sábado, 11 de outubro de 2008

Capital político e transferência de votos

Folha de Londrina
10 out. 2008

Adriano Codato

Análises eleitorais correm sempre o risco de dizer o óbvio. Quem ganhou, quem perdeu, quem fez mais votos, quem fez menos, quantas prefeituras novas foram conquistadas por partido, etc. Para evitar uma paráfrase da realidade, é preciso pensar menos conjunturalmente. Se a disposição de forças políticas que sairá daqui pode (enfatizo: pode) influenciar as eleições nacionais em 2010, 2008 precisa, por sua vez, ser entendido na devida perspectiva. Para ficarmos em um só aspecto que essas disputas revelaram, tomo aqui a questão da capacidade de transferência de prestígio e capital político de um político a outro - a partir do caso de Curitiba.

De fato, Lula não influenciou as decisões dos eleitores como alguns imaginavam (ou apostavam) porque, efetivamente, seu prestígio, popularidade e aceitação junto ao eleitorado é mais pessoal (ou exclusivamente pessoal) do que institucional. Poucos identificam o governo federal como ‘‘o governo do PT’’ - o que, de resto, é bastante correto. Basta pensarmos não na composição das equipes políticas, o que é evidente, já que se trata de um governo de coalizão entre muitas forças, mas nas plataformas históricas do partido, prudentemente aposentadas em nome do realismo e da lógica eleitoral. Esse processo de derretimento do PT e de sua mística, que começou em 2002, só tende a se radicalizar. Nesse contexto em que parece não haver mais, tanto quanto antes, uma assimilação imediata de Lula ao PT, a maioria dos concorrentes tem de contar com a própria sorte; quando muito, com a máquina do partido, onde ela existe.

A capacidade de influência de Lula sobre o voto do cidadão médio foi barrada também pela municipalização das campanhas. Esse é um aspecto interessante, em geral apresentado sob o chavão do ‘‘amadurecimento da democracia brasileira’’. O que ocorre? Não só as eleições vão ficando rotineiras (o que aposenta outra imagem tola: a da ‘‘festa da democracia’’), mas o eleitor vai ficando cada vez mais pragmático (ou ‘‘racional’’, como queiram). Não se trata agora, como nos anos 1980, de escolher entre ideologias (democrática ou autoritária; socialista ou capitalista, etc.); nem de alinhar-se, como nos anos 1990, a identidades partidárias (o PT, o PSDB); ou simplesmente seguir, como de hábito, uma liderança carismática (Maluf, Brizola, etc.). Trata-se de saber o que o prefeito pode e deve fazer na prática, e com o orçamento disponível, pelo meu bairro, pelo meu posto de saúde, pelo transporte que me afeta, etc. Nesse contexto, fica muito reduzida a influência do presidente da República, por maravilhoso que ele seja.

A outra forma de transferência de capital político pode ser indireta. Em parte, ainda que em pequena parte, o sucesso de Beto Richa (77% do eleitorado!) pode ser atribuído à habilidosa reconstrução da figura política do pai. O sobrenome importa aqui menos pelos feitos atribuídos a José Richa e mais pelas idéias que ele resgata (ou inventa). Como político profissional, o filho procurou durante a campanha neutralizar a imagem de técnico em nome da imagem de ético.

Por fim, a questão não é apenas se um político pode transferir votos a outro, mas se ele deve, ou mais exatamente: se ele deseja. Roberto Requião, governador bem avaliado e, como Lula, uma liderança altamente personalista, tem barrado sistematicamente o surgimento de novas lideranças, de sucessores, até mesmo de continuadores. Uma evidência, ainda que paradoxal, da força política do governador junto ao eleitorado e da natureza da sua estratégia, onde o que menos conta é a transferência de capital político, foi a imposição, ao PMDB, de um candidato fraco, desconhecido e recém-chegado: o ex-reitor da UFPR Carlos Moreira. Este fez menos de 2% dos votos em Curitiba. Com esse desempenho, não seria eleito sequer para deputado estadual.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Black Monday

Após a realização do primeiro turno das eleições municipais, o desdobramento da crise financeira deve passar para o primeiro plano da conjuntura política nacional, e, sobretudo, internacional. Na última segunda-feira (06/10) a primeira onda da crise sacudiu os negócios da BOVESPA – a queda foi tão brutal que os negócios foram interrompidos automaticamente, passados 20 minutos da abertura do pregão. Um dia antes, no domingo o Governo alemão costurava o aporte de recursos para a Hipo Real Estate, uma das principais empresas hipotecárias da Alemanha. O aporte foi inútil, pois nessa segunda feira as ações da HRE se desvalorizaram na ordem de 35%.

A eclosão da crise na Europa não poderia ocorrer de forma mais dramática, pois quando se esperavam ações de defesa orquestradas e concertadas entre os diferentes governos da zona do Euro, o Governo alemão, um dos mais disciplinados seguidores da ortodoxia neoliberal, propõe uma solução unilateral para os sintomas domésticos de uma crise cada vez mais internacionalizada. Mesmo na França, terra infértil para os Bancos de Investimento, o desempenho dos mercados financeiros foi pífio: a Bolsa de Paris registrou uma queda de 9,04% no que já é considerada a mais recente Black Monday.

A crise pela qual passa o capitalismo mundial começou no empréstimo de recursos para famílias pobres financiarem suas casas. É irônico que tais empréstimos possam ser vendidos e comprados como se fosse um ativo qualquer, um carro, um tratamento de canal, enfim, um bem como qualquer outro. Mais engraçado ainda é que os negócios envolvendo esses ativos são tão rentáveis apenas porque o objeto das operações é considerado de alto risco – seguindo a lei régia de mercados desregulados, as operações devem ser tão mais rentáveis quanto maior é o seu risco, a fim de premiar o perigo que o operador se dispõe a correr. Ora, não se pode conter as gargalhadas quando vislumbramos os proprietários desses ativos se dando conta de que se as famílias pobres não pagarem as suas hipotecas, os seus valiosos ativos não significam absolutamente nada.

O óbvio não é apenas engraçado. Ele é sarcástico. Os clientes subprime não pagaram suas hipotecas, foram expulsos de suas casas, e ainda estão pagando a conta do almoço, uma vez que é o erário norte-americano que vai comprar os ativos podres – o custo do pacote recentemente aprovado pelo Congresso daquele pobre país é de cinco guerras do Iraque.

Porque os ativos podres são tão indigestos? Eles padecem de insolvência, ou seja, os pobres ficam sem casa e os proprietários das dívidas, que pagaram tão caro por papéis avaliados com alto risco não podem pagar suas contas, já que sua principal riqueza (os títulos com as hipotecas dos pobres) também não vale mais nada. Conceitualmente, insolvência é uma situação onde o valor dos ativos é menor que os passivos, quais sejam, as dívidas. Ah, claro, não foi mencionado ainda que o dinheiro com o qual se adquiriu os papéis de alto risco era emprestado – THIS IS AMERICA.

Mercados financeiros não criam riqueza, pelo contrário, eles operam num ambiente de soma zero, no qual o que uns ganham correspondem ao que outros perdem. Assim, em um hipotético capitalismo regulado, orientado para a produção e consumo, com condições socioeconômicas favoráveis à reprodução regular da força de trabalho, o mercado financeiro é apenas mais uma alternativa às empresas para a captação de recursos para o investimento. Ao abrir o capital da empresa, sua propriedade é dividida num sem número de títulos – as ações – que são negociadas nas bolsas de valores, mas a maior parte de seu ativo tem uma existência concreta e independente do jogo de compra e venda dos papéis na bolsa de valores. Se os ganhos superarem as perdas no jogo de apostas da bolsa de valores a empresa tem uma fonte a mais para o financiamento de pesquisa e desenvolvimento, ampliação e modernização do parque produtivo, contratação de mão-de-obra etc.

Dito isto e isto posto, pergunta-se: mas como as irreverências do mercado financeiro atingem a vida dos bípedes normais, alheios às traquinagens de derivativos financeiros e hedge funds pelo globo afora? Bom, essa é uma longa historia, mas uma hipótese a ser verificada no médio prazo defende que o seu começo é o aumento dos juros norte-americanos em seis de outubro de 1979 pelo então diretor do FED, o democrata Paul Volcker, e vai até o controle das duas principais hipotecarias daquele pobre país, Fannie Mae e Freedie Mac, pelo governo republicano G. Walker Bush, em sete de setembro de 2008. Ora, o processo compreendido entre esses dois episódios tem nome e endereço, chama-se neoliberalismo e se desenvolveu nos aparelhos econômicos dos Estados Capitalistas nos países do “norte”.

A sub-forma “capitalismo neoliberal” de organizar os negócios nas sociedades capitalistas prioriza a remuneração do capital financeiro à reprodução ampliada do modo capitalista de produção em geral. Uma série de inovações tecnológicas e comunicacionais, além de um ambiente regulatório francamente liberalizado permitiram aos bancos de investimento – eles mesmos uma dessas novidades – realizar operações com altíssimo grau de alavancagem, o que, grosso modo, redunda em auferimento de taxas de lucros exorbitantes face ao capital investido, com transferência dos riscos para terceiros. A crise dos subprime era a quinta-essência da pulverização dos riscos. É também a maior crise já vivida pelo capitalismo desde os anos 1930, porque todo o sistema de crédito americano estava atrelado, em maior ou menor grau, às operações com os títulos da dívida hipotecaria.

A tensão nos mercados financeiros das últimas semanas é resultado de uma crise de confiança: todo agente capitalizado retira seus ativos da “praça”, e passa atuar segundo estratégias extremamente defensivas. Num cenário de incerteza e desconfiança, as empresas convencionais encontram dificuldades para rolar suas dívidas, e, claro, realizar novos investimentos. Como destacara Marx, o capital tem aversão à ausência de lucro; sem investimento, toda a atividade capitalista é inibida.

Se nos países do “norte” a dificuldade de encontrar linhas de crédito para financiar a produção e consumo coloca suas pobres economias em trajetórias recessivas, imagine-se o que essa escassez provocaria nos países do “sul”.

Observe-se que o Brasil – enquanto país inserido numa economia globalizada – terá de socorrer a jóia da coroa, qual seja, os setores exportadores que certamente encontrarão dificuldades nas linhas de crédito de curto e médio prazo, além é claro do atento monitoramento por parte das autoridades monetárias à flutuação do valor da moeda brasileira – o que não deve ser uma inquietação pelo momento, já que o sólido compromisso do Governo Lula com a estabilidade monetária supõe eficientes instrumentos de ajuste cambial.

O debate a respeito da posição do BACEN e demais autoridades monetárias parece se polarizar em torno de duas posições contraditórias, porém não antagônicas:

A. O governo brasileiro reforça as linhas de crédito para socorrer o setor exportador e aperta o arrocho fiscal, tendo em vista reforçar as reservas para um recrudescimento no cenário externo.

B. O governo socorre as empresas com dificuldades com o caixa realizado após anos de política monetária restritiva, mas aposta no desenvolvimento do expressivo mercado interno para responder aos desafios do médio prazo. Uma política coordenada com outras “potências emergentes” nesse caso não seria descartável.


segunda-feira, 6 de outubro de 2008

REPÚDIO: Qual Curitiba foi às urnas ontem?

Não sei ao certo se a sensacional re-eleição de Beto Richa significa a satisfação do eleitorado curitibano, se essa satisfação supera ou reafirma o lernerismo, e tampouco se a re-eleição se apóia no carisma personalista do re-eleito.

Sei que a Curitiba que foi votar ontem está muito bem sintetizada na truculência e na homofobia expressas pelas opiniões em “Que fim levou Andrielly Vogue?” - http://www.fabiocampana.com.br/?p=13562

Mais uma vez, o imaginário homofóbico dos curitibanos ganhou disparado nas urnas. Não é apenas a violência dos policiais que assusta, mas, sobretudo, o tom fascista das opiniões ali veiculadas. Na contramão do todo nacional, a Curitiba higienizada se mantém firme na liderança de um conservadorismo banhado a leitE quentE.

Em tempo,

http://portal.rpc.com.br/gazetadopovo/vidapublica/conteudo.phtml?tl=1&id=811787&tit=Me-destruiram

JOSÉ E. SZWAKO

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Que Curitiba sairá das urnas no domingo?

Opinião
Gazeta do Povo
Sexta-feira, 03/10/2008
Emerson Urizzi Cervi

Para responder objetivamente à pergunta do título, pode-se afirmar que em se concretizando as previsões das pesquisas, o próximo domingo deve produzir um recordista de votos da cidade, pelo menos desde o período da redemocratização. Beto Richa, candidato à reeleição, pode terminar a campanha com cerca de dois terços dos votos válidos, fato inédito por aqui desde 1985, quando as capitais de estado voltaram a ter eleição direta para prefeito. Isso, claro, se o eleitor não decidir mudar o voto na última hora.

Apenas para lembrar, em 1985 Roberto Requião foi eleito prefeito de Curitiba com 45% dos votos válidos; em 1988, Jaime Lerner elegeu-se com 57%; em 1992, Rafael Greca obteve 52%; em 1996, Cassio Taniguchi fez 54% e em 2000 obteve 44% dos votos válidos no primeiro turno. Em 2004, Richa ficou com 35% dos votos válidos em Curitiba no primeiro turno.

Dois elementos chamam a atenção na comparação de eleições anteriores com a atual. O primeiro é que se Beto Richa concretizar o desempenho previsto pelas pesquisas, praticamente dobrará o porcentual de votos obtidos no primeiro turno de 2004. O segundo é que pela primeira vez existem chances reais de um candidato a prefeito de Curitiba ultrapassar a votação obtida por um ícone recente da administração local – Jaime Lerner. Se acontecer, teremos um indicador material – além da retórica dos grupos políticos – apontando para um processo de substituição do perfil tecnocrático lernerista na preferência dos eleitores, porém, sem se identificar com o discurso populista do requianismo.

Estaremos no limiar de um perfil de liderança política em Curitiba que alia o argumento técnico à participação relativa do “povo” no processo de tomada das decisões públicas. Mas o que explica tal mudança de preferência quanto ao perfil da elite política? Creio que a explicação não está na elite. A diferença no número de eleitores no período mostra isso. Em 1988, na eleição de Jaime Lerner com 57% de preferência, votaram em Curitiba cerca de 600 mil eleitores. No próximo domingo, teremos cerca de 1 milhão de votos válidos na cidade: em duas décadas praticamente dobramos o número de participantes das votações, algo que tem conseqüência no perfil, no imaginário e nas demandas do eleitor. Portanto, é legítimo que as características da elite política reproduzam a nova realidade.

Mais importante neste momento é tentar apontar as motivações para o crescimento tão significativo da preferência eleitoral por Beto Richa nos últimos quatro anos. Um erro comum em candidatos que alcançam grandes porcentuais de aceitação é julgar que o resultado deve-se exclusivamente a atos administrativos e/ou decisões políticas. O processo de decisão do voto sempre é comparativo; nunca absoluto. Ou seja, o eleitor decide votar em um candidato após compará-lo com as demais opções, o que significa que votar em alguém depende também da não-escolha dos demais – em especial nas disputas majoritárias. Nesse sentido, o perfil dos opositores a Beto Richa na disputa, às vezes muito próximo dele (neste caso, pensa o eleitor, para que mudar?) e às vezes muito distante das demandas que realmente interferem na decisão do voto, explica em grande parte o desempenho do atual prefeito.

O professor Morris Fiorina tentou sintetizar o processo de decisão de voto ao se considerar a experiência mais recente na avaliação geral (chamado de voto retrospectivo) com a seguinte frase: o eleitor olha para todas as alternativas e pergunta: “O que você andou fazendo por mim nos últimos tempos?” Diante desse questionamento, as posturas da atual administração e das oposições recentes em Curitiba ajudam a explicar.

O grupo político de Beto Richa começou a construir o desempenho eleitoral de agora há cerca de dois anos, quando um dos principais partidos de oposição na cidade, o PMDB, ficou sem bancada na Câmara Municipal. Os quatro vereadores peemedebistas eleitos em 2004, que deveriam fazer oposição à administração local, migraram para partidos da base do governo. A ineficiência de oposição durante o mandato fez com que muitas críticas surgidas na campanha fossem desacreditadas pelo eleitor comum.

Outra medida política com importantes efeitos no desempenho eleitoral de Beto Richa foi a “neutralização” do PPS de Rubens Bueno que, ao abrir mão de lançar candidato próprio em 2008, gerou condições necessárias para uma disputa polarizada – o que quase sempre favorece governos bem avaliados. O partido que também deveria fazer oposição ao governo municipal, PT, preferiu dirigir energias à defesa do governo Lula, tentando vincular líderes locais à forte aceitação do presidente da República. Estratégia legítima, porém válida apenas em disputas municipais federalizadas. Nas eleições dominadas por temas locais – creches, metrô, transporte coletivo –, o impacto eleitoral da proximidade ao presidente da República tende a ser baixo.

Chegamos, assim, ao cenário em que o atual prefeito tem ampla vantagem na preferência dos eleitores pela quase ausência de oposição ao longo de todo o governo e, em conseqüência, por falta de legitimidade da oposição na própria campanha. Há grande chance de experimentarmos um resultado inédito para a cidade, porém, que não pode ser creditado exclusivamente às qualidades dos tucanos locais, sob pena de simplificarmos explicações que devem ultrapassar o período eleitoral. Mais relevante neste momento é tentar identificar até que ponto a mudança de perfil na preferência do eleitor será consistente ao longo do tempo.

Emerson Urizzi Cervi, cientista político, é pesquisador na UFPR.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Jornalismo de primeira

Nesta quinta-feira de outubro que antecede uma eleição municipal, uma polêmica excitou jornalistas, blogueiros e internautas de Curitiba.

Fato 1: o jornal Gazeta do Povo está preparando uma matéria sobre os candidatos e enviou uma pauta de questões (segundo os próprios editores) a todos os candidatos, inquirindo sobre as relações entre os financiadores e os candidatos. O jornal diz que enviou a todos os candidatos...

Fato 2: a pauta de questões enviadas ao prefeito Beto Richa vazou e foi parar na mão de quem quisesse publicá-la. Não foi bem assim. Saiu, pelo que se viu, em dois blogs. Mas daí, não é preciso muita pesquisa, se dissipa rápido, torna-se público, o quê não é para acontecer dentro daquilo que o jornalismo dita (pelo menos antes da matéria ser terminada e veiculada). E saiu, em primeira mão, no Blog do Zé Beto (às 9:41h) e no Blog do Fábio Campana (às 10:23h). Pronto, polêmica instaurada, notas em diversos blogs, gritos pró e anti Beto Richa, pró e anti-Lula, pró e anti-Requião, pró e anti-Gazeta do Povo, uma verdadeira farra de comentários em todos os cantos.

Manifestaram-se a respeito a chefia de edição do Jornal, o ombudsman, a assessoria da prefeitura e todos que quiseram (publicadas apenas pelo Blog do Zé Beto, aqui). Diante de tanta coisa que já foi propalada e discutida, vale a pena insistir em algumas ainda pouco aprofundadas:

Primeiro: Por que a pauta vazou? Não é possível responder ‘vazou e ponto’. Isto não é comum no jornalismo local e nunca se viu uma verdadeira espinafrada em uma profissional do jornalismo (a que enviou a pauta), publicando, na primeira edição do Blog do Fábio Campana, o telefone que assina o email enviado (o que foi retirado em edição posterior). Um detalhe desses sinaliza que o “furo” jornalístico, por aqui, é quase sinônimo de difamação e picuinha entre veículos concorrentes.

Segundo: se a pauta vazou e tinha teor político de complicar o prefeito (e as relações que mantém com empresas que prestam serviço à prefeitura e pagam sua campanha), isto não é crime eleitoral. Pode até objetar-se que isto mancha o jornal e denota suas relações “escusas” em prol dessa ou daquela candidatura. Ok. Ótimo para a democracia e para o jornalismo! Ruim para a Gazeta. Mas precisa ser confirmado, precisa sair no jornal de sábado, precisa sair na televisão. Ficar polemizando com o jornal, dar o furo e criar um clima de guerra entre os organismos de imprensa é coisa política também. Se não for, cabe uma pergunta: por que o blog do Fábio Campana não publicou as respostas da Gazeta do Povo? Por que não soltou as pautas enviadas aos outros candidatos? Porque nem tocou no conteúdo da pauta de questões publicada sobre Beto Richa?

O blog do Zé Beto fez duas das três coisas: entrou no mérito da questão e reiterou as dúvidas que pairam sobre as financiadoras da campanha do atual prefeito e, depois, publicou as respostas da Gazeta. Pode ser que não tenha divulgado as pautas dos outros candidatos porque não teve acesso, e voltamos ao fato número 1.

Em tempo. Gostaria de registrar que, de três comentários que enviei ao Blog do Fábio Campana, só o último foi aceito (publicado). O que só foi feito depois que eu retirei qualquer conteúdo verdadeiramente crítico e os argumentos que tocavam na contradição do próprio blog. Quanta ingenuidade de minha parte...

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Enfim a matéria saiu na Gazeta do Povo, na edição de 03-10-2008 (acesse aqui, aqui e aqui).
Como se pode notar, não há nenhuma "bomba" para sabotar a eleição de ninguém. Os blogueiros também foram um pouco mais cautelosos.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Os candidatos e suas agendas


Publicado na Gazeta do Povo de 02-10-2008.

Luiz Domingos Costa e Adriano Codato

Em eleições onde não há polarização ideológica efetiva (esquerda versus direita, por exemplo), é difícil distinguir propostas e candidatos. Tudo é muito, muito parecido. Via de regra, um postulante assume a agenda de governo do outro, só que numa versão melhorada, segundo eles mesmos.

Para desenredar essa trama, é preciso olhar o panorama político municipal não em função das campanhas atuais, mas a partir da história eleitoral recente. Desse ponto de vista, percebem-se mudanças importantes, (des)continuidades, momentos críticos onde foi útil incorporar o assunto e o perfil dos adversários. Relacionar grupos/partidos e discursos/agendas é um bom exercício para pensar como e por que, em Curitiba, estamos diante de políticos cada vez mais semelhantes e que, curiosamente, lutam para ficarem cada vez mais idênticos.

Após anos de supremacia de Lerner e sua confraria à frente da Prefeitura de Curitiba, o discurso da racionalidade técnica e da competência administrativa foi desafiado, na eleição municipal de 2000, pelo slogan “a cidade quer ser gente”, inventado pela campanha de Ângelo Vanhoni, do PT. Menos a frase e mais o que ela prometia – uma administração “humana”, isto é, voltada para o bem-estar das “pessoas” – foi responsável pela mais severa contestação da aliança política que, com os devidos ajustes, ocupa hoje a prefeitura da capital. Cássio Taniguchi (PFL) disputou o segundo turno correndo sério risco de perder a eleição para um partido relativamente pequeno e para um desafiante até então pouco conhecido.

Com o crescimento do PT na cidade (em 2000, elegeu seis vereadores, a segunda maior bancada na Câmara Municipal) e a entronização de Vanhoni como alternativa eleitoral enfim viável, a assessoria de Beto Richa cunhou, para a eleição de 2004, o slogan “a cidade da gente”, em clara alusão ao lema petista anterior. Deixando de lado sua conotação bairrista, que estigmatizava os demais candidatos e partidos como estrangeiros, no limite intrometidos e, portanto, indesejáveis, o fraseado pretendia incorporar, no plano discursivo, um assunto até então ausente nas campanhas políticas dessa turma: a assistência social. Aparentemente, o cardápio de idéias da gestão lernista estava esgotado e a elite no poder viu-se impelida a adicionar à imagem tradicional – uma administração técnica, racional, voltada para a construção de uma cidade-modelo a partir das diretrizes científicas do planejamento urbano – a preocupação com “o social”. A estampa de Richa como engenheiro civil, ainda presente e sempre muito útil, mesclou-se com a do político. Herdeiro da mitologia recém-edificada em nome do pai, ele pôde, como pode agora, apresentar-se não como mais um “técnico”, mas como o “ético”. Não era precisamente o PT que pretendia ter o monopólio nessa área?

Em Curitiba, a tecnocracia (seja o grupo político, seja a idéia política) já foi bem mais forte. Em 2008, ela é muitíssimo menos valorizada eleitoralmente. Nenhum candidato todavia pode abrir mão de proclamar o cuidado com o ordenamento e o desenvolvimento urbano da cidade. Trata-se de um valor local enraizado. Por outro lado, a questão social entrou de fato na agenda pública municipal. Essa foi, possivelmente, a principal mudança no plano das idéias e dos discursos.

Não é preciso acompanhar todos os programas eleitorais para perceber que a ênfase dos dois principais candidatos sobre esse ponto produziu um curto-circuito tanto na imagem como na mensagem do PT. Até por isso, a figura maternal de Gleisi Hoffmann, prometendo “cuidar das pessoas”, nada menos do que a radicalização um tanto piegas daquela disposição assistencial, teve de ser complementada pela exibição (e pela exaltação) do seu currículo profissional: técnica em orçamento público, especialista em finanças, secretária de governo etc. O drama é que nos últimos quatro anos seu oponente incorporou, de forma bem mais pragmática, essa inclinação para as questões sociais, sem abrir mão do figurino circunspecto de administrador.

Esse é um exemplo muito simplório de como ideologias, plataformas e programas partidários acabam se mesclando. Em função do apelo eleitoral, candidatos tendem a mudar de posição, ajustar discursos e compartilhar agendas.

Em certas eleições, as diferenças estão muito bem dispostas diante do eleitor. Em outras, nem tanto. Procurar as origens dessa miscigenação é importante para desembaralhar o cenário político. Promover todos os assuntos, assumir o estereótipo mais rentável e ostentar quaisquer bandeiras parece ser em todo o lugar a lógica subjacente às estratégias dos candidatos, mesmo que isso possa minar a identidade dos respectivos partidos. Movimento perigoso, já que depende da dose. Ela oscila entre o que uma agremiação pretende incorporar e aquilo de que não pode abrir mão. Recuar um pouco no tempo para atentar não só para diferenças, mas para como as distinções foram se borrando e as propostas perdendo substância pode ser um antídoto para esse sintoma da política contemporânea.