político brasileiro, seja através da concentração de poderes de agenda no chefe do Executivo eleito, que dessa forma concentraria prerrogativas que forçariam o Legislativo e os parlamentares a cooperar e a se submeter a sua agenda (Santos, 1997; Limongi, 1999), seja através da concentração de recursos políticos que viabilizariam o controle do “distrito eleitoral potencial” do parlamentar, que ficaria assim numa situação de subordinação e dependência em relação ao chefe do Executivo, situação esta responsável em última instância pela vigência de um “ultrapresidencialismo estadual” na maioria dos estados (Abrúcio, 1998);
(ii) por outro lado, estão aqueles autores que constatam a existência de uma relação mais equilibrada entre os poderes, não só em nível estadual (Santos, 2001), como também nas Câmaras de Vereadores de alguns municípios brasileiros (Andrade, 1998). Na visão desses autores, o “presidencialismo imperial”, com dominância do Executivo, seria um fenômeno histórico e localizado no tempo, recuperando o Legislativo seu papel no processo decisório governamental, quando algumas circunstâncias o permitissem[3]. Importa frisar aqui que, para fundamentar tais teses, os autores procedem a uma análise sistemática do processo decisório vigente em cada uma dessas unidades de governo.
Por outro lado, os órgãos legislativos brasileiros têm sido analisados sob a perspectiva do recrutamento político. Existem estudos tanto em nível nacional (Rodrigues, 2002; Santos, 2002), quanto em nível subnacional (Morais, 2001), que buscam examinar as características do recrutamento das elites parlamentares efetuando estudos sobre o recrutamento parlamentar, sobre o perfil sóciopolítico dos deputados. Estes estudos chegaram à importante conclusão de que os partidos políticos diferem significativamente entre si em várias dimensões de seu recrutamento sociopolítico, e essas diferenças de certa forma interferem nas várias dimensões de sua ação e comportamento políticos. Ou seja: ao contrário da sabedoria convencional e quase do senso comum do cidadão brasileiro, “os partidos contam” na estruturação da ação política de vários tipos de atores relevantes.
Entretanto, ainda são raros os trabalhos que buscam articular as variáveis de recrutamento político dos diferentes partidos, com as variáveis sobre produção legal e comportamento parlamentar, para verificar como essas duas dimensões do comportamento político dos parlamentares se inter-relacionam. Destacam-se, nesse sentido, poucos exemplos em certa medida isolados na literatura, tais como o trabalho pioneiro de Lima Júnior & Camargos sobre a Assembléia Legislativa de Minas Gerais (Lima Júnior & Camargos, 1997) e, mais recentemente, os trabalhos de Amorin Neto & Santos (2002; 2003) sobre o Legislativo nacional. Nesses textos, os autores procuram articular as variáreis de recrutamento político com variáveis de produção legal, buscando examinar se os diferentes padrões de recrutamento dos parlamentares produzem efeitos ou correlacionam-se com os padrões de produção legal observados.
[1] Exemplos destes estudos são as coletâneas organizadas por Andrade (1998), e Santos (2001). Entretanto, ao contrário do que se poderia esperar, a estes trabalhos não se seguiram outros, com o mesmo nível de sistematicidade e abrangência, sobre os legislativos nas unidades subnacionais.
[2] A edição original do texto clássico de
[3] Estas circunstâncias são de várias naturezas: reformas regimentais que estimulam a participação popular e reorganizam internamente a distribuição entre as prerrogativas dos centros decisórios do órgão legislativo, no caso da ALEMG (Anastasia, 2001); um maior grau de competição eleitoral e maior sensibilidade dos parlamentares a demandas sociais, no caso da ALERJ (Santos, 2001); a adoção de uma estratégia de “negociação pontual” por parte de um chefe de Executivo minoritário eleito por um partido de centro-esquerda, no caso da Câmara Municipal de São Paulo durante a gestão da prefeita Erundina (Andrade, 1998). O que importa observar aqui é que os autores utilizam esses casos para contestar as teses dominantes na literatura acerca da existência de uma tendência inexorável ao predomínio do Executivo no sistema político brasileiro, ou a um papel irrelevante ou secundário desempenhado pelos órgãos Legislativos.
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