sábado, 29 de setembro de 2007

GOVERNOS DE COALIZÃO OU FARRA DO BOI?

Nos últimos dias temos visto o PMDB dar um baile no governo para conseguir mais cargos na administração federal. A tática é simples, bloquear ou dificultar as propostas enviadas pelo governo ao congresso (pobre Mangabeira, que ficou sem pasta). Os acontecimentos dos últimos dias suscitam a discussão de como funcionam os governos de coalizão, no geral, e como esses são operados no Brasil.

A barganha por cargos existe em todas as democracias do mundo, faz parte, portanto, do jogo para formar maiorias. Não podemos nos esquecer que partidos existem para chegar ao poder (se as organizações não podem detê-lo totalmente, o partilham), e a materialização dessa função são as ocupações de cargos.

O problema é que no Brasil o troca-troca foge completamente da normalidade. A falta de uma burocracia efetiva, e a conseqüente existência de um absurdo de cargos que são preenchidos por indicação, tem como efeito deletério um funcionamento puramente fisiológico da coalizão. A opção por um funcionalismo de “confiança” e não de “carreira”, está na essência da formação das maiorias no país, pois, participar do governo, ocupando ministérios, secretarias e estatais torna-se interessante justamente pela possibilidade de através desses órgãos serem montadas redes clientelísticas, que vão beneficiar partidos, parlamentares e suas bases (prefeitos, vereadores e etc.).

Soma-se a esse fato a inexistência de um controle parlamentar do ministério. Como não há uma construção minimamente programática da coalizão, o gabinete não está comprometido com uma agenda de propostas a serem implementadas. Sendo assim, o ministério é desfeito por várias razões, que vão desde a eleição para as presidências da Câmara e do Senado, que dão nova configuração ao poder de barganha no Congresso, passando por reveses do partido do presidente e suas alianças nas eleições municipais, pois, se o chefe do executivo federal e sua organização não forem bons cabos eleitorais, os aliados venderão mais caro seu apoio no legislativo, chegando até crises políticas e a própria vontade do presidente. Nos regimes parlamentaristas e semi-presidencialistas, onde o gabinete emerge do parlamento, sendo condição para ocupar uma pasta ter sido eleito para o legislativo, se a coalizão não consegue executar um eixo mínimo de propostas, que amarraram dois ou mais partidos e possibilitaram a formação de uma maioria, o ministério pode ser desfeito e serem convocadas novas eleições para o parlamento. Obviamente que esses sistemas também são vulneráveis ao fisiologismo e a conveniências eleitorais, contudo, a possibilidade de dissolver o gabinete e o legislativo limita o troca-troca ministerial, e proporciona algum tipo de controle sobre o desempenho da coalizão em aprovar e executar políticas públicas.

As coalizões funcionam no Brasil, o problema é como e a que custo. A falta de uma burocracia efetiva e de um controle sobre o ministério transformou a formação de maiorias no Congresso numa farra do boi. As conveniências políticas sempre existirão, entretanto, a inexistência de um conjunto de propostas e metas, que permeassem todo o ministério e a maioria que lhe dá sustentação, de um funcionalismo de carreira, que não estivesse preso aos cargos pelos finos laços da indicação, e da possibilidade de dissolver a coalizão, caso essa não estivesse exercendo com eficiência suas funções, não empresta nenhum caráter programático aos governos multipartidários brasileiros, sendo esses formados apenas com base nas vantagens eleitorais e políticas que os partidos podem ter ao ocupar determinados cargos.

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Pesquisa - Confiança Institucional

A Associação Nacional dos Magistrados publicou ontem em seu sítio uma pesquisa realizada entre os dias 4 a 20 de agosto, sobre o nível de confiança dos brasileiros nas instituições públicas brasileiras. Para a classe política, a pesquisa foi reveladora: 83,1% não confiam na Câmara dos Deputados, 80,7% não confiam no Senado Federal, 89,3% não confiam nos partidos políticos e 81,9% não acreditam nos políticos. Nada de novo conforme pesquisas realizadas pela Latino Barómetro.

Note-se, que apesar dos escândalos no Senado Federal, ele obteve porcentagem de confiança maior que a Câmara Baixa. Isso permite inferir que, por mais que a mídia influencie de sobremaneira a imagem das instituições, a população consegue, a partir de fontes de informações diversas, formar uma opinião própria, em menor ou maior grau.

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

Foi aprovado na Câmara Federal a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Em nota veiculada no jornal Folha de São Paulo, diz-se que o fundo foi criado para regulamentar e permitir a transversalidade entre as áreas. Pelo visto as Ciências Sociais não foram deixadas de fora. É mais um passo para que a profissionalização dos cientistas sociais avance.

Disponível para assinantes em: www.uol.com.br/fsp

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

O caráter público da política

artigo publicado na Gazeta do Povo em 6 set. 2007

Adriano Codato

Proposições normativas devem se apoiar em conhecimentos objetivos. Ou melhor: quando dizemos como as coisas devem ser, devemos antes saber como as coisas são, e porque não gostaríamos que elas fossem assim. Esse preceito, que vale em muitas áreas, para ser econômico, deveria valer mais ainda quando se discute alternativas políticas.

No “debate” recente sobre a reforma do sistema eleitoral ouviu-se muito sobre as vantagens, supostas, do voto distrital sobre o voto proporcional (para ficarmos só nesse exemplo) sem que se demonstrasse de fato quais as implicações reais na mudança de um regime de votação para outro. A representação da bancada do Paraná na Câmara Federal conta com 30 deputados, eleitos por diferentes regiões e graças a um número específico de votos, conforme o partido político a que pertencem. Caso mudasse o sistema, como ficaria? Melhor? Pior? Melhor ou pior para quem? Para os próprios políticos (pois diminuiria a competição) ou para os eleitores (pois aumentaria a fiscalização)?

O caso do “debate” sobre o financiamento público das campanhas dos políticos é ainda mais curioso. Além de não sabermos quanto custa uma campanha, já que as declarações de contas nos tribunais eleitorais são, digamos, imprecisas, em função dos recursos “não contabilizados”, não sabemos também exatamente quanto, uma vez introduzido o novo esquema, elas custariam. Não sabemos inclusive se seria conveniente que elas fossem custeadas pelo Tesouro. O “argumento” segundo o qual na Alemanha é assim, e lá dá certo, parece, digamos também, incerto.

A polêmica sobre o voto aberto ou voto secreto nas casas legislativas é um bom exemplo daquilo que já sabemos e daquilo que não sabemos ainda.

Há argumentos sensatos para sustentar que, em determinadas votações, o parlamentar possa votar anonimamente. Vejamos quatro dessas razões.

O voto secreto garantiria ao deputado, ou ao vereador, liberdade para escolher entre a decisão A ou a decisão B já que ele estaria livre de pressões indevidas – do presidente, do governador, do prefeito, do presidente da mesa, do líder do partido ou de algum manda-chuva, que há muitos. O representante poderia assim votar conforme sua consciência. Esses motivos alegados são, para quem defende a idéia, não apenas lógicos, mas derivados de um princípio jurídico incontestável: o direito que todos nós eleitores temos ao voto secreto.

Por outro lado, pode-se opor a essas razões, razões tão boas quanto, e em sentido contrário.

O voto secreto do representante político não é um direito. É uma convenção estabelecida pelo regimento interno da Casa (Câmaras, Assembléias), já que se trata apenas de um mecanismo deliberativo. Garanti-lo ou aboli-lo é uma questão que escolha entre dois modelos políticos, não entre um direito e uma ofensa a ele.

Isso é assim (ou deveria ser assim) porque a liberdade fundamental não é a do representante, mas a do representado. O representante, que é em nosso sistema político bastante livre, pois só presta contas em momentos eleitorais, quando presta, é (ou deveria ser) um procurador, não um intermediário. Sendo assim, os eleitores precisam saber que escolhas foram feitas, pois só essa informação permite, de fato, pressão sobre o “seu” deputado. Em vista disso, a pressão (ou chantagem) de políticos mais poderosos é menos importante do que deveria ser o constrangimento de votar contra a opinião dominante – mesmo porque pressões e contrapressões dos políticos fazem parte da regra do jogo que eles mesmos estipularam.

Caso fique garantido o “direito” de votar contra a orientação do partido, seria o caso de perguntar: para que então servem os partidos? Partidos funcionam, na arena eleitoral e na arena parlamentar, para sinalizar opções políticas diferentes. Se essas posições fossem intercambiáveis e o político de centro-esquerda pudesse votar, graças à sua “liberdade”, como o político de centro-direita, e vice-versa, o jogo político se tornaria imprevisível, o que aumentaria o custo das negociações. Em duas palavras: mais tempo (para construir acordos) e mais dinheiro (para chancelar esses acordos).

O direito fundamental de votar conforme crenças subjetivas só seria válido se a política efetiva pudesse ser convertida numa negociação entre a consciência do representante e grandes questões abstratas, ou dilemas morais. Ora, o representante, procurador ou delegado não se defronta com questões de princípio, mas com questões concretas. Nesse sentido, toda moralidade é política, ou melhor: todos os casos que envolvam aspectos morais e que digam respeito à conduta dos políticos, são questões políticas. E toda política é (deveria ser) pública, por definição.

Conhecendo ou estimando os efeitos possíveis do voto secreto e do voto aberto, fica difícil discordar da divisa proposta pelo juiz da Suprema Corte dos EUA, Hugo Black (1886-1971): “a luz do sol é o melhor detergente”. Sempre.

Adriano Codato é professor de Ciência Política na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e coordenador do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira