sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Financiamento público de campanhas eleitorais


[José Yalenti. Pirelli/MASP]

Controle público, sim. Monopólio do Estado, não

Gazeta do Povo, 19/08/2008
| Sérgio Soares Braga

Indo direito ao ponto, podemos afirmar que o melhor modelo para o financiamento de uma campanha eleitoral é aquele que cumpra os seguintes objetivos básicos: (i) seja transparente, permitindo à opinião pública e à sociedade civil uma ampla e eficaz fiscalização sobre as fontes de receita dos candidatos e sobre o destino que é dado ao montante arrecadado, evitando assim desvios de verba e a corrupção política; (ii) seja participativo, ou seja, estimule a participação voluntária dos cidadãos e da sociedade no trabalho de arrecadação e doação de verbas para os candidatos e eventuais representantes, assim como a fiscalização da sociedade sobre as promessas e as ações dos candidatos; (iii) seja barato, de modo a possibilitar a divulgação do maior número possível de informações sobre os candidatos ao menor custo possível para a sociedade.

Ora, analisando as forma como são feitas as campanhas eleitorais no Brasil, verificamos que nenhum dos três objetivos acima enunciados é cumprido pelo atual sistema de financiamento de campanha vigente no Brasil. Em primeiro lugar, porque o sistema em vigor é caro: estudos comparados confirmam a impressão generalizada de que as campanhas eleitorais brasileiras estão entre as mais caras do mundo. Em segundo lugar, porque o sistema em vigor é pouco transparente: basta ver os freqüentes escândalos do noticiário político, a maior parte deles envolvendo acusações de desvio de verba para campanhas eleitorais e/ou compra de votos. Em terceiro lugar, porque o sistema em vigor não estimula a participação da sociedade civil e dos setores politicamente organizados na arrecadação de contribuições pelos candidatos, os quais são financiados predominantemente por grandes empresas (bancos e empreiteiras, a maior parte delas beneficiárias de obras e informações públicas), quando não através do desvio de verbas públicas ou do uso direto e ostensivo da máquina estatal para beneficiar determinados candidatos.

Como o Brasil ainda não parece ter se livrado do péssimo hábito de estatizar e monopolizar tudo aquilo que não funciona muito bem, reativa-se no presente momento a proposta de instaurar um monopólio estatal sobre o financiamento de campanhas eleitorais, ou seja, o chamado “financiamento público exclusivo” das campanhas eleitorais. “Financiamento público” entre aspas porque pela proposta sugerida pelo governo, cada cidadão iria contribuir com a módica quantia de R$ 7,00 para financiar as campanhas de nossos políticos, transferindo à burocracia eleitoral a prerrogativa de gerir esse fundo, sem a correlata prestação de contas à sociedade de seus gastos e de seus atos. Ou seja: correríamos o risco de ter uma nova CPMF ou uma nova Cide, impostos que são desviados de suas finalidades originais devido à gestão intransparente das verbas públicas como é comum no Estado brasileiro.

Mais importante do que o monopólio do estado sobre o financiamento das campanhas eleitorais é estabelecer mecanismos de controle eficazes da sociedade civil sobre os gastos dos candidatos. Nesse sentido, a internet, a imprensa, os tribunais eleitorais, assim como a sociedade civil organizada, possuem um papel fundamental nesse processo. Esses atores devem exigir e pressionar os candidatos para que prestem contas da arrecadação e do destino de suas verbas eleitorais, e fiscalizar cotidianamente o uso que é feito dessas verbas.

Por fim, se eu pudesse encerrar este artigo com um conselho ao eleitor, eu aconselharia o seguinte: verifique se seu candidato tem um website pessoal. Se não tiver um, desconfie. Verifique se ele usa o website para prestar contas de suas despesas eleitorais. Se não usá-lo para isso, desconfie. Verifique, por fim, se ele usa sua campanha eleitoral e a internet para divulgar de forma clara e objetiva quais são suas propostas para melhorar a sociedade, bem como as ações que empreendeu até agora com este objetivo. Se não fizer isso, talvez seja melhor mudar de candidato.

Sérgio Soares Braga é professor de Ciências Sociais da UFPR.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

A didática de "Lula, o filho do Brasil"


[Juazeiro, 1970-1979.
Alcir Lacerda.
Pirelli/MASP]

José Szwako*

"Você sabe quem é esse homem, mas não conhece a sua história". A julgar pelo seu slogan, "Lula, o filho do Brasil" cumpre de forma bastante satisfatória sua função. O filme retrata a biografia de um nordestino cujo destino é bem conhecido entre nós. A especificidade da sua história de vida, no entanto, é infinitamente mais interessante que o retrato cinematográfico. À exceção do argumento em torno de Lula, o filme se vale de alguns clichês do último cinema brasileiro. À abertura, um belo e estilizado nordeste, com a gota de suor coreografada na testa do retirante, com os tons pastel em degrade que desfilam na paisagem acre, e com direito, ainda, a um carismático cachorro, fofo. Não chega a ser um defeito, mesmo porque rende esteticamente, mas, desde a safra pós-"Central do Brasil", essa fórmula se repete à exaustão na grande tela nacional.

Ok, retratar a biografia de um presidente nao é pouca coisa e nada ajuda muito para esse empreendimento. Lula, como dizem, é "o cara". Nao é qualquer presidente, é uma figura verdadeiramente carismática com sabido nível de aprovação em pleno fim do segundo mandato. De frente para esse monstro ideológico, do qual esse filme parece ser mais produto e menos reprodutor, é quase impossível não se deixar levar pela teo-teleologia: não importa se se trata de  uma criança inconformada ou de um torneiro quase despolitizado, o futuro (ou seja, a ideologia de hoje) fornece de saída os limites da interpretação: "ah, ele já era assim, ...ele foi sempre assim, ...isso tudo estava nele!". "Teima", dizia Dona Lindu. "Ele teimou", nos diz o filme. A ordem cronológica da exposição fílmica quer apontar para este futuro - o nascimento, a viagem pro sul, a escolarização primária e técnica, o primeiro emprego e os dramas no sindicato, tudo vai (nos) levando magicamente ao seu Destino.

O que mais impressiona na exposição dessa linha de vida é o seu carater didático. Tudo muito claro, tudo no seu lugar, sem metáforas nem brechas, tudo limpidamente ocupado. Assentado numa estetica kitsch do tipo "A grande família", o filme é um retrato hiperreal da história de Lula. Está tudo lá, exposto na tela: personagens são claramente apresentados, psicologias sem ambiguidade, diálogos cotidianos e inverossímeis, os jovens Lula e Marisa feitos um-para-o-outro, e um figurino que se denuncia no padrão globo de qualidadede. A música na hora certa, na imagem certa, para a lágrima certa. Enfim, um filme didático demais. Na verdade, é um filme adequado ao Brasil pós-autoritário (FHC + Lula), adequado àqueles milhões de cidadãos que, antes enclausurados na indústria cultural lado B, passaram a compor uma nova multidão de consumidores... de frango, de iogurte, de celular, de carro e também de filmes. Ora, isso nao é pouca coisa e a necessidade de objetos culturais adequados à educação sentimental dessa nova massa de consumidores não precisa ser entendida como meramente ideológica ou eleitoral; a necessidade de tais objetos e a natureza didática deles respondem, antes, às mudanças na capacidade de consumo desse e de outros bens por parte de frações significativas da população brasileira. Agora, se essas frações vão votar no candidato de Lula ou se chamam o consumo de celulares de "cidadania", isso já são outros quinhentos...




"Lula, o filho do Brasil"
Brasil, 2009. Cor. 128 min
Direção: Fábio Barreto

*José Szwako é doutorando em Ciências Sociais na Unicamp.